quinta-feira, 9 de julho de 2015

Quem tem Vinícius não precisa de Platão


Hoje é o dia em que a morte de Vinícius de Moraes completa 35 anos. Nem é preciso dizer que o seu nome é um marco para muitas gerações. Pela poesia, pela música, pelo estilo de vida. E, por que não, pela filosofia? No meu caso específico, há um interesse especial desde que escrevi um texto acadêmico chamado “Quem tem Vinícius Não Precisa de Platão”. Faz tempo mas mantenho esse ponto de vista.

É claro que não dá para negar Platão, Hegel, Kant, Heidegger e essa rapaziada toda que escrevia livros com mais de 400 páginas (um professor dizia que os estudantes não estavam geneticamente preparados para tanto). A afirmação é hiperbólica, mas nem por isso deixa de ter um interesse filosófico. Afinal, como escreveu o pensador Roberto Gomes, no seu tratado sobre a razão tupiniquim, filosofar é ver um palmo à frente do nariz.

É daí que vem esta pequena birra com os acadêmicos brazucas, sempre com as lunetas focadas no hemisfério norte. No patropi o pessoal se liga demais na estranja e não olha para a filosofia brasileira ou a filosofia latino-americana. Sim, elas existem. Mas a própria academia brasileira as desconhece e desconsidera por completo. Mas pensar a realidade concreta a partir de ideias alienígenas tem as suas limitações.

A filosofia dos homens sisudos da academia se esqueceu das coisas simples. E eu pergunto: para que serve uma filosofia que não dialoga com o homem da fila do ônibus, o malabarista do sinaleiro ou a prostituta nas esquinas? Por que razão nós, brasileiros (é assim que me sinto), temos que ficar papagueando a tradição grega? Repito: não se trata de negar o pensamento estrangeiro, mas de pô-lo a conversar com Macunaíma.

Ora, a filosofia brasileira também é Vinícius de Moraes. Uma filosofia que fala da vida, de amores, de preguiça. Também de política. E só um filósofo brasileiro poderia filosofar em forma de samba. Vinícius foi mais existencialista do que os existencialistas. Mas não se perdeu em vãs metafísicas.
-      Você que só ganha pra juntar, o que é que há, diz pra mim, o que é que há? Você vai ver um dia em que fria você vai entrar.

Como todos os outros filósofos, procurou o sentido da vida:
-      Às vezes quero crer mas não consigo. É tudo uma total insensatez. Aí pergunto a Deus: “escute, amigo, se foi pra desfazer, por que é que fez?”


Uma filosofia brasileira tem que saber rir. Não pode ser deixar levar pelo rigor formal excessivo. Tem se que olhar ao espelho. Com Adoniran, Guarnieri, Plínio, Chico, Tom, Veríssimo, Di, João Pacífico, Catulo, Gonzagão. Todos filósofos.



É a dança da chuva.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Arena Joinville não muda de nome

ENQUETE APONTA
Mais de 80% são contra eventual mudança

A morte de Luiz Henrique da Silveira provocou consternação entre a população joinvilense. A imprensa levou o assunto à exaustão, com matérias de capa e páginas e mais páginas. E surgiram aqueles políticos que não perdem uma oportunidade de faturar e aparecer na mídia. E surgiram propostas para que o nome do senador fosse usado para rebatizar a Arena Joinville, além de uma ponte e um bairro. A ideia era de que a homenagem serviria para simbolizar a importância do político.

Na mesma altura, o Chuva Ácida decidiu fazer uma enquete entre os seus leitores para saber o que achavam da mudança do nome da Arena Joinville. Na expectativa de que o assunto perdurasse ainda por algum tempo, o fim da votação foi marcado para a próxima semana. Mas o interesse pela questão desapareceu já há algum tempo e por isso decidimos antecipar o fim da consulta.

Os resultados mostram que a maioria dos votantes prefere manter o atual nome da Arena. Eis o resultado:

Luiz Henrique da Silveira deve ser o nome da Arena Joinville?

RESPOSTAS:
Não – 82,9
Sim – 17,1%


terça-feira, 7 de julho de 2015

Questão de identidade

POR FELIPE CARDOSO

Já falei várias vezes aqui no blog sobre a questão da identidade negra e também mostrei algumas desigualdades sociais e raciais presentes no país.

