terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Tem pão com mortadela grátis na Havan

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Vocês viram o vídeo do empresário Luciano Hang, das lojas Havan, por causa de uma manifestação numa de suas lojas em Chapecó? O homem não gostou nadinha. Em tom um tanto belicoso, diz que o povo “quer disciplina, quer ordem, quer progresso, quer trabalho, não quer essa bagunça”. Tem ironia aí. As lojas têm aquelas breguésimas estátuas da liberdade... mas nada de liberdade de manifestação.

O ponto alto do filme é o momento em que ele oferece pão com mortadela e carteira de trabalho aos manifestantes. O alvo é certinho. Todos sabemos para quem é o pão com mortadela. A carteira de trabalho, diz o empresário, é para o radicais que passam anos e anos sem trabalhar (parece que os 12% de desempregados não entram na conta). E arremeta: “o trabalho dignifica”. Ufa! Quase saiu um “o trabalho liberta”.

Tem lapso freudiano no discurso. “Vocês que ficaram 14 anos no poder e ainda não arranjaram emprego, ainda não arranjaram casa, ainda não arranjaram terra? Vão trabalhar, malandragem”, ironiza. Opa! Devemos entender que, para o empresário, o poder só serve se for para se dar bem? Ora, ora, ora. Isso não é bonito vindo de uma pessoa que, já se sabe, tem pretensões políticas.

Se fosse num país desenvolvido, a empresa teria problemas (brand building is a bitch), porque a sociedade civil estaria rotinada para responder. Os cidadãos e os consumidores. Mas não no Brasil. Não em Santa Catarina. Há um fator crucial a considerar: Luciano Hang tem grana. E em sociedades atrasadas isso é fonte de poder. Quanto mais dinheiro, mais poder. O empresário pode fazer os discursos de ódio que quiser sem ser contestado.

Muita gente vive acagaçada pelo poder do dinheiro. E a mídia catarina, que vive de pires na mão e é sempre subserviente às verbas publicitárias das empresas, também cuida para não fazer marolas. O assunto vai passar batido e não haverá contraditório. Ninguém tem coragem de peitar o homem e contra-argumentar. Aliás, se houver alguma manifestação, será de apoio. Discursos para o lumpencoxinhato são sempre bem recebidos em Santa Catarina.

É a dança da chuva.


No Rio, um manual de sobrevivência em tempos de intervenção

POR ET BARTHES

Um sinal inequívoco de uma sociedade doente. No Rio de Janeiro, três jovens negros sentiram a necessidade de criar um vídeo com dicas de sobrevivência em tempos de intervenção. O publicitário Spartakus Santiago, o repórter Edu Carvalho e o youtuber AD Junior são os autores deste "Intervenção no Rio: Como Sobreviver a uma Abordagem Indevida".

As razões são as que todos sabemos e para as quais alguns fazem ouvidos moucos. Por serem negros estão mais expostos às arbitrariedades, à violência e aos excessos da polícia. O vídeo faz uma série de recomendações de como agir em caso de abordagens indevidas por parte dos que têm a “autoridade” do lado. “Estamos aqui a fazer este vídeo porque, infelizmente, nós negros somos sempre vítimas de abusos e retaliações", diz Edu Carvalho.



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Proteção



POR SANDRO SCHMIDT

Udo Dohler e a Joinville das Maravilhas




POR JORDI CASTAN
Já quase não queda quem acredite no triunfalismo dos discursos monocórdicos do prefeito Udo Dohler. Os discursos fantasiosos tem sempre mais empulhação que realidade. E não é que o prefeito insiste, teimosamente, em afirmar que ele e sua equipe estão planejando a Joinville dos próximos 30 anos. Quem não consegue planejar, nem entregar a Joinville dos próximos 30 meses vai conseguir 30 anos? O discurso soa a falsidade, é pura balela.

