segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

O currículo escolar: que tal discutir o que as escolas ensinam?


POR JORDI CASTAN
Faltam ainda algumas semanas para o recomeço das aulas. Fiquei pensando, agora que os filhos já estão formados, sobre o que ensinam nas escolas. Nem quero entrar no tema da Escola sem Partido, sobre o qual a minha abordagem é muito mais prosaica. O que aprendi na escola? O que aprenderam os meus filhos? E o que poderemos esperar desta geração que está hoje em idade escolar.

Percebi que na escola não se aprende nem a ter consciência que se devem pagar impostos, nem como se calculam. Menos ainda o que são e quais são os impostos, taxas e contribuições que pagamos e como retornam a sociedade. Fiquei na duvida se teríamos professores para isso e que tipo de formação seria necessária para poder abordar o tema com conhecimento e isenção.

Tampouco lembrei de ter tido aula de como votar. O que são e como funcionam os partidos políticos. Achei que os alunos poderiam aproveitar muito uma boa aula sobre a matéria. Neste ano seria especialmente útil entender como os partidos escolhem os seus candidatos, porque os bons candidatos têm tão poucas chances de se eleger ou porque há tão pouca renovação entre os candidatos.

Me faltaram também aulas sobre como escrever ou preparar um resumo, uma carta ou qualquer coisa relacionada com pedir emprego. E estas coisas teriam sido mais úteis que conhecer a fórmula química do permanganato de potássio ou do nitrato de amônia.

Em matemática, não vi qualquer aula sobre como fazer e acompanhar um orçamento doméstico, sobre como calcular o preço real de uma geladeira paga em 12 meses "sem juros". Fui me dando conta de como teria sido importante que estes temas formassem parte do currículo escolar.

Acrescentaria ainda aulas sobre todos os temas relacionadas com o sistema bancário: pagamento de contas, cálculo de empréstimos e serviços oferecidos pelos bancos. E ainda uma introdução ao cálculo simples dos juros e dos custos embutidos nas operações básicas que, como cidadãos, estamos  obrigados a realizar, nesta relação quase obrigatória que todos os cidadãos temos ou teremos um dia com o sistema bancário.

Em lugar de ter aprendido o teorema de Pitágoras, que até agora nunca utilizei no meu quotidiano, teria preferido receber aulas sobre como sair de um carro em caso de acidente ou como fazer frente às emergências do dia a dia das pessoas normais. Até aprender como comprar um carro ou uma casa me parecem temas que deveriam formar parte do currículo escolar de todas as escolas do Brasil.

Olhando para a diferencia entre o que se ensina hoje nas escolas e o que deveria se ensinar, temo que vão seguir por mais algumas décadas penando por desenvolver o país, governados por uma trupe de ignaros que não terão o menor interesse em que o modelo atual mude.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Em Santa Catarina, índio bom é índio morto

POR DOMINGOS MIRANDA
Em sociedades civilizadas há uma preocupação em resguardar os interesses das pessoas marginalizadas e que sofrem abusos. Em Santa Catarina isto não vem ocorrendo há muito tempo. O caso mais recente destas agressões foi a morte de um professor universitário indígena na cidade de Penha, na madrugada de 1º de janeiro deste ano. Marcondes Namblá, da Terra Indígena Laklãnõ-Xokleng, caminhava calmamente quando foi agredido, pelas costas, com várias pauladas desferidas por Gilmar César, que continua solto.

Marcondes, casado e pai de cinco filhos, estava na cidade litorânea para vender picolé e reforçar sua renda. Ele lecionava e divulgava a cultura Xokleng e também era juiz indígena na aldeia Barragem, na cidade de José Boiteux, onde vivia.  Dois anos antes, em 30 de dezembro de 2015, o menino Vítor Pinto, de dois anos, da etnia Kaingang, foi morto no colo de sua mãe, debaixo de uma árvore, ao redor da rodoviária de Imbituba, no Sul do Estado.  Mateus Ávila Silveira, 24 anos, se aproximou da mãe, passou a mão no rosto do bebê e em seguida cortou o pescoço de Vítor com um estilete, provocando sua morte instantaneamente.

Estes dois casos demonstram um grande preconceito e um ódio latente contra os indígenas. A repercussão destas mortes na imprensa sempre é menor do que quando as vítimas são pessoas brancas, como a do assassinato do surfista Ricardo dos Santos, em janeiro de 2015. O delegado Douglas Teixeira Barroco, que investiga a morte de Marcondes, deu uma explicação um tanto estranha para a razão do crime. Ele disse que o índio teria mexido com o cachorro do agressor, mas as imagens da câmera não mostram isso. No entanto, a imprensa aceitou esta versão sem maiores indagações.

