sexta-feira, 29 de junho de 2018

Udo Dohler visto pelo Sandro Schmidt (1)

POR ET BARTHES
Já notaram como o prefeito anda sumido? Ninguém vê, ninguém sabe onde anda, ninguém tem notícias. Então, para os leitores e as leitoras matarem saudades, hoje vamos exibir o primeiro filme de uma série com charges do Sandro Schmidt feitas ao longo dos últimos anos.



quinta-feira, 28 de junho de 2018

Manuela d'Ávila: do manterrupting ao "mandumbing"

POR LEO VORTIS
Esta semana a expressão “manterrupting” entrou de vez para o vocabulário dos brasileiros, em especial através nas redes sociais. Tudo pode causa da entrevista da deputada Manuela D’Ávila no programa Roda Viva, da TV Cultura. Aliás, chamar aquilo de entrevista é generosidade, porque foi um show de boçalidade e ridículo machismo.

Nem vou falar do painel reunido para a entrevista, onde constava um assessor de outro candidato, porque isso já foi muito debatido. Ora, a entrevista é a alma do jornalismo. O papel do entrevistador é perguntar, em especial as perguntas incômodas. Mas também é saber perguntar e saber ouvir. A entrevista pode entrar para a história do jornalismo como um case study de “manterrupting”.

O tema já foi muito debatido (inclusive aqui mesmo pelo Clóvis Gruner) e por isso vou falar num tema paralelo. A influência da resistência ao machismo na linguagem. É que nos últimos tempos surgiu um rol de novas palavras todas ligadas a esse plano. Infelizmente em língua inglesa, porque o português é capaz de expressar essas ideias. Mas, enfim, importa que as coisas sejam nominadas e ganhem existência concreta.

O dicionário é extenso. A começar pelo “manterrupting”, que foi a marca maior na entrevista do Roda Viva. É quando um homem interrompe uma mulher, de forma a impedir que ela conclua o raciocínio. Mas as formas de expressão quotidiano foram enriquecidas por outras palavras que têm raiz na denúncia dos comportamentos machistas, ainda muito em sociedades como a nossa.

E dou alguns exemplos:
- Mansplaining
É talvez o de compreensão mais simples. É quando um homem tenta explicar a uma mulher coisas óbvias, que ela sabe muito bem.
- Bropriating
É quando, num ambiente de trabalho, um homem (“bro”) se apropria (“appropriating”) dos méritos de uma ação ou uma ideia de uma mulher.
- Gaslighting
É violência emocional. Os homens começam a tratar a mulher como maluca por alguma ação qualquer. “Você está doida? Não era essa a intenção”.
- Slutshaming
É quando os homens dizem que a mulher é uma vadia, apenas por ela ter um comportamento mais livre.
- Manspreading
É quando o homem senta nos transportes públicos e abre as pernas, de forma a ocupar também o espaço do banco vizinho.

Enfim, graças à maior exposição de ideias nas redes sociais essas palavras - entre tantas outras - acabaram por ganhar expressão. E no caso do programa Roda Viva vou me dar à liberdade de criar um neologismo: “mandumbing”. Ou seja, homens idiotizados. Aliás, quem se deu ao trabalho de ver a tal entrevista deve ter sentido dentro de um enorme Facebook, tal o nível ridículo dos entrevistadores.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Cultura do estupro e banalização da violência


POR CLÓVIS GRUNER
O cenário é o estúdio de gravação do “Roda Viva”, que segunda (25), na série de encontros com os presidenciáveis, supostamente entrevistou a deputada e candidata do PCdoB, Manuela D’Ávila. E digo supostamente, porque o que se viu passou longe de uma entrevista: a bancada “livremente escolhida” pela produção do programa não pretendia outra coisa além de desqualificar sua candidatura, e levou a tarefa a sério.

Parte da postura agressiva dos entrevistadores, que pareciam ter saído direto da Guerra Fria, se explica pelas posições ideológicas da presidenciável. E digo parcialmente porque, por exemplo, mesmo tensa, na entrevista com Guilherme Boulos o candidato do PSOL teve espaço para responder aos arguidores. Mulher e feminista, a Manuela D’Ávila não foi concedido o mesmo direito. Mas não pretendo analisar o programa ou defender o PCdoB, partido pelo qual não nutro nenhuma simpatia.