Há ainda, nessa afirmação, um ponto de requintada maldade. É pouco provável que possa estar aqui para colher os frutos da sua desastrada gestão. Essa Joinville fantasiosa imaginada pelo prefeito será a Joinville dos nossos filhos e netos, a cidade da próxima geração. Uma cidade pior, menos verde, mais cinzenta e com menos qualidade de vida que a atual. E, com certeza, muito diferente que a propalada pelo camelô de ilusões.

Antes que ele outros prefeitos também planejaram outra Joinville diferente desta de hoje. A nossa cidade é o resultado de planejar mal, de não executar o planejado, de pensar pequeno. E o pior:  de iludir permanentemente um eleitorado crédulo e de contar com a amnésia do eleitor local que insiste em votar, repetidamente, em encantadores de asininos, em mercadores de sonhos e em mitômanos profissionais.

Para lembrar um pouco da Joinville de ontem e compará-la com a de hoje proponho dar uma olhada neste vídeo, a linguagem triunfalista e exageradamente positiva, parece-se muito com a atual. Daí para frente cada um deve tirar suas próprias conclusões.


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A intervenção no Rio de Janeiro: crônica de um desastre anunciado?


Ainda é demasiado cedo para medir, em toda a sua extensão, os desdobramentos da intervenção federal na área de Segurança Pública no Rio de Janeiro, anunciada hoje (16) de manhã pelo presidente Michel Temer. Na prática, com a medida as polícias militar e civil, o Corpo de Bombeiros e o sistema carcerário cariocas deixam de estar sob o comando do governo estadual e ficam sob a responsabilidade do general do Exército Walter Braga Netto, indicado para ser o interventor federal.

Embora já em vigor, a intervenção precisa ainda passar pelo Congresso Nacional. Se aprovada – e é improvável que não seja –, dá ao governo federal plenos poderes sobre a segurança pública carioca até o dia 31 de dezembro. O objetivo, de acordo com o decreto, é “por termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro”; mas em que pese a austeridade dos discursos oficiais, há razões para duvidar da eficiência e das promessas contidas no decreto.

Esboço aqui, rapidamente, algumas delas.

O exército já está nas ruas – Embora o decreto presidencial de hoje amplie e aprofunde a presença do exército, transferindo à instituição a administração de toda a estrutura e do aparato da segurança pública do Rio de Janeiro, na prática a atuação do exército nas ruas do estado, e especialmente da capital, não é inédita.

Em pelo menos duas ocasiões – a ocupação do Complexo do Alemão e da Maré, respectivamente em 2010 e 2014 –, as Forças Armadas foram solicitadas para dar suporte à segurança pública. Mas de forma mais “branda” (e as aspas aqui são importantes) e indireta, o emprego do exército para lidar com o problema vem sendo prática recorrente há anos, sem nenhuma melhoria aparente.

Os entusiastas da intervenção alegam que com plenos poderes, os resultados aparecerão, mas isso tampouco é certo – antes pelo contrário. Entre outras razões, porque soldados e oficiais militares não são treinados nem estão habituados a lidar com a violência urbana. E quem o diz, entre outros, é o próprio Comandante do Exército, o General Vilas Boas, que já declarou mais de uma vez que a função do exército não é policiar as ruas, além de ver com preocupação o uso crescente de tropas militares para lidar com o problema.

E isso leva a outra questão, não menos importante. Em entrevista hoje cedo no Palácio do Planalto, o governador do Rio, Fernando Pezão, afirmou que o estado tem “urgência” porque somente com as polícias estaduais, o estado não está “conseguindo deter a guerra entre facções”. Ninguém em sã consciência duvida que, hoje, o crime organizado exerce um poder que alguns afirmam paralelo ao do Estado, e não apenas dentro das prisões.

Por outro lado, uma intervenção militar pode ser um tiro no pé e agravar ainda mais um quadro já delicado, e por pelo menos duas razões. A primeira delas é a derrota, flagrante, do Estado na chamada “guerra às drogas”, visível nos resultados diametralmente opostos obtidos com os vultosos investimentos públicos em políticas repressivas.

