segunda-feira, 14 de julho de 2014

Franz Schubert e a reforma administrativa

POR JORDI CASTAN

Finalmente se conhecem os detalhes de como surgiu a ideia da reforma administrativa. E os joinvilenses têm o direito de saber. A reforma administrativa teve basicamente dois lances, o antes e o depois. O antes: o surgimento da ideia preliminar é um capítulo interessante da nossa historia recente e é justamente o que gostaria de compartilhar aqui. O segundo capítulo: envolve o amplo debate que não houve na nossa Câmara de Vereadores e deverá ter ainda desdobramentos quando puder ser avaliado, com a perspectiva do tempo, o impacto que a reforma possa vir a ter para o cidadão e como nos afetará no futuro.

Pouca gente sabe que a ideia original da reforma não partiu do próprio prefeito e foi o resultado de um acidente de percurso, o que poderia ser considerado uma casualidade. Mas o que muita gente sabe é da paixão do prefeito pela música erudita. E justamente por ser tão conhecida, o prefeito foi convidado pelo prefeito de uma cidade vizinha para assistir um concerto de música erudita, no programa a Sinfonia Incompleta D 759, de Franz Schubert.

À ultima hora - e para atender um convite urgente em Brasília - o prefeito teve que declinar o convite e transferiu a responsabilidade de representá-lo a um dos seus secretários mais próximos. Não há unanimidade sobre se o secretário que o representou foi este ou aquele, mas o que sim se sabe é que o secretário em questão entendia pouco de música e menos ainda de música erudita. No dia seguinte, o secretário elaborou um detalhado relatório, com o objetivo de informar o prefeito do que tinha visto e fazer as suas recomendações. Foi justamente depois de ler este informe que o prefeito indicou o secretario para elaborar o projeto da reforma administrativa que aprovou o nosso legislativo.

O informe ao que o Chuva Ácida tem tido acesso em exclussividade.

1.- Os músicos que tocam os instrumentos de madeira demoram muito tempo em começar a tocar, ficam uma boa parte do tempo sem fazer nada. A minha sugestão é que se reduza a sua quantidade e parte do seu trabalho seja redistribuído entre outros músicos para reduzir a ociosidade.

2.- Por esse mesmo motivo, os músicos que tocam o triângulo, o címbalo, o bombo e outros instrumentos de percussão devem ser reduzidos: um único musico pode tocar todos os instrumentos e ainda para aumentar a produtividade o músico escolhido poderá além de usar os dois braços utilizar as duas pernas.

3.-  Os doze violinos tocam todos as mesmas notas. É evidente que há um desperdício de esforços e, com esta repetição, é recomendável reduzir drasticamente o número de músicos neste grupo. Se o objetivo de contar com esta quantidade de violinos é o de produzir um som mais alto, isso poderia ser obtido facilmente com um amplificador eletrônico de alta potência e com dois ou, no máximo, três músicos.

4.- A orquestra dedica um enorme esforço a tocar fusas e, aparentemente, isso representa um sofisticação inútil. Seria recomendável reduzir todas as fusas para as duplas colcheias ou para colcheias mais próximas. Simplificando o processo será possível poder utilizar estagiários e músicos menos qualificados e será possível baixar os custos.

5.- A repetição constante por outros instrumentos das passagens já interpretados pelos instrumentos de corda é cansativa e acrescenta pouco. Se todas estas repetições fossem retiradas da partitura, a peça, que dura quase duas horas, poderia ser interpretada em pouco mais de vinte minutos.

6.- Se tomadas em conta e aplicadas as recomendações aqui mencionadas, haverá uma redução do número de músicos de 90%. Assim, dos 82 músicos que atualmente compõem a orquestra seria possível trabalhar com um efetivo de 8,2 músicos.

7.- Também seria possível reduzir os custos de utilização da sala de concertos, com a nova composição da orquestra seria possível utilizar uma sala de reuniões de tamanho médio e retransmitir o concerto utilizando equipamentos audiovisuais e de videoconferência.

8.- Inclusive o teatro utilizado para a apresentação perderia a utilidade e não seria mais necessário. Poderia ser fechado e depois vendido e o seu espaço aproveitado para a implantação de um moderno projeto imobiliário, uma torre com 30 andares por exemplo.

9.- Finalmente, senhor prefeito, se o dito Schubert tivesse prestado um pouco mais de atenção a estes aspectos, seguramente teria acabado a sua sinfonia no prazo estabelecido e não a teria deixado inacabada.