Volto a falar sobre identidade, mas, dessa vez, contarei com a ajuda da camarada Gabriela Queiroz, organizadora do evento “Encrespa Geral” e militante do Movimento Negro Maria Laura, no qual também faço parte, aqui em Joinville.

Uma questão que me chamou atenção esses dias foi o termo que duas pessoas brancas usaram para se referir a duas pessoas negras que não estavam presentes no momento, mas que seriam lembradas na ocasião.

O primeiro se referia a um homem negro como “aquele moreno”. A segunda a uma mulher: “aquela moreninha”.

Difícil encontrar um negro que nunca ouviu essa expressão.

No mesmo dia que presenciei esse caso, abri meu Facebook e vi a Gabriela relatando que sofreu com a mesma situação e compartilhei com ela o que havia acontecido e convidei-a para escrever um texto. E cá estamos.

Já expliquei aqui que a imagem do negro sempre foi construída como um ser demonizado, ruim, bruto, sem alma, que só servia para o trabalho e que esse pensamento se naturalizou e se propaga até hoje. Então, os brancos, que durante todos esses séculos construíram sua imagem como ser civilizado e bom, tentam, de todas as maneiras, branquear a nossa negritude.

“Ah, mas você nem é tão negro assim.”

“Você é mulato, não é negro.”

“Você é morena(o).”

Está tão impregnado essa imagem do negro como algo ruim que as pessoas brancas tentam “elogiar” tirando a sua negritude.

As frases acima representam a mutilação física e psicológica que todos os negros do mundo sofreram e sofrem.

A identidade de cada ser se constrói e sofre diversas influências de acordo com o meio em que ele vive. Então por que o negro é privado de se conhecer, de se assumir e de encontrar semelhantes para compartilhar os mesmos gostos?

Todos nós recebemos nomes quando nascemos, e esse nome também faz parte da nossa identidade, mas quando se é negro, seu nome é esquecido e os apelidos começam a surgir: “negão”, “nega”…

“Vocês estão impondo algo?”

Não, não mesmo. Nós só estamos problematizando e trazendo o assunto para o debate, evidenciando esses casos.

Porque é difícil você encontrar por aí alguém chamando uma pessoa branca de “brancão” ou “branca”, ou se referindo a uma pessoa que não está no local como “aquela com pouca melanina” ou “aquele branquinho”.

Eu, particularmente, nunca ouvi isso.

Na escravidão os negros com a pele mais clara serviam para o trabalho domésticos e os negros com a pele mais escura só serviam para trabalhar no campo e recebiam castigos mais severos que os negros domésticos.

Daí é que surgiram as denominações e diferenciações da pele negra.

Inclusive o termo “mulato/ mulata” é pejorativo, pois vem literalmente do termo “mula”, o animal híbrido, resultado do cruzamento do cavalo com jumenta, ou do jumento com a égua. Estas palavras foram adotadas em nossa língua portuguesa para se referir pejorativamente aos filhos mestiços das escravas que coabitaram com os seus senhores brancos e deles tiveram filhos. Nesse contexto da época escravocrata, a pele escura era um estigma para o castigo. A pessoa “mulata/morena” ou de pele mais clara era a escrava da casa grande, digna da compaixão e proteção de seus proprietários; já aquela com tonalidade mais escura era a do campo e também a que estava sujeita aos piores castigos físicos.

Isso ficou tão enraizado na cultura brasileira, que ter a pele escura é considerado um castigo ainda hoje. A gente ouve coisas do tipo: “Ah, mas vc não é tão negra assim…” “Não, você é uma morenona! Bonita!”

Eu não quero ser chamada de morena. Não quero que “amenizem a minha condição”.

Mas o fato é que independentemente da tonalidade da pele, todos nós, negros e negras, passamos pelas mesmas humilhações, sofremos com a dor do racismo e vivemos as consequências da escravidão.

Então quando você se refere a um negro como “moreno” ou “mulato”, você está sim ofendendo.

Porém, nos defrontamos com outro problema aqui: tem muitos negros que não se importam em serem chamados assim, porque eles também assimilaram a ideia de que quanto menos negro ele for, melhor posição social ele encontrará. E acredito que isso gera uma grande incerteza na população não negra, porque simplesmente não sabe como deve nos chamar. Não sabe identificar quando a negritude é defendida com orgulho ou quando ao contrário, essa identidade é negada.

