quinta-feira, 5 de março de 2015
Neopolitizados contra tudo
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Não há como fugir ao poder das redes sociais.
Se os meios de comunicação social tradicionais monopolizavam a mediação da
informação, hoje esse espectro ficou muito alargado. Para o bem e para o mal. O
lado bom é que a circulação de discurso tornou-se mais democratizada. O lado
mau é que, frente a um volume enorme de inputs,
muitos patinam na hora de fazer uma gestão coerente da informação.
Um dos resultados deste novo quadro é o
surgimento dos neopolitizados (neologismo que circula por aí). Quem são?
Pessoas que antes estavam arredadas das trocas discursivas e agora encontram
lugar de expressão pública nas redes sociais. O problema é que, em expressivo
número de casos, os neopolitizados limitam-se a ser “contra tudo isso que está
aí”. Ou seja, há apenas a rejeição moralista daquilo que consideram errado.
Como caracterizar essas pessoas? Sem querer
fazer sociologia, há coisas óbvias. A rede social mais popular no Brasil é o
Facebook, com quase 90 milhões de usuários (pessoas que acessam pelo menos uma
vez por mês). Um dado interessante é o acesso por faixas etárias, que revela
uma distribuição quase equânime entre os 25 e 54 anos (o público vai até aos maiores
de 65 anos).
O que é possível concluir? Ora, muitas dessas
pessoas foram criadas nos tempos da ditadura ou apanharam os seus eflúvios. E há
coisas que demoram a desaparecer. Ainda hoje algumas influências dos anos de
chumbo parecem interferir no inconsciente social. É o que permite, por exemplo,
explicar a existência de pessoas que pedem a volta da ditadura e clamam pelo
fim da democracia.
Tendo sido criados num sem ambiente de
liberdade de expressão, muitos sentem dificuldade em compreender o debate e o
ato de esgrimir argumentos. Reclamam, reclamam e reclamam. E limitam-se a isso,
pois a indignação fica reduzida ao chorume nas redes sociais. Discursos
erráticos e rezingões não produzem mudanças.
É como diz o velho deitado: se você está contra tudo, então não está contra coisa alguma.
quarta-feira, 4 de março de 2015
Vai, Udo, na contramão do mundo!
![]() |
Clima não é problema para os bicicleteiros de Copenhague |
POR FELIPE SILVEIRA
Não esqueço de uma resposta do então candidato Udo Döhler durante a campanha à prefeitura. O tema era mobilidade urbana e Udo respondeu de bate-pronto: 300 km de asfalto. Essa era a proposta do empresário para um dos temas mais complexos e debatidos da política do nosso século.
Estava ainda no início da corrida eleitoral e acredito que Udo tenha dado respostas melhores até ser eleito. Mas, pra mim, aquela resposta foi bem representativa sobre o candidato da elite econômica da cidade. Um homem despreparado para a política do século 21, que adentrava ao jogo para seguir uma tradição da dominação econômica e política local.
O problema é que essa velha política ganhou o espaço que precisava nos últimos dois anos e tem deixado pra escanteio temas relevantes e que estavam mais avançados em um passado recente. Como o caso das políticas públicas em prol da bike como meio de transporte.
O trânsito de Joinville está cada vez pior e a gestão municipal tem uma enorme parcela de responsabilidade. Um exemplo: o atual governo deixou a cidade sem estacionamento rotativo até hoje, o que gera um caos em busca de lugar para estacionar no centro da cidade. Os donos dos estacionamentos privados é que se deram bem na história. Sem contar a questão do transporte público (que deixa empresas de outros homens da elite econômica operar um serviço público sem devido processo licitatório), sem contar que não há novidade alguma para quem opta pela bike como meio de transporte, sem contar que não se faz o debate sobre o assunto. Também pudera. Na campanha, Udo disse que no futuro todo mundo vai ter carro. Deve pensar que não importa o resto.
Enquanto isso, carros (veículos a motor em geral) seguem como um dos fatores que mais contribui para a poluição do planeta. Além de outros malefícios, como o alto número de acidentes de trânsito e os gastos com saúde por causa do trânsito (por causa da poluição ou por causa de acidentes).
Udo vai na contramão de grandes cidades do mundo que já passaram pela experiência do foco no transporte individual. Cada vez mais cidades da Europa e dos Estados Unidos fecham seus centros para carros e desenvolvem políticas de incentivo ao uso da magrela no dia a dia. Enquanto Boston derruba elevados, aqui ainda estamos tentando arrumar dinheiro para construí-los. Enquanto Londres limita a circulação de carros na área central, aqui incentivamos cada vez mais. Enquanto Copenhague integra a bicicleta ao ônibus, aqui sobrecarregamos os motoristas com a dupla função de cobrador.