A violência contra os indígenas é um fato constante desde a chegada dos colonizadores brancos. Em Santa Catarina, o conflito entre brancos e índios se acirrou a partir do final do século 19, quando os imigrantes ocuparam as terras dos Xokleng e Kaingang.  O etnólogo tcheco Alberto Vojtech Fric, que esteve no Estado em 1906, a convite do governo, para verificar as condições dos índios, voltou à Europa e fez um relato dramático. Perante  o XVI Congresso Internacional de Americanistas, que aconteceu em Viena, em 1908, afirmou que “a colonização se processava sobre os cadáveres de centenas de índios, mortos sem compaixão pelos ‘bugreiros’, atendendo os interesses de companhias de colonização, de comerciantes de terras e do governo”.

Diante da repercussão internacional, o governo federal decidiu criar o Serviço de Proteção aos Índios (SPI),  cujo primeiro coordenador foi o Marechal Rondon. Houve alguns avanços em Santa Catarina, principalmente com a criação da primeira reserva indígena, em Ibirama, na década de 20. Hoje, existem 25 Terras e Reservas Indígenas em todo o Estado, mas muitas delas ainda dependem de demarcação, paradas por determinação judicial.

Um exemplo da precariedade da situação dos indígenas é a aldeia Piraí, em Araquari, onde estão apinhadas 150 pessoas da etnia Guarani numa área de dois hectares. O cacique Ronaldo Costa conta que o preconceito contra o índio está muito arraigado entre a população. Muitos afirmam que o índio é preguiçoso, mas não entendem que a sua mentalidade não é capitalista, onde só tem valor quem tem dinheiro. Eles viviam da caça e da pesca, mas como o branco alterou o meio ambiente, muitos vão para a cidade vender artesanato. “O desmatamento prejudica. Sem mato a gente não vive”, lamenta.

Os índios vão sobrevivendo no meio de uma sociedade que não os quer. De vez em quando surgem crimes escabrosos que chamam a atenção para a sua triste realidade. Mas, em um momento em que campeia o ódio para todos os lados, muitos continuam achando que índio bom é índio morto. Cabe aos defensores de uma sociedade justa lutar para evitar que isto se concretize. Aqui vale citar a frase de Rondon: “Morrer se preciso for, matar nunca”.


Marcondes Namblá foi morto em Penha

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Ficamos mais inteligentes ou mais burros? O que diz a filosofia...

POR LEO VORTIS
A tecnologia impõe um contrassenso: ela tanto pode ser amiga quanto inimiga. É só pegar no exemplo das plataformas digitais para comprovar essa tese. Sempre que precisamos de uma informação, mesmo que seja uma simples memória, ela está na ponta dos dedos. O sujeito vai à internet e pronto. Esse é o lado bom. O lado mau é que as pessoas deixam de exercitar o cérebro e acabam por perder qualidades intelectuais.

O mais interessante é que o tema não vem de hoje. As pessoas familiarizadas com a filosofia sabem que Platão era um crítico da escrita. Para ele, a memória era mais importante. Ou seja, a escrita parecia um benefício, quando de fato era um venefício. Não é preciso fazer uma arqueologia para encontrar uma referência. A resposta está no texto “Fedro”, no qual Platão narra uma história sobre Tamuz, o rei de uma grande cidade do alto Egito. Eis...

“Pois bem: ouvi uma vez contar que, na região de Náucratis, no Egito, houve um velho deus deste país, deus a quem é consagrada a ave que chamam íbis, e a quem chamavam Thoth. Dizem que foi ele quem inventou os números e o cálculo, a geometria e a astronomia, bem como o jogo das damas e dos dados, e, finalmente, fica sabendo, os carateres gráficos (escrita).

Nesse tempo, todo o Egito era governado por Tamuz, que residia no sul do país, numa grande cidade que os gregos designam por Tebas do Egito, onde aquele deus era conhecido pelo nome de Ámon. Thoth encontrou-se com o monarca, a quem mostrou as suas artes, dizendo que era necessário dá-las a conhecer a todos os egípcios. Mas o monarca quis saber a utilidade de cada uma das artes e, enquanto o inventor as explicava, o monarca elogiava ou censurava, consoante as artes lhe pareciam boas ou más.

