Uma coisa impensável nos Estados Unidos de décadas atrás: um político assumir que é socialista e não ser execrado pelos eleitores. Os tempos mudam. A ascensão de Bernie Sanders, derrotado por Hillary Clinton nas primárias para a corrida à presidência, em 2016, abriu caminho para outros protagonistas que estão em sintonia com um certo “socialismo democrático”.
O nome mais sonante do momento é o de Alexandria Ocasio-Cortez, que venceu as eleições primárias para o 14º Distrito de Nova Iorque, pelo Partido Democrata. Aos 28 anos, de origem latina e tendo passado a infância num bairro de colarinhos azuis, Ocasio-Cortez afirma ser socialista democrático e tem como bandeiras a defesa dos mais fragilizados, como os imigrantes.
E quem não lembra da atriz Cynthia Nixon, que fazia a personagem Miranda Hobbes na série “O Sexo e a Cidade”? Pois a moça é ativista política e está a disputar as primárias para o governo de Nova Iorque. “Se ser socialista democrática significa que você considera direitos fundamentais, saúde, habitação, educação e justiça, então pode me chamar socialista”, escreveu ela, num tuíte que fecha com a imagem de uma rosa, símbolo do socialismo.
É claro que a coisa ainda anda muito por Nova Iorque, um dos estados mais liberais do país. No entanto, o interessante do quadro atual é que a ideia de “ser socialista” já não provoca tanto comichão. Não é obra do acaso. É a reação da sociedade a uma realidade em que os números não ajudam. Os Estados Unidos já não são o que foram em décadas passadas e hoje têm 40 milhões de norte-americanos vivendo na pobreza. Muitos em pobreza severa.
Mais do que isso, o democrata Bernie Sanders tem insistido na divulgação de dados que apontam para 140 milhões de pessoas com dificuldades de atender as suas necessidades básicas, como habitação, planos de saúde ou medicamentos. Existem 30 milhões de pessoas sem planos de saúde, além de outros tantos que possuem planos, mas com coberturas insuficientes para certos tratamentos.
Os Estados Unidos não são um país para velhos. Mais da metade dos trabalhadores mais idosos não consegue poupar para a aposentadoria. Aliás, muitos dos que pouparam ao longo da vida – é o processo normal – agora estão a ter problemas para se manter, porque vivem mais tempo e o dinheiro não chega até ao fim da vida. Outro dado relevante: 40% das pessoas não conseguem ter uma poupança de 400 dólares para uma emergência.
O surgimento dessas vozes – sob a marca da palavra socialismo – é uma resposta à agudização dos problemas de uma sociedade que está a deixar muitos dos seus cidadãos para trás. No entanto, o fenômeno não deve iludir os “socialistas” mais ortodoxos, que acreditam na formação de sociedades igualitárias, sem propriedade privada e com o Estado a regular tudo. Não é isso que está em jogo.
As propostas passam por uma espécie de “welfare state” como o que existe na Europa. Ou seja, o Estado é responsável por atender as exigências básicas dos cidadãos como saúde, habitação ou educação. É só dar uma olhada nas ideias defendidas por Bernie Sanders. O democrata deseja um salário mínimo nacional de 15 dólares/hora, universidades públicas gratuitas e um maior acesso dos cidadãos ao sistema de saúde.
É o socialismo reivindicado por estes políticos. E já não é pouca coisa.
É a dança da chuva.
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Bernie Sanders, Alexandra Ocasio-Cortez e Cynthia Nixon |