segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Um governo ou um bom governo?

POR JORDI CASTAN
Há tantos temas mais urgentes e mais importantes sobre os que deveria escrever aqui no Chuva Ácida. Então, pode parecer estranho voltar quase 2.000 anos no tempo para descobrir que algumas coisas não mudam. 2018 será um ano de eleições. Mas será também um ano marcado por privilégios, os de uma minoria sobre a maioria. Será um ano de injustiças. Será também um ano em que seguiremos vendo o país se apequenar, governado por gente menor. 

Não consigo encontrar motivos para acreditar que o Brasil que sairá das urnas, será melhor que este Brasil. Os brasileiros se conformam com pouco. No Brasil de 2018, não há muita esperança que das urnas possa sair um bom governo. Um bom governo é o resultado de bons governantes e estes são o resultado de bons eleitores. Está difícil encontrar ambos por aqui.

Entre os séculos I e II, Plutarco se dedicou a ensinar a o que seria um bom governo e a aconselhar como escolher bons governantes na Grécia daquela época. Os seus conselhos seguem atuais e hoje como ontem não são seguidos. O resultado é esta serie de governos e governantes ineptos, corruptos e incompetentes que nos governam desde faz mais de vinte séculos.

Escrevia Plutarco que "em primeiro lugar, não se deve eleger à política por um impulso repentino, por não ter outras ocupações ou pela busca do lucro ou ganância. A política deve ser a escolha dos que tem a convicção e o resultado de uma reflexão profunda, sem buscar a própria reputação e sim o bem comum".

É evidente que se alguém por estes lados tivesse lido e prestado atenção aos conselhos de Plutarco, o resultado da ultima eleição teria sido distinto. Mas ainda há  oportunidade de dar uma lida aos ensinamentos dele. Recomendo o capítulo referido "a um governante falto de instrução".

Ainda sobre o tema mais importante de 2018. Não deveria ser a Copa do Mundo e sim a eleição para presidente, governadores, deputados e senadores. Seria bom que os programas de governo com que se elegem os candidatos ao executivo fossem a peça que permitisse a abertura de processo penal contra os candidatos, que depois de eleitos, não os seguissem a risca e os cumprissem.

Se este fosse um país sério, o que claramente não é, teríamos vários deles sendo condenados por mitômanos, por embusteiros contumazes e por incumprimento de contrato com o eleitor. Sim, o eleitor crédulo que acreditou num programa de governo que na maioria dos casos nunca foi levado a sério nem pelo candidato, nem pela sua equipe de governo.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Há algo de podre no reino do judiciário

POR DOMINGOS MIRANDA
Nunca antes em nosso País os juízes tiveram tanto poder como hoje. Isso subverte a teoria de Montesquieu de equilíbrio dos poderes, mas aconteceu em função da desmoralização do Executivo e Legislativo. Isso foi bom para a população? Não, pelo contrário. Temos visto abusos e mais abusos que colocam em risco a liberdade das pessoas de bem, a insegurança dos negócios empresariais e até atividades estratégicas como a pesquisa nuclear. A coisa chegou a tal ponto que os juízes não mais respeitam a Constituição – como a questão do teto salarial – e não há ninguém com coragem para coibir esta afronta legal. Aqui poderíamos copiar Shakespeare: há algo de podre no reino do judiciário.

O caso que mais tem chocado a população é o auxílio-moradia de R$ 4.300 para todos os juízes, mesmo para aqueles com imóveis onde trabalham. O despudor chegou a tal ponto que dois ícones do moralismo da classe média – Sérgio Moro e Marcelo Bretas – tiveram a petulância de dizer que é legal. Isso faz lembrar uma célebre frase do escritor francês Victor Hugo: “Raspai o juiz, encontrareis o carrasco”.

Os empresários não têm mais segurança pois qualquer juiz de primeira instância pode inviabilizar negócios arduamente conquistados. No dia 2 de fevereiro o juiz federal Djalma Moreira Gomes ordenou o desembarque de 25.600 bovinos que estavam a bordo do navio Nada, pronto para partir para a Turquia, sob a alegação de maus tratos aos animais. Depois de ficar detido três dias no porto, o Tribunal Regional Federal autorizou o navio a zarpar. A medida do juiz Gomes causou mais estresse aos bovinos e colocou em risco futuros negócios do exportador. Isso fez lembrar a Operação Carne Fraca, que afetou as exportações de carne para vários países, por causa de um suposto pagamento de propina aos fiscais que liberavam os produtos de 21 frigoríficos.