As desculpas para não usar a bicicleta são muitas, mas as soluções são fáceis e conhecidas. Por exemplo, empresas podem instalar vestiários com chuveiros para funcionários se trocarem, além de estacionamento para as bikes de funcionários e clientes. O governo pode atuar para diminuir a velocidade média dos carros, com radares (oi, Udo) e campanhas de educação no trânsito. Também é preciso investir em vias para ciclistas em determinados casos. Integrar a bike ao transporte público também é fundamental, assim como gerar empregos perto dos locais de moradia das pessoas, diminuindo as distâncias que precisam ser percorridas.
É preciso colocar a bike na agenda novamente. Tratar a mobilidade urbana com a cabeça no século 21, com benefícios para as pessoas, e não com ideias ultrapassadas, elitistas, maquiadas como planejamento para o futuro.
Abaixo, um vídeo do projeto Cidade para Pessoas sobre a política de mobilidade urbana adotada em Copenhague, que a transformou em referência no assunto. Vale muito a pena ver:
terça-feira, 3 de março de 2015
O racismo por trás do preconceito musical
POR FELIPE CARDOSO

“Nossa, você vê racismo em tudo”, disse-me o branco cheio de privilégios e com medo de perdê-los. Pois eu vejo racismo em tudo porque ele está em todo o lugar. E quando um negro tenta mostrar e desconstruir é impedido justamente por quem não sofre com esse grave problema. A cultura escravista ainda persiste. Os brancos acham que até para falar ou denunciar atitudes racistas precisamos da permissão deles.
E para aumentar um pouco mais o desespero dos racistas de plantão, vamos estender a reflexão. Vamos falar do racismo na música.
Ao vivermos em sociedade percebemos que existem diferenças entre as pessoas. E é por meio dessas diferenças que construímos a nossa identidade. Se eu digo que sou “brasileiro” é porque existem pessoas que não são brasileiras. Então podemos perceber que a identidade tem uma estreita relação com a diferença.
A música também contribui para mostrar a diferença entre as pessoas e a construção de cada identidade dos indivíduos na sociedade. Até aí tudo bem. Mas o que escreverei aqui tem a ver com o etnocentrismo e o racismo existente em nosso país.
Como já havia citado no texto anterior, o etnocentrismo, segundo Everardo P. Guimarães Rocha, em seu livro “O que é etnocentrismo”, é:
“... uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc.”.
Logo, muitas pessoas se acham no direito de pensar que o seu estilo de música preferido é o melhor, o mais correto. Mesmo desconhecendo outros estilos, acham que podem discriminar pessoas que gostam de outros tipos de música.
Como citei no outro texto, desde o período colonial, tem-se no imaginário popular que tudo o que é/vem do negro é visto como ruim e tudo o que é/vem do branco é visto como bom e civilizado. E podemos ver que, até hoje, isso se reflete em diferentes setores da nossa sociedade, inclusive na música.
LOCAIS DE PERDIÇÃO - O samba, por exemplo, nasceu dos batuques dos escravos, no século XIX. Assim como a capoeira, o samba durante muito tempo foi perseguido e proibido de ser tocado. A elite branca da época não via com bons olhos o estilo musical e os locais onde se realizavam os pagodes eram considerados perigosos, sujos, verdadeiros "locais de perdição". Mas, na verdade, o preconceito contra os negros estava por trás desse modo de ver as coisas.
Demorou bastante tempo para o samba tornar-se o que é hoje. A cultura teve que ser aceita pelos brancos para poder ganhar mais popularidade. Inclusive muitos artistas brancos se influenciaram no samba. Somente a partir daí que os sambistas começaram a ter o respeito merecido.
Um trecho da música de Vinícius de Moraes traduz bem o que quero dizer: "O samba nasceu lá na Bahia, se hoje ele é branco na poesia, ele é negro demais no coração". O samba agora é “branco” na poesia, ou seja, é bom, podem escutar.
A partir de 2005, o samba de roda tornou-se um Patrimônio da Humanidade, um título concedido pela Unesco (órgão da Organização das Nações Unidas) para as mais autênticas manifestações culturais.
A mesma perseguição que o samba sofreu e a mesma apropriação cultural que passou e passa até hoje, aconteceu e acontece com o rap, com o axé e com o funk.
Durante a década de 1990 esses três estilos ganharam muita força no Brasil. Dominando a periferia e trazendo muito ritmo para as festas e bailes, mas sofreram resistência justamente por causa da sua raiz negra.
O rap, responsável por demonstrar a realidade das favelas brasileiras, foi perseguido e proibido de tocar em rádios, pois era considerado uma cultura marginal, ou até mesmo “sem cultura”. Racionais Mc’s, RZO, Facção Central, Sistema Negro, Consciência Humana, Realidade Cruel e tantos outros grupos e artistas mostravam e ainda mostram, através de rimas, todos os acontecimentos da periferia e denunciavam / denunciam o descaso do governo com o povo preto, as corrupções e as injustiças sociais.
O funk e o axé traziam a alegria para a periferia. Os bailes e as micaretas sacudiam o povo do morro, mas não podiam sair dali, assim como na escravidão, a música e os negros deveriam saber onde era o seu lugar.
