sexta-feira, 29 de setembro de 2017

O dia em que as camisas não estavam no bagageiro do ônibus

POR REGINALDO JORGE 
Desde menino gostava de chegar mais cedo ao Ernestão para acompanhar a chegada dos times adversários que vinham jogar contra o Jec. Os clubes de maior expressão apareciam em vistosos ônibus. Abriam seus bagageiros e tiravam grandes malas com chuteiras, bolas e o uniforme dos atletas. Os times menores chegavam em ônibus acanhados e mesmo assim o bagageiro era aberto e dali muito pouco saía. Uma sacola com algumas bolas velhas, umas garrafas térmicas grandes e o uniforme arrastando dentro de velhas sacolas. Do lado de dentro, a torcida se espremendo nas metálicas para o início do jogo.

O tempo passou e a minha paixão pelo futebol foi crescendo. Antes de completar 20 anos já estava na equipe de reportagem de A Notícia, não sem antes fazer um pit stop como preenchedor de página do Jornal Extra. Comecei na página de polícia do AN e logo depois fui guindado para o esporte. Digamos setor com que tinha mais afinidade do que o anterior. Minha vida de torcedor infantil me permitiu conviver nos campinhos com muitos jogadores que depois viriam fazer parte do time profissional do Jec.

Em uma tarde cinzenta da década de 90 tive o brilho do dia quebrado com a notícia do assassinato do jogador Dido. Um meia atacante cria do Jec, um baixinho habilidoso que tinha despontado nas categorias de base e fora emprestado ao Juventude de Caxias do Sul (RS), com outra promessa do clube o meia Mineiro. Uma torcedora fanática – que era apaixonada por ele e pelo Juventude - não aceitava a possibilidade do seu retorno para Joinville, e lhe tirou a vida a tiros, enquanto ele falava em um orelhão.

Ainda sem digerir a tragédia da morte do jogador e do amigo fui escalado para fazer a reportagem do sepultamento no cemitério municipal de Joinville. Comigo testemunhando o momento o meu editor e irmão Anildo Jorge e o sempre diagramador Paulo Roberto Oliveira, o  Banana, uma mistura de surfista e peladeiro. Não demorou muito para avistarmos nas ruas internas do Cemitério a chegada do ônibus lotado do clube.

De dentro saíram todos os jogadores, comissão técnica e dirigentes. Ficamos a procurar o carro funerário com o corpo. Para a minha surpresa e de todos: o caixão saiu do bagageiro do ônibus. Fico a imaginar a dor dos amigos que viajaram centenas de quilômetros de Caxias a Joinville levando no bagageiro no ônibus que os transportava o corpo do amigo que disputou várias partidas com eles, inclusive na semana anterior ao acontecido.

Naquela tarde vivi o inesperado. Nem bolas, nem camisas e muito menos as surradas bolsas. Do bagageiro saiu o caixão do amigo, atleta, filho, namorado, irmão e promessa que o futebol sepultou momentos depois.





Reginaldo Jorge é jornalista
e torcedor do Flamengo

O desmonte do Brasil e a grande ameaça ao cinema nacional

POR DOMINGOS MIRANDA
O desmonte do Brasil se dá em todos os setores: na economia, na política, no judiciário, na educação, na saúde e na cultura. O cinema é um dos mais poderosos meios de conscientização dos povos, por isso os ditadores sempre tentaram manietá-lo. O Brasil é reconhecido internacionalmente pela qualidade de suas películas e o Cinema Novo se tornou referência mundial. Filmes como "O Pagador de Promessas", "Central do Brasil" e "Cidade de Deus" são críticas ácidas, mas também emotivas, à nossa desigualdade social.

Pois bem, a última afronta ao povo brasileiro praticada pelo nosso usurpador mor do poder aconteceu em agosto, quando Temer vetou a prorrogação  da Lei do Audiovisual, que se encerra dia 31 de dezembro de 2017. Este é um mecanismo que os produtores de cinema usam para captar recursos para a realização de seus filmes e existe desde 1993. Não há nenhum gasto do Tesouro Nacional ou desoneração fiscal. A pessoa ou empresa interessada em participar desta lei destina parte de seu imposto de renda (até 4%) para a produção cinematográfica.