No mesmo dia em que o navio Nada deixava o porto de Santos o jornal conservador Gazeta do Povo, de Curitiba, publicava em manchete: “Moro deixou o Brasil em escombros”. E acrescentava: “Escombros da Lava Jato: plataformas de petróleo novinhas são vendidas como sucata”. Esta história da Lava Jato ainda está por ser escrita, pois afetou mortalmente as construtores mais competitivas do Brasil e inviabilizou a indústria naval. 

O líder sindical Benito Gonçalves, de Rio Grande, uma das cidades mais afetada pelo desmonte dos estaleiros, desabafou ao jornal paranaense: “É uma lástima, um crime de lesa pátria”. A decana das economistas Maria da Conceição Tavares também teceu seu comentário: “A Lava Jato é uma operação que começou com os melhores propósitos e se tornou uma ação autoritária, arbitrária, que atenta contra as justiças democráticas, para não citar o rastro de desemprego que deixou em importantes setores da economia”.

O judiciário brasileiro é o mais caro do mundo e isto está incomodando muita gente, principalmente neste momento em que se fala tanto em corte de gastos. O editorial da Folha de S. Paulo de 5 de fevereiro abordou esta questão. Sob o título de “Privilégios de casta”, o jornal paulista afirma: “A República pode ser uma ideia estranha para a casta [judiciário], assim como o é o conceito de escassez de recursos. Não raro, magistrados concedem direitos, para si ou outros, que extrapolam a capacidade orçamentária dos governos”.

Mas o que mais amedronta é o poder discricionário dos homens de toga, que tudo podem sem qualquer controle. Quem faz as maiores críticas ao trabalho do judiciário, principalmente no julgamento de Lula, é o jornalista direitista Reinaldo Azevedo, crítico feroz do ex-presidente petista.  Azevedo mostra que os juízes e desembargadores que condenaram Lula não apresentaram provas e isto é um perigo para qualquer cidadão que pode ficar à mercê da vontade dos togados. Ele frisa: “Um país em que o cidadão enfrenta não um juiz, mas uma corporação, este país está com problemas”.

O filósofo chinês Confúcio dizia: “Quando as palavras perdem o significado, as pessoas perdem sua liberdade”. Hoje, no Brasil, a palavra justiça perdeu o seu real sentido e nós estamos correndo um grande risco. Lutemos para restaurar a democracia.s

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

O cidadão, o consumidor e os impasses da esquerda



Poucos dias antes de seu julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o ex-presidente Lula concedeu entrevista ao jornal francês “Libération”. Nela, principalmente, se defende das acusações de corrupção, que o condenaram a 12 anos de prisão e, ao menos virtualmente, o colocam fora das eleições presidenciais desse ano.  Não há nada de muito novo nela, mas das respostas de Lula uma em especial me chamou a atenção.

Ao ser perguntado a que atribui o ódio que acusa estar na origem da perseguição política movida contra ele, Lula argumenta que se trata, principalmente, do ressentimento das elites brasileiras, contrariadas com a ascensão social promovida pelas administrações petistas. E prossegue: “Nós transformamos esses pobres em cidadãos. Eles puderam ir a um restaurante, pegar um avião, comprar carros, computadores e celulares modernos. Tudo que estava reservado aos 35% de brasileiros mais ricos, de repente estava disponível para quase todos”.

Há alguns problemas nessa afirmação, a começar pela concepção frágil de cidadania, drástica e equivocadamente reduzida à capacidade de consumir. Não se trata, obviamente, de negligenciar a importância do acesso a bens de consumo, sejam eles quais forem, ou de menosprezar o significado social e político de ver os aeroportos lotados de brasileiros antes limitados no seu direito de ir e vir. Mas de reconhecer o básico, de que se a cidadania passa pelo incremento do consumo, ela não se encerra nele.

Além disso, Lula sugere uma diminuição da desigualdade ao longo da década em que o PT esteve à frente do governo, o que vem sendo colocado em questão por pesquisas recentes. Elas mostram que a redução dos índices de pobreza se fez pela redistribuição pela base, com políticas sociais como o Bolsa Família, e o aumento do salário mínimo, mas que isso não alterou a desigualdade social,que permaneceu intocada. Não pretendo me estender nisso, porque minha questão é outra. Basicamente, acredito que os critérios pelos quais medimos nossa cidadania não podem basear-se apenas no acesso ao mercado e na ampliação do consumo. Isso é bom, necessário até. Mas não o suficiente.

