sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Ignorância, brutalidade e estupidez, diz Stephen Fry sobre Bolsonaro

POR ET BARTHES
Por causa do documentário “Out There”, sobre a homofobia no mundo, o cineasta inglês Stephen Fry esteve no Brasil para uma entrevista com o deputado federal Jair Bolsonaro. Um encontro que não deixou boas memérias para o diretor britânico, que é gay assumido e disse nunca ter visto tanta ignorância, brutalidade e estupidez numa única pessoa.

“Esta foi uma das conversas mais sinistras e deprimentes que eu já tive. Bolsonaro é o típico homofóbico que eu encontrei em todas as partes do mundo, com a mesma ideia de que os gays vieram para dominar o mundo, recrutando crianças e abusando delas. Mesmo em um país avançado como o Brasil, existe esse ódio entre as pessoas sem informação”, disse Fry.

E com as eleições à porta, o britânico decidiu publicar uma mensagem de repúdio ao candidato à presidência. Stephen Fry e Jair Bolsonaro. O encontro entre um homem habituado às democracias desenvolvidas, onde os valores civilizacionais se levantam, e outro que insiste em fazer o Brasil descer para o nível do Sudão do Sul. A seguir, o depoimento e a entrevista.



quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Anatomia de um desastre

POR CLÓVIS GRUNER
Na última sexta (28), José António Baço, meu colega de blog, publicou texto onde, sob o título “10 razões para o fracasso de Bolsonaro”, defende que a candidatura do deputado fascista está, como o título sugere, “condenada ao fracasso”. E vaticina: “Perdendo ou ganhando, o fato é que o candidato nada tem a oferecer ao país. Não tem uma proposta. Não tem um programa. Não tem uma orientação”.

Tudo isso é verdade. Mas se concordo com Baço no varejo, discordo dele no atacado: independente do resultado das urnas, Bolsonaro é o grande vitorioso dessas eleições, e por diferentes razões. Uma mais imediata: mesmo que não se eleja presidente, sua candidatura mobiliza votos suficientes para garantir bancadas parlamentares numerosas e fortes o bastante para barganharem, com os governos, cargos e retrocessos.

Além disso, levaremos anos para reconquistar o mínimo de civilidade, se é que conseguiremos, no debate público, depois que naturalizamos excrescências até há pouco tratadas como exceção. O estrago que uma campanha movida à  fake news, disseminação do ódio contra minorias, intolerância à democracia, às liberdades individuais e aos direitos humanos os mais elementares causa, não pode nem mesmo ser mensurado no curto prazo.

Bolsonaro é, de fato, um fenômeno: na história política recente, apenas Eduardo Cunha rivaliza com ele quando se trata de comparar políticos que, oriundos do chamado “baixo clero”, ascenderam tão rapidamente a posições de prestígio. Mas, diferente do antigo aliado, Bolsonaro disciplinou a sede com que foi ao pote e sobreviveu ao tsunami que, em graus variados, atingiu parte do “alto clero” nos últimos dois ou três anos.

Foi isso, e não sua suposta honestidade (e quem o diz não sou só eu, mas o próprio, em entrevista ao Jornal Nacional), que o manteve longe das manchetes policiais. Por outro lado, ele foi hábil o suficiente para se descolar rapidamente tanto de seu passado próximo ao PT – ele pertenceu à base de sustentação dos governos Lula e Dilma –, quanto de sua aliança e de seu partido, o PSL, com o governo Temer.

Há muitas, inúmeras razões, para temer Bolsonaro. Democratas à esquerda e à direita, têm alertado para os constantes ataques do candidato às minorias, seu desprezo às liberdades individuais e aos direitos humanos, e do quanto isso, entre outras coisas, compromete a imagem do país entre as nações desenvolvidas. Mas boa parte de seu eleitorado parece disposto a votar nele, não apesar, mas justamente por isso.

Como na Venezuela – Talvez porque se sintam desconfortáveis em viver em um país onde, como em sociedades de democracia mais estável, mulheres, negros e LGBTs têm seus direitos os mais básicos garantidos – por exemplo, o de perceberem salários iguais ou de não serem agredidos e assassinados em função de sua etnia e orientação sexual. É possível que vejam em Bolsonaro a possibilidade de voltarmos a algum estágio anterior, mais próximo da sociedade do século XIX, época em que, acreditam, a família tradicional brasileira não era ameaçada pelas minorias.