É claro que todo o setor, que emprega 250 mil pessoas, ficou revoltado com este absurdo. Isto é coisa de gente vingativa, pois, durante o Festival de Cannes, no ano passado, toda a equipe de "Aquarius" fez um protesto, antes da apresentação do filme, com cartazes contra Temer, imagem que circulou o mundo todo.

Tal desatino presidencial, se não for derrubado pelos congressistas, poderá afetar também Joinville que está estruturando um polo de cinema em Santa Catarina. Os curtas metragens de diretores da região tem angariado sucesso em festivais. Recentemente foi realizado o 1º Joinville International Short Film Festival, que exibiu 80 curtas de 30 países. Mesmo com todas as dificuldades e falta de incentivos, a sétima arte desabrocha às margens do rio Cachoeira.

Joinville também poderia explorar um outro lado do cinema pouco comentado, o de cidade polo para a produção cinematográfica. Paulínia, no interior de São Paulo, descobriu este filão e deu certo. Lá foram realizados filmes de grande bilheteria. A antiga administração municipal se descuidou do polo, mas que agora está sendo reativado. A nossa cidade oferece as condições adequadas para esta empreitada: tem um bom visual, hotelaria de primeira qualidade, diversidade de paisagens (desde praias até montanhas com araucárias) e a maior diversidade étnica do país.

Ideias não custam caro, mas o importante é colocá-las em prática. Assim como a dança deu um visibilidade nacional e internacional para Joinville, o cinema também poderá fazer o mesmo. Basta ver o exemplo de Gramado, uma pequena cidade gaúcha que soube explorar este filão. Que tal entrar por este caminho? As autoridades municipais poderão dar uma resposta.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Golpe militar não é opção. E os militares sabem disso...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Dizem que um bêbado – e não só – deve tomar muito cuidado ao descer as escadas, porque se erra um degrau acaba por errar todos. O bêbado é o Brasil. E o golpe que apeou Dilma Rousseff do poder (ainda há quem recuse a palavra) foi o primeiro degrau errado. O país começou a rolar escada abaixo até se transformar num bordel onde tudo o que cheire a poder, no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário, se prostitui.

O Brasil mergulhou num vazio ético. O resultado é que começou a surgir, aqui e acolá, alguma algaravia sobre intervenção militar. A doideira dessa gente é tanta que há militares a lustrar os coturnos e alguns cretinos a fazer eco dessa tontice na sociedade. Desde o escroto senador Magno Malta, para quem 7 em cada 10 brasileiros querem a volta dos militares, até o empresário catarinense daquela loja da breguésima “estátua da liberdade”.

Intervenção? Difícil acreditar que os militares embarquem nessa furada. É de notar que ainda existem, nas fileiras, quadros que se orientam por uma ultrapassada mentalidade da caserna, quando os cérebros eram simples depósitos de ideias reacionárias. Mas hoje o golpismo militar dos anos 60 parece um exotismo. Aliás, seria o golpe pelo golpe, porque os militares não saberiam o que fazer com o poder. Só reprimir. E isso não é solução.

A ideia da autoridade autoritária, do “prende e arrebenta” e da “ordem” imposta pelas armas ainda tem adeptos por esse Brasilzão afora. Afinal, muitos brasileiros nunca souberam o que fazer com a democracia. Há muita gente que considera a liberdade uma coisa estranha, quase antinatural. E se recusa a entrar no século 21. Mas mesmo que haja muita gente a clamar pelo golpe, não parece que os militares entrem nessa roubada.