Se fosse apenas conceitual, ainda assim o equívoco seria sério. Mas a concepção frágil de cidadania, que Lula compartilha com e orienta parte significativa de militantes e simpatizantes do lulismo, pode nos ajudar a compreender alguns dos impasses de parte da esquerda brasileira, notadamente do PT, especialmente em um ano eleitoral. É o que pretendo argumentar nos próximos parágrafos.

Do “golpe” à “fraude” – Foi publicado ontem (06), pelo TRF-4, o acórdão da sentença de Lula. O seu destino não está ainda definitivamente selado, porque há recursos que podem ser interpostos pelos advogados. Se há quem aposte em algum tipo de acordo, com o STF com tudo, para livrá-lo da cadeia, é cada vez mais improvável que sua candidatura sobreviva às decisões da justiça – e não vou entrar aqui no mérito político dessas decisões, que pesaram mais que os critérios jurídicos.

A condenação em segunda instância ensejou uma forte mobilização, dentro e fora das redes sociais, no sentido de garantir a candidatura lulista. Sob o mote “Eleição sem Lula é fraude”, o PT reafirma, embora em outro contexto, o que vem anunciando desde o impeachment de Dilma: o golpe começou em 2016, mas sua consolidação passa, necessariamente, pelo impedimento de Lula, que mesmo após o julgamento pelo Tribunal Federal continua liderando, com folga, todas as pesquisas eleitorais.

Não é difícil entender essa liderança. Há, de um lado, a crônica de um desastre anunciado que é o governo Temer, com seus interesses escusos, sua promiscuidade, sua corrupção desavergonhada e impune. De outro, a memória da relativa estabilidade política e econômica dos governos petistas, a servir como um contraponto à instabilidade crescente. Lula e o PT têm recorrido principalmente a lembrança desse período para justificar, mais que o seu direito a disputar a eleição, a afirmação de que, sem ele, ela será uma fraude.

A questão é: por que uma fraude? É preciso voltar à resposta de Lula ao “Libération”. Quando reduz a concepção de cidadania à capacidade de consumo – frequentar restaurantes, viajar de avião, comprar carros e bugigangas tecnológicas –, Lula sintetiza, em um parágrafo, algumas das diretrizes políticas que, de diferentes maneiras, contribuíram para a glória e a agonia dos governos petistas, ao falharem na consolidação de uma cidadania e de uma cultura democrática mais amplas e participativas. Explico.

Ao valer-se, principalmente, da estabilidade econômica e de políticas distributivas que permitiram, de maneira inédita, elevar os padrões de consumo de parcelas significativas da população, sem no entanto criar mecanismos institucionais que facilitassem e promovessem uma participação democrática mais ampla e direta, o social-desenvolvimentismo dos governos petistas diluiu o tema da cidadania nos índices de diminuição da pobreza, na prática barrando seu aprofundamento ao reduzi-la a um único, e insatisfatório, aspecto.

Um novo pacto político – Com isso, instaurou a confusão revelada no discurso de Lula: se não há cidadãos, mas consumidores, não é necessário um projeto político, um esforço de pensar o país nem, tampouco, um exercício de autocrítica capaz de apontar, e corrigir, os limites e os erros passados. Se o que está em jogo não é a ampliação da cidadania, nem fazer avançar nossa cultura democrática, mas as promessas de um futuro baseado no consumo, a narrativa precisa ser reduzida até o limite da polarização: de um lado, as forças que atentam contra o retorno idílico ao país da promissão; de outro, aquele que pode nos devolver a ele.

Se em um contexto de estabilidade essa estratégia já seria arriscada, ela é ainda mais em um momento como o atual, sujeitados que estamos a um governo criminoso e ao risco de uma eleição que amplie e fortaleça o avanço de lideranças e grupos reacionários, do ódio à democracia. À medida que insiste no discurso de que uma eleição sem Lula é fraude, tensionando o campo político e apelando à memória dos consumidores eleitores, o PT colabora para aumentar a instabilidade, e arrisca o que ainda tem de capital político.