Cito o “Roda Viva” por um motivo: o embate entre Manuela D’Ávila e um dos coordenadores da campanha de Jair Bolsonaro e diretor da Sociedade Rural Brasileira, Frederico D’Ávila, em torno ao tema do estupro. Em um movimento mental tortuoso tão comum, por exemplo, entre os comentaristas anônimos desse blog, Frederico começou com a trajetória do avô, sobrevivente do nazismo, e terminou com a defesa da castração química como solução para o estupro. Em uma das muitas vezes que a interrompeu, afirmou que não existe “cultura do estupro” - para, em seguida, voltar ao avô.

Um dos argumentos (passe o exagero) do entrevistador é de que a castração química, ao punir exemplarmente os estupradores, resolveria o problema, argumento (passe, de novo, o exagero) brandido por Bolsonaro e um punhado de homens – e também algumas mulheres. A medida é defendida por quem entende o estupro como sexo, ainda que com violência, bastando para isso restringir, punir ou simplesmente eliminar o “desejo sexual”.

Não é sexo, é poder – Mas estupro não é sobre sexo; é sobre poder, e eles e elas ignoram, propositadamente ou não, que castrar quimicamente o estuprador pode até atacar um dos sintomas mas, fundamentalmente, deixa intocado o problema. Quando feministas enfatizam a importância, por exemplo, de se discutir relações de gênero nas escolas e outros espaços públicos, elas estão afirmando, entre outras coisas, que reduzir o estupro a um ato sexual, silencia sobre e reproduz o exercício de um poder que se sustenta na violência.

A castração química e sua lógica punitivista, nesse sentido, é parte intrínseca da cultura do estupro, razão pela qual Jair Bolsonaro e Frederico D’Ávila defendem a primeira e negam a existência da segunda. Mas o próprio Bolsonaro afirmou à deputada petista Maria do Rosário, que não a estuprava porque ela não merecia, para explicar depois que ela não merecia ser estuprada porque é feia. Alexandre Frota, um de seus cabos eleitorais no meio artístico (sim, estou dado a exageros hoje), contou em rede nacional como estuprou uma mulher, desqualificada ao longo da sua narrativa por ser “mãe de santo”.

Um pouco antes disso, o humorista Rafinha Bastos cunhou a piada segundo a qual mulheres feias devem não acusar, mas agradecer seu estuprador. Na mesma época, uma campanha da Nova Schin levou ao ar uma peça onde um homem invisível ameaça e constrange mulheres, invadindo seu vestiário. Questionado, o Conar respondeu com indiferença, alegando que a propaganda era “baseada em uma situação absurda”: o homem que constrange mulheres e invade seu vestiário, provocando horror e medo, é invisível.

Para alguns, se a mulher for feia ou homem, anônimo, o estupro é válido e, em alguns casos, pode ser até divertido. É nisso, parece, que acredita outro humorista, Danilo Gentili; segundo ele, um homem que espera uma mulher ficar bêbada para transar com ela é um “gênio”. Afinal de contas, se algo der errado e ele for denunciado, basta dizer que ela estava vestida de forma inadequada ou sozinha à noite em uma festa e bebeu demais: uma das características da cultura do estupro é responsabilizar a vítima pela violência de que é objeto.

A banalidade do mal – Nada disso é novidade: o estupro, ao contrário do que se afirma correntemente, não é uma aberração anti-civilizatória, fruto exclusivamente de algum comportamento monstruoso. Ele é, antes, uma prática que ao longo da histórica serviu para afirmar e consolidar diferentes experiências de dominação e, como exercício de poder e violência de homens sobre mulheres, é preexistente ao seu enquadramento jurídico moderno. Os exemplos abundam, e em nenhum deles estamos a falar de sexo.