Mas com o crescimento do interesse financeiro do setor fonográfico, investiu-se muito para tentar agradar a “população superior”, apropriando-se da cultura negra, mais uma vez. Cantores brancos passaram a se utilizar dos estilos periféricos e começaram a ganhar destaque na mídia. Mais uma vez a cultura negra precisou passar pela aprovação branca para ser tolerada.
ARTISTAS EM TRANSFORMAÇÃO - Para conseguir espaço e destaque pelo seu trabalho, muitos artistas tem que passar por uma transformação. Suas letras tem que ser alteradas, sua aparência tem que ser mudada e moldada, assim como o seu comportamento que tem que ser “padrão branco de qualidade”.
Quem não segue a regra corre o risco de perder a visibilidade. Não acredita? Tati Quebra Barraco, diva do “proibidão”, não quis mudar as seu estilo de música e, aos poucos, foi substituída por Anitta e Valesca Popozuda que, recentemente, decidiu trocar o “my pussy é o poder”, “se elas brincam com a xoninha eu te dou ate o cu”, por “beijinho no ombro”. Mc Serginho foi substituído por Naldo Benny, Mc Rodolfinho e outros ostentadores, que iludem a juventude negra, fazendo publicidade de coisas fúteis, influenciando em algumas escolhas ruins.
Eles querem se apropriar da cultura, apenas isso. Dar visibilidade não.
O mesmo aconteceu com as letras contundentes de Mv Bill, Facção Central, Racionais e tantos outros rappers. Alguns tiveram que se adaptar ao mesmo modelo para conseguir sobreviver e outros perderam a visibilidade para pessoas com discursos romantizados, rimando “ão” com “ão” e transformando um estilo que deveria representar a favela em um capítulo de Malhação.
Projota, Rashid, Emicida, Flora Matos vêm com um linguajar bem mais sofisticado e leve, muitas vezes sem críticas em suas letras, assim ganham espaço até mesmo nas rádios.
Você deve estar pensando: “nada a ver, isso pode ser apenas uma transformação cultural da juventude atual”. Ok, mas então por que raios esses estilos não ganharam visibilidade antes? Por que não podiam ser aceitos do jeito como eram? Justamente por que eram pretos. Justamente porque falavam verdades e incomodavam aqueles que se achavam superiores a tudo e a todos.
Antes as letras não eram “brancas”, não eram consideradas “civilizadas”. Não agradavam os ouvidos da cultura branca. Hoje são e agradam os ouvidos brancos e podem ser tolerados.
Mas você percebe que não houve transformação cultural nenhuma quando “rolezinhos” são perseguidos e jovens apreciadores de funk são proibidos de frequentar locais reservados “azelite”. Quando shows de rap são impedidos de acontecer. Quando a polícia continua atirando em pessoas que saem de bailes funks na periferia e continua prendendo pessoas injustamente por vestirem roupas largas.
O que eles querem é apenas se apropriar dos nossos estilos para cantar o que eles querem ouvir.
Ainda hoje a cultura negra enfrenta muita resistência e sofre muito com o preconceito. O ar de superioridade do período escravista pode ser sentido em cada comentário quando alguém passa com som alto ouvindo funk, rap ou pagode ou a cada comentário virtual em clipes desses segmentos lançados na internet.
CULTURA SUPERIOR - Esta suposta superioridade do bom gosto musical desenvolveu-se no período colonial e está atrelada a dois fatores principais: o fator financeiro/social e o fator intelectual. O primeiro é que as pessoas ricas, de classes mais altas possuem gostos mais refinados e melhores que as pessoas de classes mais baixas. Por isso todos deveriam segui-los, pois a cultura deles é superior. O segundo fator é o da intelectualidade, afinal todos querem ser associados a grupos de pessoas inteligentes. Logo, o estilo musical deve representar essa intelectualidade e tudo o que não tiver o mesmo requinte, não presta. Eles possuem uma “cultura superior” que os menos desenvolvidos não têm.
Mas graças ao poder da internet tais pensamentos podem ser desconstruídos. Mas devemos ficar atentos, pois a todo o instante eles tentam se apropriar da cultura negra para lucrar e, ao mesmo tempo, apagar a essência de tais culturas, enfraquecendo, assim, a identidade negra no Brasil.
“Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar. O morro foi feito de samba, de samba para a gente sambar”.
“É som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado”.
Algumas verdades sobre a nossa cultura preta e genial, que vai de Cartola a Tati Quebra Barraco. De Leci a Sabotage. Da mais intensa tristeza até ao maior grito de felicidade e liberdade. Da denúncia à putaria. Nossa cultura luta contra o preconceito, a intolerância e injustiças e faz, principalmente, uma grande luta pela liberdade, sem hipocrisia.
Para finalizar fica o vídeo do rapper Mv Bill deixando o Faustão perdido ao falar algumas verdades ao vivo. (Não é improviso não, a letra faz parte da música sim).
https://www.youtube.com/watch?v=4BEGSHg8TJA
segunda-feira, 2 de março de 2015
Assinar:
Postagens (Atom)