sexta-feira, 14 de julho de 2023

Os meus filhos

POR JOSÉ ROBERTO PETERS

Amo meus filhos. São parecidos comigo e com a mãe deles, só que mais bonitos. São preparados, só que mais inteligentes. Têm qualidades e defeitos. Por isso estão preparados. Vão errar? Com certeza. Mas vão acertar muito mais. Minha filha é doutoranda, meu filho faz duas faculdades. Falam inglês, espanhol e sei lá mais que línguas. Se fossem viajar pelo mundo não seriam como eu: pra comer eu ia ter que fazer gestos ridículos de passar a mão pela barriga e meio que “abanar a língua”.

E é pra isso que a gente cria filhos: pra se virar no mundo, que é bem diferente do que era quando eu tinha a idade deles. Se eu tenho saudades do meu tempo? Não. Criar filhos hoje é mais fácil. Eles têm mais informação, mais teorias e mais acesso à informação. Imagino se meus pais vivessem no tempo do google — e não da “Barsa”, quando a gente estava em idade escolar —, onde estaríamos (eu e meus irmãos) hoje? Não porque o google é superior à Barsa, mas porque meus pais entendiam o poder da educação e da informação.

Hoje ouvi alguém no ônibus contar uma história (era uma conversa alheia) — no transporte coletivo não há como não ouvir — de uma mãe que estava tendo um problema: “Dois filhos: a filha doce e o filho rebelde, que tinham conseguido uma vaga numa ‘escola militar`”.

[Abro aqui um parêntesis (no caso usei colchetes): a escola é “militarizada” e não militar. A escola militar (das forças de segurança: polícia, exército etc.) tem um propósito: formar policiais, oficiais do exército etc. A escola militarizada tem o objetivo de “disciplinar” os alunos com: fazer tarefas, se calar ante os de hierarquia superior, não usar cabelos soltos e brincos (as meninas) ou cabelos grandes e brincos (os meninos) e que tais]. Fechado o parêntesis (ou colchetes), volto à história.

Pois bem, “a filha doce odiou. O filho rebelde amou. Ah! Dizia a que mulher que contava a história. ´As crianças de hoje — mesmo falando sobre adolescentes — não gostam de disciplina, não sabem cantar o hino nacional e não gostam de rezar`”. Parece que estas eram as atribuições que se queria na tal escola: obedecer, cantar o hino e rezar. Vai ver — e isso é um palpite — que a “filha doce” (que obedecia, sabia o hino e orava) descobriu que a vida é mais do que isso. E que o “filho rebelde” (que não obedecia, não sabia o hino e não orava) descobriu que a vida é também isso.

Ora, me lembrei de uma aula que dei em um curso de pós-graduação, em Goiânia, em que uma aluna falou que agora que a escola estava militarizada e a disciplina era outra: muito melhor. Eu perguntei sobre o aprendizado. Ela disse que “a mesma coisa de antes, ruim. Mas, pelo menos, não precisava ficar pedindo silêncio”. Isso: alunos dóceis e ainda sem aprender.

Paulo Freire dizia que educação é amor. Onde tem alguém disposto a ensinar e alguém disposto a aprender está estabelecida uma relação de educação. E a disposição para ensinar (ou aprender) é nata do ser humano (talvez a sua essência). E educar é libertar. É propor (e expor) o outro pro mundo. E o mundo é o que se vê por aí: tem de um tudo. Sonegar informação é dificultar a caminhada.

Assim, meus filhos, na medida do possível e das possibilidades — veja nessa construção: possível e possibilidades. O mesmo radical para dizer “o que demos conta” e “o que dava pra fazer” — vão até onde quiserem, mas terão que fazer a sua parte na construção e com as “armas” que demos e que têm. E estas “armas” são privilégios. Os defensores da tal meritocracia não levam em conta os privilégios. E é isso, todos deveriam ir até onde quiserem, independente do ponto de partida. Mas a gente sabe que não é bem assim. E não é só ensinar hino, obrigar a obedecer e fazer orar que vai fazer um cidadão. A vida é mais do que isso.
 
José Roberto Peters é pai de dois filhos e professor universitário.





Um comentário:

  1. Parabéns meu querido amigo Beto, excelente texto, e viva a Escola Democrática

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