sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Estelionatos eleitorais

POR SALVADOR NETO

Mais conhecido entre o povão como “171”, que vem a ser tipificado no código penal brasileiro como estelionato. Ou, esclarecendo melhor, o que vem a significar tudo isso, como dizem os dicionários Aurélio e Barsa, é a “obtenção de lucro ilícito, para si ou para outrem, em prejuízo de outra pessoa, que é induzida ou mantida em erro por qualquer meio fraudulento”. Para além do estelionato conhecido, temos algo que cresce a cada eleição no Brasil: o estelionato eleitoral, ou o 171 do voto.

É importante trazer ao debate este tema. Vivemos em nível nacional, e também local, dois estelionatos eleitorais em fases distintas. Dilma Rousseff a partir de Brasília dá uma guinada do discurso para a prática que deixou tontos até os mais ferrenhos petistas e sindicalistas. Começou mexendo nos benefícios trabalhistas e previdenciários, arrochou financiamentos, aumentou juros, aperta firmemente a classe média, e faz de conta que não é com ela. Um caprichado 171 eleitoral. Mas é início de mandato, o segundo da durona petista. Não se sabe ainda os efeitos. Veremos mais à frente os resultados do rasga discurso.

Já na maior cidade catarinense, o 171 eleitoral já vai para o terceiro ano. Eleito com fama de gestor competente, comandante da associação empresarial em vários mandatos, nome forte de empresa centenária do ramo têxtil, figura conhecida dos bastidores econômicos e políticos de Joinville, o prefeito Udo Döhler anunciou à época em 2012 que não faltava dinheiro na Prefeitura, mas sim gestão. Pois bem. Ao que vemos hoje estão faltando no mínimo ambas. Nada anda, a não ser os buracos, o mato tomando conta de ruas e praças, as carências da saúde que tanto ele prometeu resolver. No caso provinciano, o tempo já passou, e muito. Aqui temos um 171 eleitoral continuado, uma espécie de 171 governamental, parcialmente encoberto pela mídia compreensiva.

Tanto no planalto quanto na província, o uso da promessa eleitoral não cumprida é praxe nas últimas décadas. José Sarney (1986) quando desvalorizou o cruzado após as eleições estaduais. Collor, que arrestou as poupanças do povo; FHC em 1998 quando depois de se reeleger desvalorizou o real, até então supervalorizado. Por aqui, temos o ex-prefeito Lula (1988) com as chalulas (lembram?) ele iria acabar com a falta de casas. LHS com as pontes ligando o bairro Adhemar Garcia ao bairro Boa Vista, entre outras promessas que os leitores certamente relembrarão.

Marco Tebaldi também produziu das suas com a limpeza do rio Cachoeira, ou o reclamou vai pro final da fila. Carlito Merss nem prometeu tanto, mas falhou na gestão em setores chave, e a mídia não perdoou. Ou seja, o uso corriqueiro da promessa fácil sem qualquer comprometimento mais firme com a realização de fato da obra, ou projeto de governo vendido ao eleitor, tem se intensificado. E por favor, não são só políticos de carreira os prometedores do paraíso, não os achincalhem sozinhos, hoje há também empresário na política produzindo o mesmo. E isso é péssimo para a democracia.

Agora, diferentemente do 171 do Código Penal, que pune na letra da lei a quem produz o estelionato, o 171 eleitoral não tem uma punição mais dura a quem usa do verbo fácil para vencer, e depois deixa os eleitores a ver navios, ou seriam buracos, mato, juros altos, corrupção crescente? Ah, sim, dirão alguns, há a punição do eleitor no pleito seguinte. Mas isso é pouco, e a duração e o alcance dos prejuízos são muito difíceis de recuperar. Sem contar que o eleitor, induzido, recoloca muitos novamente no cargo.


O vale tudo eleitoral não pode continuar, sob pena de levarmos a um descrédito total da atividade política, da gestão pública e até da democracia. Ou nos elevamos a um patamar civilizado e coerente, ou viramos todos estelionatários, até como forma de sobrevivência. Como dizia um velho militante da política que não chegou a vencer eleição a Prefeito: ou mudamos a forma, e os ingredientes, ou teremos sempre o mesmo pão.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

África, economia e violência

POR BELINI MEURER
A relação da África com o restante do mundo acontece a partir de dois pontos dicotômicos: o continente tem uma importância histórica para a humanidade, por um lado, mas vive um abandono cruel na história recente, por outro. Informações esparsas mostram que, ao longo do continente, milhares de pessoas morrem vitimadas pela fome, por doenças, por guerras, por desmandos políticos e por fundamentalismos religiosos.

Se na França, a morte de doze pessoas causou uma comoção internacional, reunindo chefes de estado do mundo inteiro, o mesmo não aconteceu quando, na Nigéria, o Boko Haran usou meninas de onze ou doze anos para detonar bombas e matarem dezenas de pessoas. Mas o mais estranho é que essa mesma Europa, assim como a América, sabe que a situação que o homem africano vive hoje se deve a uma escravocracia e uma era de sua história chamada de Partilha da África, período de expropriação das riquezas do continente.