Foram muitas, diz a lenda, as considerações que sobre cada arte Tamuz fez a Thoth, quer condenando, quer elogiando, e seria prolixo enumerar todas aquelas considerações. Mas, quando chegou a vez da invenção da escrita, exclamou Thoth:
– “Eis, oh Rei, uma arte que tornará os egípcios mais sábios e os ajudará a fortalecer a memória, pois com a escrita descobri o remédio para a memória.
 – “Oh, Thoth, mestre incomparável, uma coisa é inventar uma arte, outra julgar os benefícios ou prejuízos que dela advirão para os outros! Tu, neste momento e como inventor da escrita, esperas dela, e com entusiasmo, todo o contrário do que ela pode vir a fazer!

Ela tornará os homens mais esquecidos pois que, sabendo escrever, deixarão de exercitar a memória, confiando apenas nas escrituras e só se lembrarão de um assunto por força de motivos exteriores, por meio de sinais, e não dos assuntos em si mesmos. Por isso, não inventaste um remédio para a memória, mas sim para a rememoração.

Quanto à transmissão do ensino, transmites aos teus alunos não a sabedoria, pois passarão a receber uma grande soma de informações sem a respectiva educação! Hão-de parecer homens de saber, embora não passem de ignorantes em muitas matérias e tornar-se-ão, por consequência, sábios imaginários, em vez de sábios verdadeiros!”.

Que tal trazer a questão para os nossos dias? Esta narrativa propõe muitas reflexões sobre a relação das pessoas com a tecnologia. Afinal, é certo que não estamos a ficar mais inteligentes. Como podemos ver nos comentários que surgem aqui no blog, por exemplo, a doxa vale mais que a episteme.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Aguinaldo Silva e o burro carregado de livros

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
O maior problema do Brasil é aquilo que podemos chamar “apartheid social”. O quê? É o fosso que foi sendo escavado entre os ricos e os pobres, ao longo da história. Em termos culturais, o resultado é a negação do outro pelas elites. O rico é, o pobre não é. O condomínio é, a favela não é. A escola privada é, o ensino público não é. O carrão é, o ônibus não é. O diplomado é, o sem diploma não é.

Este preâmbulo é apenas para introduzir um episódio que, um dia destes, fez sentir uma certa vergonha alheia. O dramaturgo Aguinaldo Silva, autor de novelas da Rede Globo decidiu, do nada, mostrar ao país o lustro da sua “superioridade” intelectual. Como? Ora, voltando ao velho e surrado tema do Lula analfabeto. O empregado dos Marinho publicou um tuíte acintoso, onde nem tentou disfarçar o seu ódio de classe. Eis...

“Hoje é o Dia do Leitor. E eu quero aproveitar para perguntar ao favorito nas pesquisas para futuro Presidente do Brasil: que livro o Lula está lendo neste momento? Qual foi o último livro que ele leu e quando foi? Ou para ser mais preciso: alguma vez na vida ele leu algum livro?”, regurgita o autor noveleiro. Haveria muito a dizer, mas fico por dois temas: o pedantismo típico das elites e o culto do livro num país pouco dado à leitura. 

Aguinaldo Silva está a ser preconceituoso, arrogante e presunçoso. Uma atitude que nada tem a ver com as luzes, com o esclarecimento ou com a condição do intelectual. Apenas tem um papel deplorável. Aliás, neste plano específico Lula parece ser muito mais culto que Aguinaldo Silva. Não adianta ler livros se não se aprende a ler o mundo. E na arte de ler o mundo parece que o analfabeto é o autor da Globo.

E também temos o culto ao livro. No Brasil, ler livros ainda é um fator de distinção social. Eu leio, por isso sou melhor. Deveria ser um não-assunto, mas infelizmente não é. Mas os verdadeiros analfabetos são os que sabem ler e não aprendem com isso. Porque as pessoas são o resultado das suas leituras (ou não). Aliás, o meu pai, que só faz a escola primária, repetia uma frase exagerada, mas com algum sentido: um doutor é apenas um burro carregado de livros.

Aguinaldo Silva sente-se à vontade para ser pedante e apontar o dedo cheio de preconceito ao ex-presidente Lula. E isso é sinal de que não sabe ler ou de que tem lido as coisas erradas. E se o episódio passa batido no Brasil, isso nunca aconteceria num país desenvolvido. Enfim, como sempre digo, o terceiro mundo não é um lugar, mas um estado da mente.

É a dança da chuva.