Isso posto, está explicada a linha mestra da reforma administrativa e o porquê foi abraçada com tanto entusiasmo pela administração municipal com o prefeito à cabeça. Não há como se surpreender que os vereadores - os mesmo que aprovaram que o passeio seja agora para os veículos e não mais para os pedestres - pudessem aprovar tão facilmente uma proposta arrojada, inovadora e moderna como a que o executivo elaborou e o prefeito chancelou.

domingo, 13 de julho de 2014

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Delfim pedindo mudanças no futebol é piada pronta

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Delfim Peixoto ainda disse que o futebol precisa de mudanças, urgentemente.
"Tem que mudar. Vamos precisar de muitas mudanças daqui para frente. Eu tenho certeza que Marco Polo Del Nero [Presidente da CBF eleito recentemente] tem disposição em fazer isso. E mesmo que não tivesse, teria de fazer de qualquer maneira. E urgente", finalizou.
Entrevista de Delfim Pádua Peixoto Filho, Presidente da Federação Catarinense de Futebol, para a ESPN Brasil*

A derrota de 7x1 para a Alemanha escancarou o verdadeiro problema do futebol brasileiro. Felipão, Parreira, Murtosa, Fred não foram, em sua totalidade, os responsáveis pelo fiasco apresentado em Belo Horizonte. Os responsáveis, por muitas vezes ocultos, precisam ser revelados. E um destes culpados está em Santa Catarina e chama-se Delfim Pádua Peixoto Filho que, junto com a maioria dos outros dirigentes de futebol no Brasil, atropelam a democracia e formam verdadeiras oligarquias do futebol, apoderando-se de toda a estrutura social e econômica que gira em torno do campo e bola.

Digo isto porque na última quarta-feira, ao assistir à bisonha entrevista coletiva de Parreira e Felipão, na qual tentaram apresentar justificativas, deparei-me com uma pergunta de um jornalista, querendo a opinião do técnico brasileiro sobre a supracitada entrevista dada por Delfim à ESPN Brasil. Sem considerar o mérito da resposta de Felipão, e principalmente a repercussão de alguns catarinenses "ofendidos", o que Delfim disse é digno de ir para a exemplificação do que é hipocrisia nos dicionários. "Dr. Delfim", como é costumeiramente chamado, foi deputado estadual durante a ditadura militar, e é, desde 1985, Presidente da Federação Catarinense de Futebol. Acabou de ser reeleito para o sétimo mandato, até 2019. Ou seja, completará 34 anos no poder do futebol do estado e terá 78 anos de idade. Inclusive já prepara a "cama" para seu filho, que também é dirigente da Federação Catarinense de Futebol e lutador de boxe nas horas vagas, assumir em 2019.

Delfim é o mesmo dirigente que durante anos compactuou com Ricardo Teixeira, ex-Presidente da CBF e contou, como moeda de troca, com seu apoio para suas seguidas reeleições. Na gestão do Ricardo Teixeira, o futebol brasileiro apodreceu por dentro, ou seja: os pequenos clubes do futebol brasileiro morreram, juntamente com os estaduais. A média de público do nosso futebol  (inclusive o catarinense) despencou e os jovens talentos cada vez mais são transferidos para o futebol do exterior. A grande maioria dos clubes não tem calendário fixo, e há uma enorme quantidade de jogadores profissionais que não recebem sequer dois salários mínimos, contrariando toda a vitrine dos grandes jogadores. A derrota na semifinal do mundial no Brasil é reflexo disto: um futebol pobre, sem identidade, e que tem em seus dirigentes a omissão e as muletas em títulos mundiais conquistados na base de talentos que fogem à regra de nossa realidade. 

Não podemos esquecer que Delfim, ao compactuar com Teixeira, compactua com um dirigente que é investigado pela justiça da Suíça, pela Polícia Federal do Brasil e pela própria FIFA (sic!) após escândalos de fraude e corrupção. 

E, por fim, vale lembrar que Delfim "ganhou" o evento de treinadores e representantes das seleções da Copa 2014 em Florianópolis, como troca pelo estado de Santa Catarina não ser sede de nenhum jogo no mundial. Mundial este que, como estamos cansados de falar, extirpou de milhares de famílias brasileiras o direito à cidade e os direitos humanos básicos para construir estádios em doze capitais brasileiras.

Delfim dentro de poucos meses será Vice-Presidente da Confederação Brasileira de Futebol, entidade que reúne todo o status quo do futebol brasileiro. Alguma chance de mudança? Ou o "Dr. Delfim" virou humorista?