A história dos povos africanos remonta à origem da humanidade; arqueólogos, antropólogos e pré-historiadores mostram que em regiões sub-saarianas teriam surgido os primeiros homens e mulheres modernos. Pesquisas em restos encontrados no Chifre da África e na Península Arábica, bem como resultados de análises em situações geológicas, mostram que nos primórdios da humanidade, os povos saíram da África e espalharam-se pelo mundo cruzando o estreito Bab-el-Mandeb.


Mas a história dos povos africanos também está relacionada diretamente com a opulência européia e americana, suas histórias de colonizações, com escravismo, desmandos e imposição cultural. No século 19, a Europa ocidental, munida de réguas, compassos e transferidores, dividiu a África de acordo com seus interesses econômicos. O episódio ficara conhecido como Partilha da Africa: uma parte para os Ingleses, uma parte para os franceses, outra para os holandeses e assim por diante.


Hoje, do alto do idealismo alemão, do empirismo inglês, da religiosidade italiana ou do requinte francês, fecham-se os olhos diante da situação da Mama África. Não mais lhe interessa; o parasita não vê mais o que tirar do hospedeiro. E só assim, é possível entender o por quê de os mortos franceses causarem tanta comoção internacional e as meninas-bombas da Nigéria ocuparem nos jornais, espaços tão pequenos que mais pareceram notas de roda-pé.



quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Ééégua, uma vaca


E num dia em que teve até peixe saindo do bueiro, o pessoal do ÉÉÉgua traz mais esta preciosidade para o Facebook.


Os haitianos de hoje são os nossos parentes de ontem

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O Haiti, terceiro maior país do Caribe, é um território decapitado por sua história. Após seguidas ditaduras e enormes crises sociais, virou uma nação à deriva. Para completar, um terremoto sem precedentes destruiu o pouco que restava. Os quase 10 milhões de habitantes enxergam como uma alternativa a emigração (as forças de paz da ONU mudaram parte da realidade local, mas longe do necessário) e tentar uma outra vida longe dali. O Brasil, por ter relações estreitas com o Haiti (é o principal país com presença de tropas no país) facilitou a emigração de haitianos e estimava-se que, até o final de 2014, 50 mil estivessem no Brasil.Nem todos de forma legal.

Segundo fontes,

no conjunto do fluxo migratório que chega ao país, eles representam 10% do contingente – há quatro anos eles não passavam de duas centenas, mas, no fim de 2011, somavam 4 mil. As estatísticas fazem do Brasil o maior ponto do tráfico de imigrantes haitianos da América do Sul: 75% passam pelo Equador, seguem para o Peru e ingressam no Brasil por Tabatinga e Brasileia, fazendo, na fronteira, o pedido de refúgio. Apenas 5% deles tomam rotas distintas com passagem pela Argentina, Bolívia ou Chile antes de imigrar para o Brasil. Cerca de 20% saem do Haiti com vistos obtidos nos consulados e fazem escala no Panamá, antes de desembarcar nos aeroportos de Belo Horizonte, Brasília ou  São Paulo. 

A imigração de Haitianos é uma realidade presente em uma boa quantidade de municípios brasileiros, principalmente nas cidades catarinenses onde o superávit de empregos é noticiado nacionalmente. Muitos possuem ensino médio completo e são absorvidos pelos setores da construção civil e comércio em geral. Inclusive em alguns lugares há campanhas específicas para estes grupos, com acompanhamentos de assistentes sociais e médicos do Programa Saúde da Família. É uma população com alta vulnerabilidade que precisa de apoio para conviver harmoniosamente com a realidade brasileira e fugir das drogas, do tráfico e mendicância. Infelizmente o preconceito e o descaso ainda competem com a busca por oportunidades de uma vida melhor.

O recado que os preconceituosos merecem vai no sentido do título deste texto. Claro que as condições do país são diferentes e as realidades são outras, mas todos os nossos parentes (inclusive os indígenas) foram imigrantes em alguma parte da história. As nossas origens provam que estes povos merecem sim o respeito, a dignidade e a inclusão como qualquer outro ser humano merece, sem o constrangimento de que "estão tirando vagas de trabalhadores brasileiros" e sem patriotada. Mesmo assim, se alguém pensar contra esta linha de raciocínio, que vá abrir os álbuns antigos de família e ver que, se não fossem pelas oportunidades conquistadas na dura realidade social brasileira (escravidão, campesinato, êxodo rural, ditadura, etc.) talvez nem teria existido.

Somos todos nômades. Está em nossa essência.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Ai, que saudade...

POR FELIPE CARDOSO

Que saudade dos tempos em que podíamos chamar o negro de macaco, o homossexual de bicha, viado, bater nas mulheres, rir dos deficientes… Tudo isso sem sofrer nenhuma advertência. Bons tempos em que vivíamos em um regime militar e éramos alienados por uma televisão. Saudade desse tempo.

