POR ANDREI KOLACEKE
Logo que recebeu um grande terreno como herança
dos falecidos pais, Elisa decidiu utilizá-lo para construir uma casa capaz de
abrigar o marido e os três filhos. Residente em Joinville, a família havia
juntado, ao longo de vários anos e com muito sacrifício, o dinheiro necessário
para a construção da tão almejada casa própria. Em busca do alvará necessário
para iniciar a construção, no entanto, Elisa viu frustrados os planos de sua
família. Já na consulta prévia, foi informada pela Secretaria do Meio Ambiente
de que a quase totalidade do imóvel não poderia receber qualquer construção.
Uma faixa de trinta metros de largura do terreno encontrava-se em área de
preservação permanente, por estar localizada às margens de um pequeno córrego
que passava na região.
No caso, o posicionamento da SEMA, embora
de acordo com a literalidade da Lei nº 12.651/12 (o famigerado novo Código
Florestal Brasileiro), de maneira alguma se mostrava razoável. A respeito da
ocupação do solo de Joinville, o próprio Tribunal de Justiça de Santa Catarina
já decidiu reiteradamente que “em área
urbana não se aplicam as distâncias mínimas definidas pelo Código Florestal
entre construções e margens de rios, córregos e canais”[1].
De qualquer maneira, diante disso, só restaria a Elisa desembolsar pelo menos
R$ 3.800,00 (conforme a tabela de honorários da OAB/SC) para tentar reverter a
situação por meio de um mandado de segurança.
Independentemente do desfecho, são
situações como a de Elisa que evidenciam a maneira como as questões
relacionadas à preservação ambiental vêm sendo tratadas na cidade.
Construída sobre uma área recortada por
pequenos cursos de água e ocupada por vastos manguezais, Joinville desde cedo teve
sua expansão urbana associada à degradação do ambiente. Do século XIX aos dias
atuais, foi uma ideologia utilitarista, de progresso a qualquer custo, que norteou
a ocupação do solo e o desenvolvimento econômico da cidade. As indústrias mais
antigas e diversos prédios públicos gradualmente ocuparam o espaço que sempre
havia pertencido às matas ciliares, enquanto uma população em rápido
crescimento tomou o lugar da Mata Atlântica e acumulou-se em torno do mangue. O
processo de ocupação da região ocorreu de tal maneira que, passadas tantas décadas,
uma aplicação literal da legislação ambiental vigente colocaria a maior parte
dos espaços ocupados em situação irregular e inviabilizaria a própria
existência da cidade.
Diante da impossibilidade de uma reversão
completa do dano já causado, caberia ao Poder Público ao menos garantir a
observância das normas federais, estaduais e municipais de proteção ao ambiente
com a eficiência, a imparcialidade e a razoabilidade necessárias para torná-las
eficazes; deveria, sobretudo, direcionar seu rigor a quem realmente tem
oferecido riscos ao equilíbrio natural da região.
No entanto, ao invés disso, tolera, ano
após ano, o funcionamento de grandes indústrias às margens de rios e córregos; diante
das violações, aplica penalidades irrisórias quando comparadas às dimensões dos
sujeitos penalizados; no final das contas, torna a aplicação do direito
ambiental um simples custo a ser incluído na fórmula de lucratividade das
atividades nocivas ao ambiente. Quando aplica a lei em sua literalidade e com o
máximo rigor, o faz justamente com cidadãos como dona Elisa, que dispõem de
tanto potencial para causar danos ao ambiente quanto capacidade para reagir às
arbitrariedades.
Em Joinville e na maior parte do mundo, o medo
de uma possível fuga de investimentos tornou o Estado pouco mais que um refém
do capital. Nessa relação de poder invertida, os interesses a que os órgãos
governamentais procuram atender são completamente dissonantes dos da população,
vez que o modelo de desenvolvimento adotado, insustentável do ponto de vista
ambiental, é responsável, como se sabe, pelo aprofundamento das desigualdades
sociais e pela deterioração das condições de vida nas comunidades mais
vulneráveis.
Como um engodo, a aplicação de normas ambientais
em Joinville mostra-se intransigente contra os pequenos, branda contra os
grandes, excessiva nos pontos em que é desnecessária e omissa naquilo em que é
imprescindível.
[1] TJSC, Agravo de Instrumento n. 2014.006221-6, de
Criciúma, rel. Des. Cid Goulart, j. 03-03-2015