sexta-feira, 23 de junho de 2023

Do Titan ao Kursk, a implosão catastrófica da memória

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO 

A tragédia do Titan emocionou meio mundo. Durante dias as televisões não falaram de outra coisa, o que contribuiu para atiçar o interesse das massas. Mas todas as dúvidas foram dissipadas quando a guarda costeira dos EUA confirmou que os ocupantes do submergível haviam morrido de uma “implosão catastrófica” no fundo do Atlântico.

Sem surpresa, as redes sociais passaram a fazer circular versões, teorias e até foram desenterrar fatos históricos. Em tempos de guerra, com o foco na invasão da Ucrânia, houve quem lembrasse de uma notícia antiga: o submarino usado por James Cameron para filmar “Titanic” era russo, por ser mais seguro. Os adoradores do proto-ditador Putin celebram essa “superioridade” russa.

É apenas um problema de memória. Ninguém parece lembrar do submarino russo Kursk, que afundou no Mar de Barents, em 2000, matando toda a tripulação. Dos 118 tripulantes a bordo, apenas 23 conseguiram sobreviver inicialmente e se refugiar em uma seção danificada do submarino. No entanto, devido à lentidão no resgate, morreram todos por falta de oxigênio.

O presidente Vladimir Putin mostrou relutância em aceitar ajuda externa para o resgate dos tripulantes. Mas à medida que o tempo passava, a pressão aumentou e ele acabou aceitando assistência internacional. No entanto, por causa dessa resistência os mergulhadores europeus só entraram em ação oito dias depois. E já era tarde.

A abordagem de Vladimir Putin em relação ao desastre do Kursk foi alvo de discussões e controvérsias, com questionamentos sobre a resposta russa. Mas hoje isso já não é assunto e a memória do Kursk representa apenas uma implosão catastrófica na memória dos adoradores de Vladimir Putin.

É a dança da chuva.

Foto: Harvey Clements

segunda-feira, 19 de junho de 2023

BRICS: o lado bom e o lado perigoso

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Há uma nova configuração geopolítica a ser formada. A lógica de uma potência hegemônica, no caso os Estados Unidos, está a ser posta em xeque com o crescimento da China. No caso do Brasil, a integração nos BRICS aponta o caminho para um novo rumo de integração econômica. Até aí tudo bem.

Se a aliança dos BRICS é boa na economia, não é possível dizer o mesmo no plano da política. O Brasil é um país que procura a consolidação de democracia, depois de se safar das atrocidades bolsonaristas, e os integrantes do BRICS não são países muito focados no respeito pelas liberdades individuais.

- A Rússia tem muitas restrições no que toca às liberdades civis, incluindo limitações à liberdade de expressão, imprensa e manifestação. Há restrições à atividade política e uma tendência de supressão da dissidência. Tudo isso sem falar que Putin decidiu invadir a Ucrânia.

- A Índia, que vinha mantendo uma democracia vibrante e uma imprensa livre, nos últimos anos tem enfrentado restrições à liberdade de expressão, especialmente em relação a críticas ao governo. Tudo isso sem falar em  questões de intolerância religiosa e censura online.

- A China tem um sistema político autoritário, com restrições significativas no plano das liberdades civis. Há censura estrita na mídia e na internet, controle sobre organizações da sociedade civil e violações dos direitos humanos em áreas como o Tibet e Xinjiang. Tudo isso sem falar nos pesadelos de Hong Kong e Macau.

- A África do Sul tem uma constituição progressista, que protege as liberdades civis. No entanto, o país enfrenta desafios, como altos níveis de criminalidade e desigualdades sociais. Na economia, os problemas no plano energético atrasam o desenvolvimento. O governo de Matamela Ramaphosa não tem conseguido oferecer respostas, apesar do respeito pelo presidente.

Isso quer dizer que o Brasil tem dividendos a tirar no plano econômico, mas é preciso ter muito cuidado no que se relaciona às questões da política. O fato é que o país está em péssimas companhias, sobretudo China, Índia e Rússia, quando o tema é a democracia. Não quer dizer que o contágio político seja uma coisa linear, mas pode causar dissensões no futuro.








sábado, 17 de junho de 2023

Brasileiros em Portugal: o quartinho da empregada

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Um jornal português anuncia que “mais de 250 mil brasileiros compraram casa em Portugal”. Mais do que isso, os investidores do patropi continuam a representar o principal filão estrangeiro para o mercado português do setor. E com destaque para um fator,  porque estamos a falar do mercado imobiliário de luxo.

É natural que essa tendência tenha provocado algumas mudanças, mesmo culturais, em Portugal. O dinheiro manda. Para satisfazer os brasileiros endinheirados, algumas construtoras começaram repensar as plantas dos imóveis para introduzir um espaço específico: o quartinho da empregada. A ideia tinha desaparecido em Portugal.

Há poucas expressões mais odiáveis do que “quartinho da empregada”. Porque é a extensão moderna da senzala de Gilberto Freyre. Na época colonial era um espaço de exploração e submissão, onde os escravos viviam em condições precárias. O "quartinho da empregada" parece ser uma repaginação dessa situação.

É cultural. Os escravos de ontem parecem ter sido substituídos pelos pobres e periféricos de hoje. E há que juntar o cheiro do patriarcado, uma vez que é raro (ou mesmo impossível) ouvir a expressão "quartinho do empregado". A casa grande patriarcal sempre aceitou a presença das mulheres, mas não dos homens.