* http://espn.uol.com.br/noticia/424304_felipao-nao-volta-nunca-mais-diz-vice-da-cbf

quinta-feira, 10 de julho de 2014

A Copa, o senador e o bacharelismo virtual


POR CLÓVIS GRUNER

A derrota para a Alemanha adiou por mais quatro anos o sonho de milhões de brasileiros. Mas o mundial serviu para que exercitássemos nossa reprimida verve intelectual: não faltaram análises que pretendiam, nada modestamente, desnudar a identidade brasileira una e imutável, expor nossa verdade histórica e iluminar os caminhos e descaminhos de nossa política. Com as redes sociais se transformando em uma espécie de “puxadinho acadêmico” e o futebol servindo para “estudo de campo” (com o perdão do trocadilho), era pra se esperar novos e interessantes achados. Os resultados de tanta pesquisa, no entanto, são duvidosos.

Houve um esforço, principalmente depois de terça-feira, para associar o resultado da Copa com as eleições de outubro, como se ambas as coisas – futebol e eleição – estivessem automaticamente relacionadas. Não é verdade: se em 1994 o Brasil conquistou o tetracampeonato e o candidato governista, FHC, foi eleito, a coisa não se repetiu em 1998, quando a seleção perdeu a final em uma partida, lembremos, também vergonhosa, mas o resultado não influenciou as urnas e FHC foi reeleito. Por outro lado, em 2002 a seleção foi pentacampeã e o candidato da situação, José Serra, perdeu para Lula, que foi reeleito em 2006 e elegeu Dilma em 2010, apesar das campanhas pífias nas Copas da Alemanha e da África, com resultados ainda piores que os desta, em que chegaremos, pelo menos, ao quarto lugar.

Não estou negando a relação entre futebol e política. Mas dificilmente alguém decide o voto movido pelo resultado de um torneio esportivo, independente de nossa paixão pelo futebol. Assim como a reeleição de Dilma não estaria garantida com o hexa, uma eventual eleição, seja de Aécio Never ou de Eduardo Campos, não será resultado da derrota: é bom a oposição ter claro que os sete gols alemães não substituem ideias nem, tampouco, um programa de governo. É certo que Dilma fará um uso político do fato da Copa ter acontecido sem que se concretizasse a tragédia anunciada pelos muitos anjos do apocalipse. Mas por outro lado, não faltará quem lhe cobre a ausência de transparência; os operários mortos na execução das obras; a ação truculenta da polícia e do exército; os milhares de cidadãos brasileiros removidos à força em função das obras, entre outras coisas.

ANTROPOLOGIA DE TECLADO – Mas os equívocos não foram só políticos. No day after da semi-final, internautas se apressaram a associar a supremacia alemã em campo à sua superioridade intelectual e científica: a atestar nossa incompetência, circulou pelo Facebook uma estatística confrontando o número de prêmios Nobel conquistado pela Alemanha a inexistência de um único brasileiro. A resposta veio no mesmo tom: descobrimos atônitos, graças ao diligente patriotismo de plantão, que a terra de Hegel amarga o vexame de seus 7,5 milhões de analfabetos o que, subentende-se, coloca no mesmo patamar os seus e os nossos problemas. Heideggarizando: é-de-dar-dó-do-ser-aí.

Sei que a vida, o universo e tudo o mais não cabem em um ‘post’ de rede social. Mas isso poderia servir justamente para tomarmos um pouco mais de cuidado com comparações e publicações apressadas e desprovidas de fundamento, tais como a do senador Álvaro Dias. O parlamentar paranaense já havia sido motivo de chacota ao cismar com a bandeira cubana no clip da Copa. Na semana passada, a solidarizar-se com as vítimas do desabamento de um viaduto em construção na capital mineira, o tucano preferiu tripudiar e tentar faturar eleitoralmente com a tragédia. Pois ontem o senador presenteou-nos com um texto anônimo, publicado em sua página no Facebook, exemplar em sua pretensão de fazer, de nossa suposta identidade, um diagnóstico que se quer histórico e antropológico, mas que não chega a tocar as fronteiras da mediocridade.

