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quinta-feira, 26 de junho de 2014

Festival de Bizarrices que Assola a Copa

POR CLÓVIS GRUNER

Na semana passada, Felipe Silveira indagava, em seu texto, qual o legado principalmente político da Copa, cuja realização coincidiu com o primeiro aniversário das chamadas “jornadas de junho”, além das muitas manifestações ocorridas imediatamente antes e durante o evento. Não é fácil fazer um balanço de acontecimentos recentes e, nesse caso especificamente, ainda em desenvolvimento: toda afirmação e análise serão sempre provisórias e mesmo precárias, pois o que parecia certo hoje, pode apresentar configurações novas amanhã.

Mas se não se pode falar com segurança do legado político da Copa, as duas últimas semanas sinalizaram para outra herança, essa já passível de ser catalogada e analisada mais acuradamente: se os critérios para avaliar o sucesso do evento incluíssem a quantidade de bizarrice escrita e falada por alguns blogueiros, comentaristas e torcedores nos últimos dias, não tenho dúvidas de que essa seria mesmo a “Copa das Copas”. Pincei alguns exemplos que julguei, sob meu ponto de vista, os mais significativos.

“Hoje eu tive um sonho, que foi o mais bonito...” - Nos anos de 1980 não faltou quem acreditasse que esses versos de Roberto Carlos, se ouvidos ao contrário, revelavam seu conteúdo satânico. Salvo engano, Xuxa também conspirou com o capeta, mais ou menos na mesma época. Sempre achei que chafurdar atrás de mensagens subliminares em músicas, filmes, animações, etc..., era coisa de gente paranoica e desocupada, a quem faltava principalmente senso do ridículo. Pois não é que um dos blogueiros preferidos dos neocons brasileiros fez descer o hábito a um patamar ainda mais patético? Economista de formação, Rodrigo Constantino já defendeu a privatização dos tubarões com base em uma leitura muitíssimo peculiar do liberalismo econômico. Não me surpreendeu, portanto, sua teoria de que o símbolo da Copa contém uma mensagem petista subliminar: a cor vermelha do 2014. Quando escreveu o artigo defendendo a privatização dos tubarões, Constantino publicava os textículos que cometia no Orkut. Hoje suas redações escolares estão hospedadas no site de uma revista nacionalmente conhecida, o que lhe valeu uma tiração de sarro, no Twitter do jornalista americano Vincent Bevis, correspondente brasileiro do LA Times. É a globalização da bizarrice.

“Não que eu seja melhor, mas eu paguei mais caro” - Enquanto os Black Blocs apanhavam da polícia nas ruas, os Yellow Blocs expressavam seu patriotismo e paixão pelo futebol da seleção canarinho comendo coxinha de ossobuco, bebendo cerveja Karavelle e champagne Chandon e ouvindo roda de samba animada por Seo Jorge, aquele que mora em Los Angeles porque o Brasil, esse “país de merda”, nunca lhe deu oportunidade, mas que em nome da coerência não se recusou a faturar uns trocadinhos exibindo sua brasilidade quando a Copa veio para cá. Uma etnografia dos Yellow Blocs revela facetas interessantes de uma parte de nossa elite: eles não se consideram melhor que ninguém, mas ficam indignados quando pagam 5 mil dinheiros para entrar em uma festa e são tratados em pé de igualdade com quem pagou míseras trezentas moedas. Tem uma consciência social agudíssima, e identificam nas filas dos banheiros e na falta de garçons para servir as tais coxinhas de ossobuco, os mesmos problemas cotidianos enfrentados pelos milhões de brasileiros, obrigados a amargar horas em filas nos postos de saúde e a se contentar com coxinha de frango com catupiri tabajara. Temem a violência, porque levar uma facada no baço não é mole. E acham que Dilma mereceu ser xingada “por causa de tudo o que ele fez no país”, embora nenhum deles saiba dizer exatamente o que. E não precisam, porque o importante mesmo quando se manda uma presidenta tomar no cu, é o “fundamento do pensar”. Bizarro. 

“Tem de ler 40 livros” - Eu não nego ao Eduardo Bueno um mérito: o cara traduziu “On the road”, a bíblia beat, o que não é pouca coisa. Isso antes, bem antes de dar início a uma coleção de títulos que visavam “popularizar” a história do Brasil com livros que, se por um lado pecam pela quase absoluta falta de rigor, por outro aproximam os leitores ditos comuns de uma história que nós, acadêmicos, nem sempre primamos por tornar acessível. Se verter Kerouac ao português não fez diferença significativa no seu nível de popularidade, a tal coleção o alçou à condição de celebridade, e daí para um programa de comentários sobre Copa do Mundo e temas afins foi um pulinho. Em um deles, Peninha chamou o Nordeste de “bosta” e provocou reações indignadas. Tivesse bom senso, ele teria se explicado, culpado o tal contexto e se desculpado pela colocação no mínimo infeliz. Mas optou por dar um piti e desancar aos gritos seus críticos, recorrendo a argumentos de autoridade que dizem mais sobre sua fragilidade intelectual que da relevância de sua obra. Imagino que não deve ser fácil ver-se alvo da indignação de tantos, mas faz parte do jogo: está na hora desse povo das síndromes persecutórias entender que, sim, esse é um país democrático onde se pode falar o que quiser. Mas esperar que todo mundo os aplauda é tão bizarro quanto chamar o Eduardo Bueno de historiador.