Mas Bolsonaro não representa apenas um atraso civilizacional, nos costumes e liberdades. Um passeio por suas declarações e de alguns de seus principais assessores, como o candidato à vice, o general Mourão, e o pretenso futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, além de uma leitura atenta de seu programa de governo, sinalizam mais claramente que o retrocesso será muito mais amplo. E nem seus eleitores mais devotos escapam dele.

O general Mourão, por exemplo, já falou em “autogolpe” e em “Constituição sem constituinte”, redigida, de acordo com ele, por um grupo de “notáveis” e submetida depois ao crivo de um referendo popular, sem a interferência da oposição. Uma proposta semelhante ao processo que culminou, na Venezuela chavista, com a promulgação da Constituição bolivariana que vigora por lá atualmente.

Em entrevista recente, o próprio Bolsonaro afirmou não reconhecer outro resultado que não a sua vitória, e já defendeu também a ampliação de 11 para 21 o número de ministros no STF, para que possa nomear a maioria dos juízes durante seu mandato. Não sei se os comentaristas anônimos sabem, mas foi o que fizeram os generais brasileiros e também Hugo Chávez, na Venezuela, e por uma razão: controlar o judiciário é um dos princípios elementares de qualquer ditadura, à direita e à esquerda.

Mas talvez você seja daqueles que acredita na existência de ditaduras do bem, as de direita. E não se importa com porões clandestinos funcionando, quem sabe para eliminar de vez os tais 30 mil que a ditadura brasileira deixou de matar, desde que o Estado seja eficiente e o mercado, livre. Bom, nesse caso, sugiro revisitar urgentemente o histórico de votações de Bolsonaro em seus pouco produtivos 30 anos como deputado federal.

Ele pode ter mudado, é verdade. Mas temo que não para melhor. Mourão já vociferou contra o 13º, essa “jabuticaba” paga aos trabalhadores brasileiros – ele não parece incomodado com os cerca de 5 bilhões gastos anualmente em pensões a filhas solteiras de militares. Bolsonaro votou a favor da reforma trabalhista e defende a criação da carteira de trabalho verde-amarela, que não garante os direitos da tradicional carteira azul, e que costuma vender como solução ao desemprego.

Uma singular noção de eficiência – Sabemos no bolso de quem tais medidas impactarão mais drasticamente: nos mesmos que pagarão mais com a alíquota única do Imposto de Renda. A proposta de Paulo Guedes e Bolsonaro, de um percentual único de 20%, favorece quem tem renda maior e pagará menos imposto, e obriga os de baixa renda a desembolsar mais. Traduzindo: ganham os mais ricos, perdem os mais pobres. E há o retorno da CPMF; Guedes o defende, Bolsonaro diz que não. Mas como se trata de um mentiroso contumaz, não há porque acreditar nele.

Tem mais? Tem. Bolsonaro é contra o Bolsa Família; acha que a “molecada” tem “tara pelo ensino superior”, e por isso quer limitar o acesso dos menos favorecidos às universidades públicas extinguindo as cotas; defende o ensino à distância desde a alfabetização; e aposta na disciplina espartana do ensino militarizado, alheio ao fato de que qualidade em educação depende principalmente de investimentos que, entre outras coisas, valorizem os professores, suas carreiras e seus salários.

A única novidade do programa de Bolsonaro naquilo que ele afirma ser especialista, a segurança, é garantir que o cidadão comum, sem nenhum tipo de preparo ou treinamento, seja responsável direto pela sua proteção e do seu lar. Afinal, para que política pública se o “cidadão de bem” está disposto a morrer defendendo ele mesmo as fronteiras do lar e, de quebra, armar o bandido, só pelo prazer de portar e exibir um segundo falo?

Antes de levar um “cala a boca” e ser obrigado a cancelar suas aparições públicas, Paulo Guedes, cuja carreira era obscura até encontrar um beócio para chamar de seu, defendeu zerar o déficit público em um ano vendendo todas as estatais e todos os terrenos do governo federal – a proposta está no programa de governo de Bolsonaro. A expectativa, afirma, é conseguir arrecadar até 1 trilhão de reais aos cofres públicos.

Não sei dizer se por “todos os terrenos” devemos entender também os que incluem prédios públicos, e se Bolsonaro pretende transferir a estrutura governamental para imóveis alugados. Mas economistas sérios já alertaram para o fato de que a participação do governo nas estatais passa longe do trilhão – gira em torno de 140 bilhões. Além disso, não é possível privatizar todas as estatais em apenas um ano – vender empresas públicas não é como ir à feira no final de semana.