O leitor e a leitora lembram do último golpe militar (ou tentativa) ocorrido no mundo? Sem pesquisar muito, é fácil lembrar Tailândia, Egito, Sudão, Costa do Marfim ou Guiné-Bissau. Sem desrespeito pelos povos desses países, fica a pergunta: é nesse ambiente terceiro-mundista que o Brasil quer se situar? Claro que não. O golpe militar é um problema, nunca a solução. Os militares brasileiros sabem disso, apesar de vez por outra entenderem dar prova de vida.

É a dança da chuva.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Higienização em Joinville: a incompetência não se cerca com grades







POR JORDI CASTAN
Em Joinville os problemas se gradeiam. Não se resolvem, só se escondem. Em lugar de buscar soluções, o caminho escolhido é o de colocar grades. Grades, muros, cercas elétricas e concertinas é a alternativa dos incompetentes para lidar com os problemas da cidade.

Primeiro foi a marquise do Bradesco no centro. Agora o jardim do MAJ, um dos poucos espaços verdes abertos à população, é o próximo alvo e corre o risco de ser gradeado. Seria aberto apenas em alguns horários. E com isso Joinville pode perder mais um espaço público, com a anuência de parte da sociedade que mora atrás de grades e muros.

É resultado de uma sanha higienizadora, que esconde os problemas em lugar de enfrentá-los e resolvê-los. E que ganha força com o apoio de uma administração inepta, caolha e covarde.
É mais fácil colocar uma grade que exigir mais segurança. É mais fácil excluir as pessoas que integrá-las. É mais fácil empurrar que aproximar.  É mais fácil impor que escutar. As escusas são as mais variadas e esfarrapadas. Faltam policiais, não há câmaras, há consumo de drogas, as pessoas tem medo. As famílias têm se afastado do jardim do MAJ, onde fazem barulho, bebem álcool e por aí afora.

Deixa entender. A Guarda Municipal não foi criada para apoiar e complementar o trabalho da Policia Militar? Ou foi criada só para os agentes ficarem escondidos e multar? Não há uma legislação que estabelece o nível de barulho permitido em áreas residenciais? Por que não se fiscaliza e se faz cumprir? Ah sei, os policiais não tem combustível, veículos, disponibilidade, efetivo ou qualquer outro motivo o escusa que venha a calhar.

Só falta dizer que os policiais são covardes demais para resolver esses problemas menores, que são fruto só da inépcia das autoridades. Aliás, é bom lembrar que o jardim do MAJ está na frente da Cidadela Cultural Antarctica, aquele cortiço cultural em que se converteu o espaço que deveria ser um centro irradiador de cultura.

Joinville é hoje uma cidade acomodada, acovardada e que causa vergonha. Uma sociedade de omissos que não levantam a bunda do sofá para resolver e enfrentar seus problemas. E problemas que se avolumam frente a inércia e o descaso. A proposta de gradear o jardim do MAJ é estúpida, própria de quem encara os problemas desde uma visão parcial e distorcida. O uso dos jardins do MAJ pela sociedade não é um problema de segurança pública, é um problema cultural, social, humano. E de meio ambiente, até paisagístico. Por isso não pode ser tratado só a partir de uma abordagem repressiva e truculenta. Porque gradear um espaço público como aquele é cercear o direito de uso de um dos poucos espaços públicos que a sociedade utiliza.

Há várias tribos e grupos que fazem dos jardins do MAJ seu espaço de lazer, numa cidade que não oferece quase nada para a população. Não há só arruaceiros. Aliás, é o que menos há. Vejo famílias fazendo piquenique, casais tirando fotos, gente celebrando um aniversário, escutando música, passeando ou simplesmente namorando ou conversando.

Em lugar de melhorar o espaço - cuidar do jardim e melhorar a manutenção do vergonhosamente abandonado Parque das Águas - a mobilização é para gradear o espaço. Começo a achar que Joinville merece mesmo esse bando de ineptos que administram a cidade. Uma sociedade que não se mobiliza para defender a liberdade é uma sociedade que merece mesmo viver rodeada por grades, cercas e muros. Uma sociedade cada dia mais fragmentada, desarticulada, desestruturada, gradeada.