Chegará um momento em que terá de decidir se tem coragem suficiente para sustentar um gesto político e simbólico de resistência, apresentando uma espécie de “anti-candidatura” de Lula – o que  pessoalmente acho pouco provável. Ou se volta atrás e, contrariando o que vem insistentemente repetindo, reconhece que as eleições, mesmo sem ele, não são uma fraude e tenta transferir os votos a alguém que, devidamente ungido, cumprirá a promessa de, se eleito, transformar pobres em cidadãos precários, porque pouco mais que consumidores. Mas, além da flagrante e incômoda contradição, há pelo menos dois problemas a considerar.

O mais imediato é que a transferência de votos não é coisa simples, especialmente depois de se construir em torno a Lula a imagem de uma candidatura personalista, que paira acima de programas e partidos. Além disso, transformados e tratados como consumidores, os eleitores podem se comportar como tais escolhendo, na ausência de Lula, quem lhe oferece a melhor mercadoria – que pode vir embalada nas promessas enganosas das medidas liberais de austeridade e de redução dos investimentos públicos, ou no recrudescimento da intolerância e da violência institucionais, apresentadas como um antídoto à insegurança e ao medo.

A alternativa seria propor um projeto político capaz de mobilizar forças e recursos para a efetiva construção da cidadania, apontando caminhos e alternativas democráticas aos nossos muitos problemas. Isso significaria, entre outras coisas, assumir a falência do pacto republicano ainda vigente, substituindo-o por outro, a ser coletivamente construído. Mas, definitivamente, ninguém parece disposto a isso.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Carta a Luana Piovani


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Olá, Luana.

Que legal! Fiquei a saber que você decidiu vir morar em Portugal e então tomei a liberdade de escrever para dar uns bitaites. Não agradeça, é a cortesia lusitana. As pessoas de bem são sempre bem-vindas, Luana. Os portugueses são um povo que sabe receber, mas também tem o lado prático: há cálculos a dizer que, para manter o crescimento, o país precisa de 900 mil imigrantes para trabalhar e a gerar riqueza. É gente, né?

Eu explico, Luana. Em Portugal a gente tem um sistema de welfare (muito já se perdeu com os ataques neoliberais) e o dinheiro dos impostos é essencial para investir em saúde, segurança ou educação. Para todos. Então você vai entender a preocupação. Todos são bem-vindos, menos aqueles brasileiros que defendem a ideia de que “sonegar é legítima defesa”. Esses a gente não quer. Podem ficar no Brasil.

Aliás, soube que você estava indecisa entre Portugal e EUA. Não resisto a dar um palpite: a Califórnia deve ser melhor opção. Imagine que Portugal é governado pelo Partido Socialista, um pessoal de centro-esquerda muito parecido com o Partido dos Trabalhadores, no Brasil. E surge a questão. Será que você vai curtir a ideia de ser governada por “socialistas”? O poder está tomado pelos “esquerdistas”, Luana.

O atual governo é minoritário e só consegue governar com o apoio do Partido Comunista (coligado com os não menos esquerdistas Os Verdes) e do Bloco de Esquerda. É o tipo de gente que, mesmo em Portugal, um país de brandos costumes, muitos chamam “extrema esquerda”. Ou seja, para os padrões coxinhas brasileiros eles são ainda mais “esquerdopatas” que os petistas. É dureza.

E mais uma inside information. O Bloco de Esquerda é coordenado pela Catarina Martins. Então fico a imaginar como você vai reagir a isso, uma vez que parece não gostar muito de mulheres no comando. Dilma que o diga, né? E o Partido Comunista é liderado pelo Jerónimo de Sousa, um antigo operário metalúrgico. Metalúrgico? Onde é que já ouvimos essa história? Ah, sim, Lula. Então fica a pergunta: será que você quer mesmo viver num país como Portugal?

Olha, Luana, a gente até já esqueceu aquele episódio do Instagram. Lembra como foi? “O Brasil foi explorado tantos anos por Portugal e agora continuará a ser pela PT! Não é à toa que a sigla de Portugal é PT! Eu votei Aécio!”, você escreveu. Confesso que não entendi a declaração, porque parece uma maluquice pegada (expressão cá da terra) e não faz o menor sentido. Era uma tentativa de ofender? Passou.

Despeço-me, Luana, na expectativa de que tenham sido informações úteis e que a ajudem a decidir. Se vier para Portugal vai ser bem recebida. Como foi a Madonna, que já vive aqui faz um tempinho. Aliás, vai ser uma honra para os portugueses ter, ao mesmo tempo, duas estrelas de expressão mundial.

É a dança da chuva.