Nem o suposto endurecimento no combate ao tráfico, com a Lei de Drogas sancionada em 2006 por Lula, nem o encarceramento em massa – o Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos –, reverteram ou mesmo estabilizaram o índice crescente de violência urbana nem, tampouco, o poder exercido pelas facções criminosas que Pezão e Temer pretendem combater com a intervenção do Exército.

Além disso, a presença do exército não apenas nas ruas, mas no comando efetivo das forças policiais, pode tensionar ainda mais as já frágeis relações de força entre as facções e as autoridades públicas, elas próprias desprestigiadas com a medida. Isso poderia resultar em novos e mais violentos confrontos entre traficantes, policiais e exército, com as comunidades, e especialmente as mais pobres, pagando um preço ainda mais alto do que já vêm pagando há décadas pelo descaso dos poderes públicos.

Na ausência de políticas, uma medida política – Um último comentário, antes de encerrar esse texto. A intervenção federal cumpre também diferentes funções políticas, não menos significativas. Uma, mais imediata, é tentar contornar a votação da Reforma da Previdência. Embora Temer tenha dito que, se necessário, suspende temporariamente a intervenção, à boca pequena circulam rumores de que o decreto presidencial permite ao governo empurrar para a frente a votação, bastante controversa especialmente em ano eleitoral, sem precisar assumir publicamente a derrota.

Uma segunda é o espetáculo proporcionado com o anúncio da medida e o seu impacto principalmente midiático, e que pode – pelo menos é o que esperam Temer e seus cúmplices – melhorar a imagem mais que desgastada do presidente. Não é difícil supor a razão: amedrontados que estamos pelos altos índices de violência, somado ao medo nossa crescente tolerância para com a violência institucional, a intervenção federal no Rio de Janeiro tende a ser lida, por uma parcela não desprezível da população, como uma medida bem vinda, inflando os miseráveis índices de aprovação do atual governo.

Mas o caráter politico, e populista, da intervenção, serve principalmente para encobrir a ausência de uma política efetiva de segurança pública, uma falta, é forçoso reconhecer, que não é responsabilidade exclusiva do governo Temer. A situação do Rio de Janeiro, embora talvez mais grave, não é única; em maior ou menor grau, principalmente as grandes cidades pagam o alto custo da execução de políticas públicas de segurança no mínimo equivocadas, ou simplesmente inexistentes.

Nas últimas décadas, principalmente, assistimos a uma completa degradação da força policial. Cada vez mais militarizadas, as polícias em praticamente todos os estados sofrem com salários defasados e, em alguns casos, também atrasados; péssimas condições de trabalho; quase nenhum treinamento; diminuição do efetivo, etc... –, um quadro que não é diferente, à óbvia exceção da militarização, para as polícias civis. As estatísticas são preocupantes: apenas no Rio de Janeiro, 134 PMs foram assassinados no ano passado.

Apesar do fracasso das políticas implantadas até aqui, todos os governos, um após o outro, insistem em manter tudo como está, indiferentes ao fato de que políticas de segurança pública serão mais efetivas e bem sucedidas se não se limitarem ao aumento do aparato repressivo. Além de melhorar as condições de trabalho dos policiais e demais agentes de segurança, é preciso pensá-la a partir de sua integração com outras esferas e políticas governamentais, promovendo ações que minimizem, por exemplo, os índices escandalosos de desigualdade social, certamente não a única, mas uma das principais responsáveis pela crescente violência.

Além disso, é preciso rever urgentemente a condução da política antidrogas, assumir a derrota das medidas de “guerra” e pensar em maneiras mais eficientes de estrangular o tráfico. A melhoria dos serviços públicos é uma alternativa, na medida em que o acesso à educação e saúde, por exemplo, pode diminuir a influência de grupos criminosos, que em muitas comunidades carentes preenchem a falta de equipamentos públicos de qualidade, responsabilidade dos governos. Não menos importante, é preciso discutir a sério a legalização e regulamentação do consumo de drogas; uma discussão difícil, sem dúvida, mas cada vez mais urgente e necessária.