A moça que veio me dizer “preciso maquiar uma pele morena e pensei em você” havia dito para outra moça antes de mim: “preciso maquiar uma pele negra e pensei em você”. Essa moça negra se ofendeu e disse que ela prefere ser chamada de morena. Já eu, bem resolvida com minha identidade negra, achei o termo “morena” desrespeitoso para comigo.

É preciso trilhar um longo caminho de reconstrução da identidade das pessoas negras, e isso passa, necessariamente, pela questão do cabelo, que já abordei em outra ocasião (aqui). Quando uma pessoa negra me diz coisas do tipo “esse cabelo combina com você, mas em mim ficaria feio”, eu percebo que a questão de identidade é mais intrínseca que apenas a questão estética.

Há toda uma carga de negação que a acompanhou durante a vida e, não conseguir ao menos se permitir descobrir sua verdadeira essência, não conseguir se olhar no espelho ostentando sua própria natureza é de causar tristeza. Tristeza sim, porque nenhuma pessoa deve ter vergonha de ser o que é. E nenhuma sociedade deve querer impor padrões aceitáveis porque nós não somos todos iguais.

Não queremos que as pessoas, ao buscar a equidade social, nos digam coisas do tipo “nós somos todos iguais!”.

Não, nós não somos todos iguais. O que de fato desejamos é que nossas diferenças sejam respeitadas.

Não podemos permitir que nossos filhos perpetuem as histórias tristes daqueles que os antecederam. É preciso empoderá-los para que num futuro não muito distante, todos nós, negros e brancos, possamos conviver em harmonia; tendo nossas batalhas, senão compartilhadas, ao menos compreendidas.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Perdido por perdido, “oxi”

















Quem já jogou truco lembra de um dos chavões mais repetidos: “perdido por perdido, truco”. É quase uma regra para quem tem pouco a perder. E parece ter sido a lógica do povo grego, que compareceu em massa para votar no referendo de domingo para rejeitar as propostas de mais austeridade da Troika. Foi uma acachapante goleada, com o “não” a obter 61,3% dos votos, contra  parcos 38,7% do “sim”.

O que resultou da votação, ainda na noite do referendo, foi um tremendo azedume das autoridades europeias e dos apoiantes do "sim", em especial em Bruxelas e Berlim. Houve muitas reações a quente. Há quem anuncie o caos. Há quem afirme não haver mais condições para negociar. Há quem ameace com cortes nas linhas de financiamento. E há quem, em tom de revanche, preveja um caminho amargo para a Grécia. É muita azia.

Os tecnocratas apegam-se a questões econômicas. E tentam disfarçar o terremoto político provocado pelo referendo. Os donos da Europa, sempre em linha com os mercados - e, claro, os bancos -, não se cansaram de repetir a lenga-lenga de que não há alternativa à austeridade. E não aceitam ser contrariados, mesmo que o remédio esteja a matar o paciente. A austeridade exauriu o Grécia. E qual é a proposta de tratamento? Mais austeridade. Se o veneno não curou, aumenta-se a dose de veneno.

As decisões econômicas são políticas. Todos sabemos que as lideranças europeias estão em sintonia com o sistema financeiro e que os países periféricos estão a pagar pela ganância dos bancos. A imprensa traz dados reveladores: o programa de ajuda foi de € 250 bilhões, mas apenas € 27 bilhões chegaram à economia grega. Adivinhem onde ficou o resto do dinheiro. Se pensou bancos alemães e franceses...

Não vamos ser ingênuos e pensar que a questão grega está resolvida. Longe disso. O caminho é longo e penoso, mas a voz do povo grego fez-se ouvir para além do espaço europeu. E trouxe um pouco de esperança aos outros povos. Talvez o berço da democracia tenha o condão de espoletar uma nova democracia. Torçamos! O discurso do TINA (there is no alternative) ficou em xeque ou, pelo menos, sob suspeita. O mundo agora sabe que há alternativas e é possível peitar os rentistas.

Utopia? Sim. Mas vale acreditar num outro mundo possível, porque o mundo que temos está muito chato. Sociedades dominadas por predadores econômicos? Oxi!


É a dança da chuva.

Atocha!