Recentemente o “humorista” Renato Aragão, vulgo Didi, saudosista que só, relembrou desse período em que negros e homossexuais não se importavam com as piadas racistas e homofóbicas.  “Naquela época, essas classes dos feios, dos negros e dos homossexuais, elas não se ofendiam. Elas sabiam que não era para atingir, para sacanear”, desabafou.

O mundo atual está vivendo a época do “politicamente correto”, que está deixando a nossa vida mais chata.

- “Para que tirar as pessoas da miséria? Vamos rir da miséria de quem?”, não é Silvia Pilz? O link está no final deste texto.
- “Negros cursando universidade? Para quê? Quem vai dirigir meu carro? Quem vai lavar minhas cuequinhas?”
- “Homossexuais casando e constituindo família? Por que isso? Pra que adotar crianças abandonadas e ensinar a serem gays?”
- “Lei Maria da Penha? Mulheres ganhando salários maiores do que o meu? Morando sozinhas? Independência feminina? Donas do próprio corpo? Quem vai cozinhar e limpar minha casa agora?”
- “Nós, brancos, heterossexuais, cristãos, pagadores de impostos estamos sendo oprimidos!”

Esses são alguns dos pensamentos dos intolerantes e reacionários que são representados por pessoas que se intitulam humoristas e mostram seus ideais (da Idade Média) por meio de piadas. Acham que estão sendo perseguidos e proibidos de caçoarem dos outros.

É assustador ver a quantidade de comentários preconceituosos de pessoas que, de alguma maneira, querem propagar, incentivar e fazer prosperar o discurso do ódio, da intolerância e da violência.

Se você sente saudade de alguma coisa citada acima, sinto informar, mas você precisa urgentemente de um tratamento psiquiátrico.

Então quer dizer que ensinarmos as pessoas de todas as idades a respeitarem as diferenças e conviver de maneira pacífica e harmônica para contribuir com o crescimento do país é algo simplesmente “chato” e “sem graça”? Lutar por igualdade e justiça é balela? Devemos celebrar a cultura das ofensas e desavenças? Continuar achando que é apenas uma piada?

Certamente essas pessoas que defendem essa época “gloriosa” são as mesmas que reclamam dos assaltos e assassinatos presentes no nosso dia a dia.

- “Mas o que tem a ver uma coisa com a outra? Uma coisa é falar, outra é agir!”.

Lembram da repórter Rachel Sheherazade, que disse ser “compreensível a atitude de justiceiros”? Lembram o que aconteceu depois desse depoimento? As palavras têm poder. Para que a teoria vire prática basta uma simples atitude.

Quando semeamos na nossa cabeça a raiva, a intolerância e a ignorância, nosso subconsciente nos leva a ações maldosas que prejudicam pessoas ao nosso redor quando precisamos resolver nossos problemas.

Rir da diferença do outro é errado, pois você está desqualificando seu semelhante. Você está hierarquizando e segregando a sociedade. Quem se parece com você é bonito, inteligente e merece tudo de bom. Quem é diferente de você é feio, burro e merece tudo de ruim. Acho isso já foi usado em alguns períodos da história mundial. Se não estou enganado foi na escravidão e no nazismo. 

Assustador, não? Uma simples piada pode parecer apenas uma simples piada quando não é analisada. Ela se naturaliza e, muitas vezes, é tomada como verdade. Então não tem graça as suas piadas preconceituosas. Na verdade nunca tiveram. A diferença é que tempos atrás quem sofria com tais humilhações não tinha força para reivindicar, mas agora elas têm.

Se estamos evoluindo para uma cultura mais respeitosa e você está descontente com o mundo, não pense que a sociedade está chata. Na verdade é você que não está acompanhando essa evolução. Isso é normal. Acontece com todas as pessoas preconceituosas. Elas não estudam, não sentem empatia e só leem e assistem o que combina com os seus pensamentos. Isso quando leem. Então não pense que nós (que lutamos contra todo o tipo de preconceito e violência) é que estamos errados.

Ensinar e semear o amor, a paz e o respeito para todos é fundamental para uma melhor educação e uma melhor convivência entre os humanos. Fazendo as pessoas pararem de achar graça em ofensas baratas e agressivas nos fará ficar mais exigentes. Não rir de qualquer coisa. Nossos humoristas terão que se esforçar mais. Exigiremos mais piadas inteligentes. As “zoações” nas escolas serão diferentes.

Estamos evoluindo e não podemos dar marcha a ré. Mais paz, amor, união e respeito, por favor.

Ah, e Renato, eu achava (e ainda acho) o negro e o homossexual os mais engraçados daquele grupo “Os Trapalhões”. Não é a toa que você e o Dedé perderam a visibilidade depois que eles faleceram.

Para encerrar, deixo aqui o documentário “O Riso dos Outros”, do Pedro Arantes, que contribui bastante com o debate.

(http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/01/blogueira-globo-esculacha-pobres-em-artigo-espantoso.html).

https://www.youtube.com/watch?v=uVyKY_qgd54