Enfim, o quartinho da empregada é um espaço de segregação social e econômica, como era a senzala. É palco de desigualdades e relações de poder presentes na sociedade brasileira em diferentes momentos históricos. Afinal, para os endinheirados brasileiros a riqueza só faz sentido se houver pobres por perto.

Sociologias à parte, não resisto a um comentário em linguagem mais chã: essa gente vota Bolsonaro e foge para Portugal, um país neste momento governado por socialistas. Aliás, convém dizer que para os portugueses o Partido Socialista é de centro esquerda com algumas decaídas neoliberais. E, mesmo assim, no Brasil seriam considerados malfeitores comunistas do piorio.

Em tempo: as expressões "elevador social" e "elevador de serviço" também são abjetas na sua aplicação concreta.

É a dança da chuva.



quarta-feira, 14 de junho de 2023

Os vereadores de Joinville estão com tempo de sobra?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O melhor lugar do mundo para trabalhar deve ser a Câmara de Vereadores de Joinville. E a melhor função (tenho dúvidas se chamo “trabalho”) deve ser a de vereador. Porque, ao que parece, eles têm tempo de sobra. Afinal, é preciso "estar de varde" (expressão que aprendi em Joinville) para mandar pelo ralo o tempo que, vale lembrar, é pago pelos cidadãos.

Vejam só a utilidade desta ação. Leio, no pouco que resta da imprensa na cidade, que a Câmara de Vereadores aprovou uma moção, dirigida ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, para que encaminhe a denúncia que pede a abertura do processo de impeachment do presidente Lula. E pronto. Joinville está salva. Depois desta ação, a qualidade de vida dos joinvilenses está garantida.

O documento, apresentado pelo vereador Willian Tonezi, teve onze votos favoráveis e um previsível voto contra da vereadora Ana Lucia Martins, do Partido dos Trabalhadores. Aliás, o quórum foi tão baixo porque os demais vereadores não estavam por lá. A acusação feita na moção é de ingovernabilidade e também a condenação de algumas falas do presidente.

Gênios. Depois da hecatombe que foi o governo Bolsonaro, nos últimos quatro anos, agora é que eles enxergam “ingovernabilidade”. E foi preciso esperar apenas cinco meses. Ora, as pessoas têm direito às suas opiniões, mas não aos próprios fatos. Porque a realidade está dando o drible da vaca nos sujeitos. O governo Lula acumula resultados positivos. Bola no meio das canetas dos vereadores. Olé!

E já que recorro às metáforas do futebol, tenho uma sugestão para os vereadores. Enviem uma moção para os dirigentes do Brasileirão e peçam o impedimento do Botafogo na liderança do campeonato. Afinal, o técnico Luís Castro anda meio comunista. Olhem só o que ele disse: “Para mim (...) é o trabalho com dignidade e honestidade intelectual que conta”.

Huuummm... má citação. Agora vêm esses portugas com essa conversa de trabalhar.

É a dança da chuva.






segunda-feira, 12 de junho de 2023

Free Assange: Lula e a hipocrisia da democracia dos EUA

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Em mensagem no Twitter, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse estar preocupado com a ameaça da extradição, para os EUA, do jornalista Julian Assange, fundador do WikiLeaks. Há poucos dias, o Tribunal Superior de Londres rejeitou o recurso do jornalista e a extradição pode estar iminente. A preocupação não deve ser apenas de Lula, mas de todas as pessoas que defendem a democracia e a liberdade de imprensa.

"Vejo com preocupação a possibilidade iminente de extradição do jornalista Julian Assange. Assange fez um importante trabalho de denúncia de ações ilegítimas de um Estado contra outro. Sua prisão vai contra a defesa da democracia e da liberdade de imprensa. É importante que todos nos mobilizemos em sua defesa", diz a nota do presidente brasileiro.

Que imputações pesam sobre o jornalista e ativista australiano nos EUA? Assange deve responder por 18 acusações de espionagem, o que inclui a violação das leis de segurança, divulgação de informações confidenciais, cumplicidade em hacking e violação de acordos diplomáticos. As condenações podem levar a uma pena de até 175 anos. As acusações são muitas, mas Assange fez o que qualquer jornalista deveria fazer: divulgar de informações de interesse público.

Convém lembrar que o historial de espionagem dos EUA não é dos mais abonatórios. É só lembrar o caso Edward Snowden e as denúncias de interceptação de comunicações da ex-presidente Dilma Rousseff e membros do governo do Brasil. A informação não teve grande impacto na opinião pública brasileira, porque o país estava a mergulhar no período de instabilidades que resultou no impeachment da presidente.

O fato é que está em jogo mais do que a liberdade de um homem. A extradição e consequente julgamento de Julian Assange é um duro golpe contra a liberdade de imprensa. Afinal, revelar abusos governamentais, como o desrespeito pelos direitos humanos e violações das leis internacionais, é obrigação de qualquer jornalista. E o caso Assange não se coaduna com a pretensão dos EUA de serem os líderes da democracia mundial.

Não é a primeira vez que Luiz Inácio Lula da Silva é duro ao falar no caso do jornalista. Há poucas semanas, na Inglaterra - país onde Assange permanece preso - durante uma coletiva, o presidente lembrou o tema. "É uma vergonha que um jornalista que denunciou a falcatrua de um Estado contra outro esteja preso e condenado a morrer em uma cadeia", atacou Luiz Inácio Lula da Silva.

É a dança da chuva