ENFIM, UM PROJETO PARA O PAÍS – Intitulado “Mais que um jogo”, o texto não apenas desfila alguns lugares comuns do vira-latismo de boutique, mas os eleva a um outro nível, tendo como fio condutor a máxima que abre a breve digressão: a derrota da seleção brasileira representou “a vitória da competência sobre a malandragem!”. Piora: nas linhas seguintes ficamos sabendo que “o Brasil cansou de ser traído pelo seu próprio povo”, e que nós todos, além de malandros e incompetentes, somos parasitas corruptos e incorrigíveis. E não apenas nós, mas nossos pais, mães, avôs e avós: o legado da copa será o “exemplo para gerações futuras”, não para a nossa ou de nossos genitores e progenitores. Somos, diz o autor desconhecido e repete o senador, além de desonestos, assassinos, ladrões e traiçoeiros atávicos.

Não sei dizer o que mais me incomodou, se a pretensão arrogante de fazer o diagnóstico de uma sociedade complexa, diversa e contraditória como a nossa a partir de um único jogo, ou o oportunismo malandro e eleitoreiro do senador. No primeiro caso, fico a imaginar qual a repercussão do texto se, por exemplo, o resultado fosse outro e se tivéssemos chegado à final: seríamos um outro povo, segundo o autor daquelas mal traçadas. E se é legítimo reduzir o que somos a uma derrota no futebol, que dizer do fato que a mesma seleção vencida em campo na terça sagrou-se cinco vezes campeã mundial em torneios anteriores? Como disse um amigo, pra fazer antropologia barata sobre o “ser brasileiro” a partir de uma partida de futebol, já basta o Roberto DaMatta.

Até ontem à noite, quase 33 mil pessoas haviam compartilhado o pequeno libelo, e pelo menos duas coisas explicam sua repercussão. Uma delas é o tal oportunismo eleitoreiro, explícito na menção maldosa e malandra ao ex-presidente Lula. Outra é aquilo que Nelson Rodrigues chamava de “complexo de vira lata”. Quando cunhou a expressão, o “anjo pornográfico” pretendia arrancar-nos dessa incômoda e humilhante condição, a de vivermos em uma espécie de sujeição voluntária – parafraseando La Boètie. Álvaro Dias e assemelhados não pretendem outra coisa senão perpetuá-la, porque essa é a condição sobre a qual construíram seu projeto de poder. Outro dia reclamei que a oposição não tem um programa de governo porque não está disposta a pensar o país. Me enganei: uma coisa e outra estão lá, naquelas poucas linhas compartilhadas no Facebook do senador tucano. Ao menos para isso nos serviu a Copa.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Haters são cascas de ferida


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O leitor e a leitora sabem o que são haters? Se formos traduzir para o português, podemos denominá-los “odiadores”, palavra que sequer vem nos dicionários (mas é só uma questão de tempo). Fácil entender, né? Os caras são produto da revolução digital, que pôs as pessoas em rede – neste caso, em redes sociais – e as suas intervenções são sempre marcadas pelo ódio, em especial quando estão sob o anonimato.

Os haters são insignificantes demais para tratarmos o fenômeno como uma doença social. Tomo a liberdade de chamá-los “verrugas sociais”: desagradáveis, inconvenientes e um tanto asquerosos. Mas inofensivos. O único desconforto que podem causar é o mal-estar da sua desnecessária existência. Não chega a ser um problema, porque são fáceis de extirpar e muitas até desaparecem sozinhos.

O Urban Dictionary, também um produto destes tempos digitais, define o hater como “uma pessoa que simplesmente não consegue ficar feliz com o sucesso de outra pessoa. Então, faz questão de tentar expor uma falha nessa pessoa. Viver do ódio, o resultado de ser um hater, não significa que há inveja. O hater realmente não quer ser a pessoa que odeia, mas apenas tentar rebaixá-la”. Onde foi que vimos isso, anônimos?

Há coisas que denunciam um hater. A primeira delas é que os caras não se reconhecem como haters: como os loucos, que não admitem a própria loucura, os haters nunca percebem o fato de serem movidos pelo ódio. Há mesmo os que chegam ao delírio de pensar que estão a debater. Mas usam sempre o argumentum ad hominem (embora nada saibam de latim, claro). Nunca expõem ideias e limitam-se aos ataques pessoais.

O tratamento dos haters é um tema forte nas discussões internas aqui do blog. Tem gente que prefere descartar as mensagens de ódio e ataques pessoais. Sob esse aspecto tenho sido mais liberal, porque não elimino muitos comentários. Mas não é por ser mais democrático. É por vaidade. Acontece que, na maioria dos casos, os haters atacam pessoas que intimamente admiram. E eu gosto que eles me façam essa massagem no ego.

É como diz o velho deitado: “digital times, pixelated minds”.