POR JORDI CASTAN
Sem a ajuda de Mariano Rajoy, o referendum deste 1 de outubro na Catalunha não teria tido nem o resultado e nem a visibilidade internacional que teve. Reprimir com violência desproporcional
o referendo não foi uma boa ideia, mas não há como esperar que este
round terminasse bem.
Quando na política, e também na vida, dominam a ignorância e
a incompetência, os resultados acabam sendo sempre desastrosos. Ignorância porque nem Mariano Rajoy, nem seu
governo conseguem compreender a profundidade, complexidade e as implicações do
que chamam “o problema catalão”. E é por não compreenderem que não sabem o “que” e “como” fazer. E por isso são incapazes de agir e resolver o problema em que a sua inoperância colocou as partes envolvidas.
A Catalunha historicamente sempre reivindicou uma maior
autonomia. A resposta do governo do PP (Partido Popular) sempre foi a intransigência,
a ausência de diálogo e a retirada unilateral de direitos adquiridos. O resultado tem sido, ao longo destes anos de governo do PP, o crescimento do
movimento independentista. E que levou à situação atual, em que o governo catalão
acabou marcando a data para a realização de um referendo sobre o desejo dos
catalães.
O governo nacional decidiu proibir a consulta popular e, com
esta atitude, deu ainda mais asas aos grupos independentistas. Aliás, os mesmos que
por décadas tentaram negociar o retorno para a gestão catalã das responsabilidades
que o governo central foi retirando de forma discricional e autoritária. O
resultado esta aí. As urnas não deixam mentir.
Num país em que o voto não é obrigatório, mais de 42% do
eleitorado foi a votar. Saíram de casa a para se dirigir aos colégios eleitorais,
espalhados por todo o território catalão,
mesmo com a Polícia Nacional e a Guarda Civil (polícia paramilitar espanhola)
fechando escolas e evitando que as pessoas pudessem votar. Mais de
700.000 eleitores ficaram impedidos de votar, em mais de 400 mesas eleitorais
as perigosas urnas foram aprendidas e estes votos não poderão ser incluídos no
resultado final. Há um resultado inapelável, 90% dos votos são votos pelo “sim”.
Esse sim que representa claramente o desejo da maioria para que a Catalunha se converter
numa republica independente.
O governo nacional não conseguiu o seu objetivo de
amedrontar os catalães. O medo não funcionou como
inibidor, os catalães saíram em massa as ruas para defender o seu direito a
votar. As imagens de truculência da Polícia Nacional e da Guardia Civil, que a
imprensa divulgou em nível mundial, não evitaram que famílias inteiras
votassem e cotassem a favor da independência. Estive na Catalunha no final de semana passada e pude ver e escutar: muitas pessoas que até aquele momento se mantinham indecisas, a partir de ver a
resposta do governo central, optaram pelo “sim”. O grande ponto de inflexão foi
a intransigência constante do presidente Rajoy.
O crescimento a favor do “sim”
foi evidente ao longo dos últimos 15 dias. Quando os indecisos se decidem, o
jogo vira. E o referendo virou a favor dos independentistas. Não foi surpresa a
guinada, mas foi surpreendente a mobilização da sociedade catalã a favor do “direito
a decidir”.
O que aconteceu ao
longo deste domingo na Catalunha é um fato sem precedentes. A
polícia atacando cidadãos com balas de borracha, golpeando com cassetetes, investindo contra multidões que permaneceram pacíficas. O resultado foi de mais de 800 feridos, dois dos quais em
estado grave. À medida que apareceram nas redes sociais as primeiras imagens de
sangue, feridos e a polícia carregando as perigosas urnas e papeletas, a comunidade internacional ficou indignada. Foi desproporcional o uso indiscriminado
de força policial para reprimir um referendo que era ilegal, porque foi
proibido, mas que é legitimo. Isto não é democracia. Nem aqui nem lá.
A independência de Catalunha não é uma causa econômica. É verdade que Catalunha representa apenas 6,3% do território e 16% da população
espanhola e que em 2015 foi responsável por 20,1% do (PIB) do país. Mas é uma visão
simplista demais acreditar que a independência é movida por motivos econômicos.
O crescimento do independentismo encontra eco na estúpida maneira encontrada
pelo governo central para impor um modelo de país e de democracia que se pauta
pela repressão, a truculência e por ignorar e desrespeitar as opiniões
divergentes.
Quais os passos seguintes? Difícil dizer. Na situação
atual, poderíamos dizer que ontem foi o dia que Espanha perdeu a Catalunha.
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O tema dominou na imprensa internacional |