Os conquistadores europeus estupraram mulheres indígenas na conquista do chamado “Novo Mundo”, nos séculos XVI e XVII, e africanas nos séculos XIX e XX. Nos genocídios étnicos, mulheres são estupradas antes de serem assassinadas; militares violentam mulheres quando vencem o inimigo, como foi o caso das alemãs pelos soldados russos; francesas acusadas de colaborar com a ocupação foram estupradas pelos seus concidadãos durante a chamada épuration legale; não muçulmanas são estupradas por fundamentalistas religiosos, etc...

No Brasil, portugueses estupraram índias durante o processo de ocupação da colônia; senhores brancos estupravam escravas nas senzalas; filhos das camadas médias e altas violentavam empregadas domésticas como iniciação à vida sexual. No Código Penal de 1940, o estupro era considerado um crime contra os costumes, a sociedade e seus valores, e não contra a mulher. Mesmo hoje, há decisões judiciais que, amparadas no artigo 59 do Código Penal, levam em conta a vida pregressa da vítima (seu comportamento sexual, por exemplo), para amenizar a responsabilidade do agressor.

É isso que mulheres denunciam como cultura do estupro e é contra isso que lutam. Sua banalização, e a negação é parte dela, corrobora para a naturalização da violência. Discutir e educar principalmente os homens para a igualdade nas relações de gênero pode não ser a única resposta, mas é um caminho necessário e urgente. O punitivismo sexista defendido por Bolsonaro e seu coordenador de campanha, por outro lado, não é a solução para o estupro. Antes pelo contrário, é parte do problema.

terça-feira, 26 de junho de 2018

Mito


Mamãe, falei. E foi só vira-latice...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Um dia destes vi, numa rede social, um post em que o tal Arthur do Val (do canal “Mamãe Falei”) teria “tomado uma surra de um petroleiro” num debate sobre a Petrobras. Uma surra verbal, diga-se. Fiquei curioso. Não pela surra, mas pela dúvida: quem convidaria um sujeito intelectualmente estéril para um debate? O que teria ele a dizer que alguém com dois dedinhos de testa queira ouvir?

O vídeo que rola na internet é apresentado da seguinte maneira: “com auditório lotado, com mais de 200 estudantes, estivemos no debate sobre a privatização da Petrobras, no Colégio Universitas, em Santos. E ouvimos muita besteira do MBL. Uma delas foi a reprodução, em tom jocoso, do velho mito elitista de que brasileiro é preguiçoso”. Sim... era uma tese: o brasileiro é um tipo vagabundo.

O cara disparou o velho clichê de que os brasileiros não prestam e os estrangeiros, estes sim, é que são bons e fazem tudo direitinho. Diz este grande pensador que não dá para entregar as coisas nas mãos do “brasileirinho gordinho folgado”, porque o cara não sabe jogar pelas regras da “competitividade internacional”. E ficamos a saber que brasileiros gordinhos são pouco competitivos. Ah... eis o complexo de vira-lata no seu esplendor.

A democracia tem os seus paradoxos e garante, às pessoas, o direito de dizer as besteiras que quiserem. Mas quando um energúmeno é levado a sério ao ponto de fazer palestras para estudantes, então é hora de refletir. Porque é quase atribuir um estatuto de ciência à ignorância, ao anti-intelectualismo e à iliteracia. E tudo tendo como pano de fundo a defesa da entrega do pre-sal aos gringos.

O viralatismo é a língua dos entreguistas. É gente culturalmente colonizada e para a qual o lugar do Brasil é mesmo a periferia do capitalismo. Aliás, vale lembrar Nelson Rodrigues, o criador da expressão. “Por complexo de vira-lata entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem”.

Pode parecer um episódio sem importância, mas é o sintoma de uma doença que está a corroer o tecido social. Essa ascensão do irracionalismo só pode empurrar o Brasil para o atraso. Os caras imaginam uma Suécia, mas estão a plantar as sementes de algo parecido com o Sudão do Sul. Afinal, como já disse alguém, os ignorantes levam vantagem sobre os sábios: a ignorância é grátis e a ciência custa dinheiro.

É a dança da chuva.