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terça-feira, 14 de julho de 2015

Sobre psicofobia e "loucos".

POR PEDRO HENRIQUE LEAL

Essa era uma discussão que eu havia planejado para outro momento, à ocasião dos comentários de Luiz Carlos Prates quanto a pessoas com depressão. O tempo passou, o texto não saiu, e o assunto esfriou. Mas ainda merece ser notada.

Estima-se que 23 milhões de brasileiros sofram com distúrbios psiquiátricos. Destes, cinco milhões tem transtornos graves. Um em cada 10 brasileiros precisa de atendimento em saúde mental. E, ainda assim, impera o preconceito e a caricatura contra o “louco”, e um misto de ignorância e má vontade quanto ao sofrimento dessas pessoas.

Em abril deste ano, o jornalista e formador de opinião Luiz Carlos Prates externou o desprezo contra pacientes psiquiátricos em sua forma mais grotesca. Em comentário quanto ao suicídio do co-piloto da Germanwings, Andreas Lubitz, que levou consigo 150 passageiros, Prates definiu “todo depressivo como um agressor”. Em sua fala, chamou pacientes com depressão de “covardes existenciais” que merecem “desprezo”.

A posição de Prates não era (e nem deixou de ser) uma exceção. Depressivos são constantemente vistos como covardes com “problemas de atitude”, que só precisam “encarar a vida de forma mais positiva”. Por ignorância, o problema grave da depressão é confundido com tristeza, e a doença é tratada como “um estado emocional” do qual “é só querer sair”.

Eu sofro de depressão clínica. Queria eu que depressão fosse uma questão de “estar triste”, pois estar triste seria sentir alguma coisa, e não um completo "vazio existencial", um tipo de "tristeza" que só merece ser chamada assim por que nenhuma outra emoção se aproxima - ou pior, as fases de total apatia, em que não se sente nada. Queria eu que fosse só “ter pensamento positivo” e “se alegrar”. Afinal, é assim que todas as doenças funcionam, não é? É só você tentar não estar doente que passa. Não é assim que é com todas as outras?

Não só isso, mas não se compreende que pessoas com depressão não estão necessariamente na fossa 100% do tempo, ou que muitas escolhem fingir que estão bem para não serem pressionadas a “ficarem melhor”. No mês passado, o INSS cortou os benefícios de uma mulher com depressão grave após essa postar “fotos felizes” no Facebook. No entender do perito, “uma pessoa com um quadro depressivo grave não apresentaria condições psíquicas para realizar passeios e emitir frases de otimismo”, segundo reportagem da Folha de S. Paulo. Enquanto isso, milhões de depressivos se esforçam em parecerem felizes - o que se aplica em especial às redes sociais. Danado se fica mal, perdido se finge estar bem.

ESQUIZOFRÊNICOS - Mas outros distúrbios psiquiátricos tem tratamento ainda pior. Por todo o estigma passado por depressivos, estes ao menos não tem a sina de “loucos” e “violentos” como, por exemplo, os esquizofrênicos. Termo por sinal que há muito já se naturalizou como insulto. A imagem do esquizotípico é a de uma pessoa violenta e “louca”, dada a surtos e “que houve vozes”. Apesar disso, apenas 5% dos esquizóides tem histórico de violência e, no Brasil, 45% já tentou o suicídio. 10% das mortes de esquizofrênicos no país são por suicídio. Nos EUA, um terço dos moradores de rua são esquizofrênicos. E ainda impera a visão de que os portadores desse tipo de distúrbio são “perigosos” e “devem ser isolados da sociedade”. Bipolares e esquizofrênicos são alvos de violência com uma frequência duas vezes e meia maior que “pessoas normais”.

Da mesma maneira que com depressivos, é esperado que um estes “performem a doença”; quando foi apontado que o traficante Rodrigo Gularte não poderia ser executado pela justiça da Indonésia por ser esquizofrênico, houve quem dissesse que isso era uma mentira por motivos que iam de “é esquizofrênico mas vai pro exterior” à “diz que é esquizofrênico, mas comer cocô não come”.

Os preconceitos contra pacientes psiquiátricos e a ideia recorrente de que estes são “uma ameaça” estão entre as formas de discriminação mais naturalizadas da sociedade. A psicofobia ainda é vista como “justa”, “compreensível” e “aceitável”. Afinal, essas são pessoas loucas e perigosas, quem pode me dizer que não vão matar a qualquer instante? Enquanto isso, contrariando o senso comum, pesquisas na área de psiquiatria apontam que pacientes mentais tem mais chance de serem vítimas de violência do que agressores - e que a maior parte das pessoas violentas não sofrem de doenças mentais. Mas o que se houve, se vê, se lê e se assiste nos cinemas e televisões é que são perigosos, violentos, e uma “bomba relógio” esperando para explodir. Até quando?