Anti-petistas, o grosso do eleitorado de Bolsonaro, costumam acusar quem votou em Dilma Rousseff na última eleição, de sabermos o que estávamos a fazer e que, por isso, não há motivos para reclamação. Na devida proporção, eles têm alguma razão. Mas devolvo a provocação: o desastre social, político e econômico de um governo Bolsonaro está devidamente anunciado. E demasiadamente explicado para desautorizar dizer depois: “eu não sabia”.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Acordaremos dia 8 com um Brasil rachado


POR JORDI CASTAN
Já escrevi aqui sobre o risco da polarização, dos extremismos, e da ruptura social que representa. Era previsível que a teoria do pêndulo fizesse oscilar o eleitor pós-ditadura, na direção de opções de esquerda, do mesmo jeito que agora é completamente previsível que depois de décadas de governos de esquerda o eleitor opte por votar em candidatos de direita. O problema reside na falta de opções. Não há opções reais de direita. Assim o eleitor fica dividido entre um ex-militar reformado com um discurso confuso e retrógrado e um bando de extremistas de esquerda cujo líder está preso por corrupção, condenado em segunda instância.

O quadro é desesperador. Para agravar ainda mais, Fernando Haddad diz que não quer repassar os erros de todos os envolvidos (em seu partido e nos governos de que formo parte) porque são muitos. Eu gostaria que os repassasse, que os expusesse e que não precisasse buscar conselho e apoio com um presidiário.

Não escondo que minha opção política será o partido NOVO, o único que apresenta até agora uma alternativa real a termos mais do mesmo. E entenda-se “mais do mesmo” como a institucionalização da corrupção, a roubalheira e a união mancomunada de todos os partidos, ou da sua imensa maioria, em torno de um projeto de poder, de aparelhamento do estado e da preservação de privilégios e sinecuras infinitas e insustentáveis.

No dia 7 de outubro não votarei no 17, até porque no atual quadro político não acredito que nenhum candidato possa ganhar no primeiro turno e não entrarei no jogo fácil de deixar de votar no candidato que defende as propostas e programas em que acredito, para votar em outro que representa um salto no escuro.

O que facilita a escolha no segundo turno é que tudo se encaminha a colocar o eleitor frente o dilema de votar no conhecido ou no desconhecido. E, neste caso, pesa muito o que já sabemos. Assusta o rancor, a falta de autocrítica, a incapacidade manifesta de reconhecer os erros e querer corrigi-los. Sem reconhecimento da culpa o PT e os partidos que orbitam no seu entorno, querem converter esta eleição num plebiscito que legitime suas roubalheiras, seus desmandos, seus abusos.

O retorno do PT e do que ele representa ao poder, seria a volta ao atraso, mais troglodítico. Seria realinhar o Brasil a Maduros, Evos, Kims, Castros, Obiangs e outros líderes totalitários, dos que qualquer país ou pessoa decente deveria manter prudente distância.
O resultado das urnas permitirá que o eleitor tenha tempo para refletir. Um tempo para pensar no Brasil que queremos. Hoje dois pontos chamam a atenção. O país está rachado entre os que estão a favor e os que estão contra um mito. A eleição converteu-se num plebiscito para escolher qual dos dois mitos vencerá. Não há como entender a furibunda dedicação de essa parcela do eleitorado, que destina mais tempo a ser contra um candidato, que a defender e divulgar as propostas do seu próprio candidato.

O resultado das urnas determinará se são mais os milhões que votaram em Ali Babá e a sua corja de ladrões ou os que acreditaram num mito. O eleitor foi jogado num beco sem saída. Se ganhar um será a legitimação da corrupção e a veneração da máxima que diz que “o fim justifica os meios” e que mesmo condenados e reconhecendo seus crimes merecem ser votados e voltar ao poder. Se ganhar o outro estaremos apoiando a volta da direita mais radical, a que flerta com o extremismo e o totalitarismo, e que se apresenta como não sendo corrupto. O drama é que as duas únicas alternativas possíveis sejam estas.

E tudo isso sem falar nas opções para os legislativos. Porque seja quem seja quem seja eleito terá que negociar com Assembleias, Congresso e Senado. Haja estômago. s

Enquanto isso, no país de Bolsonaro - MEMEZEIRO