quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Agosto de 2046


POR RAQUEL MIGLIORINI

Hoje vi um documentário sobre as Olimpíadas que aconteceram em 2016, no Rio de Janeiro. Foi há 30 anos. Eu me lembro bem. Mesmo tendo sido um lindo espetáculo, não guardo boa recordação dessa época.

O Brasil vinha de um processo democrático novo, que foi retomado pelas eleições diretas de 1989, elegendo Fernando Collor de Melo. Foi um período de euforia. Eu, que havia saído às ruas pelas Diretas Já, não via a hora de estrear meu título de eleitor para eleger um presidente. Mesmo sem gostar do Collor, estava feliz pela Democracia restabelecida.

Pois vocês acreditam que ele sofreu impeachment em 1992? O irmão, Pedro Collor, dedurou todo o processo de corrupção que acontecia no Planalto. Fernando Collor, que governava o país só com medidas provisórias e as reeditava ao seu bel-prazer, ficou isolado no Congresso porque queria controlar tudo sozinho, sem permitir que outros partidos participassem da boquinha.

Depois, em 2003, assumiu o presidente Lula. Foi um período de grande crescimento para o país. Programas como Bolsa Família e Fome Zero foram implantados com sucesso e reconhecidos pela ONU. Lula foi reeleito e isso começou a incomodar algumas classes sociais.

Com a presidente Dilma os programas sociais continuaram: financiamentos estudantis, cotas nas universidades, bolsa atleta, etc. Gente que nunca havia sonhado passar na calçada de uma universidade, se formava doutor. Coisa mais linda.

Foi então que, durante as Olimpíadas do Rio, o Senado votou pelo impeachment da presidente, mesmo sem provas de crimes cometidos por ela. E o Congresso Nacional votou uma tal de PEC 241, que congelava os gastos com programas sociais e que iniciou uma onda de privatização da Saúde e Educação.

Meus filhos trabalharam noite e dia para pagar a faculdade dos meus netos. Os centros de pesquisas brasileiros fecharam as portas. Todas as vagas criadas nos cursos técnicos, nas universidades públicas, os novos campus de outrora, tudo foi vendido. Uma tristeza.

Naquela época, seguia-se a Constituição de 1988, que garantia direitos básicos na nossa vida. E achávamos pouco, reclamávamos. Hoje, com minha idade avançada, sei o que é depender dos outros para pagar uma simples consulta, que era gratuita. Parcelo os exames médicos e os medicamentos que necessito aos 78 anos. E tinha gente que enchia o peito pra dizer que o SUS não funcionava.

Só consegui me aposentar há poucos anos, porque o presidente que assumiu depois da Dilma, e que ficou conhecido como Temer, o Usurpador, aumentou a idade para aposentadorias. Ele se aposentou aos 55 anos. Eu, aos 70. Curiosamente, brasileiros que foram para as ruas e bateram panelas (parece estranho, mas era assim que se manifestavam) e que eram contra a luta pela diminuição da pobreza e da desigualdade social, se calaram diante de tudo isso.


Mesmo fazendo 30 anos, esse silêncio ainda ecoa nos meus ouvidos.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Cão Tarado.


Os noruegueses, esses comunistas, querem o nosso petróleo

















POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O leitor e a leitora já foram à Noruega? É um destino que vale a pena, apesar de ser um dos mais caros do mundo. Tem incríveis belezas naturais, gentes simpáticas e, claro, um padrão de vida de fazer inveja. Mas há um fator que faz toda a diferença: graças ao petróleo, o país tornou-se um dos mais ricos do mundo. E com muita grana para investir na economia mundial, inclusive no Brasil.

A Statoil, empresa do setor de extração de gás natural e petróleo, adquiriu, há poucas semanas, a participação da Petrobrás no campo de Carcará, no pré-sal da Bacia de Santos. E novos investimentos devem surgir nos próximos tempos. Talvez esteja aí um exemplo interessante para mostrar por que a Noruega é rica e o Brasil continua na lista dos países que demoram a arrancar para o desenvolvimento.

A Noruega tem dinheiro de sobra. O capital vem, sobretudo, dos negócios com o petróleo. A descoberta de enormes jazidas, nos anos 70 do século passado, fez com que o país se tornasse um dos maiores exportadores mundiais. E sabem qual foi a estratégia dos noruegueses? Destinar parte da grana do petróleo para o Estado, que assim pode investir no desenvolvimento de outros setores da economia.

E o Brasil? O pré-sal deveria destinar o dinheiro para a educação e saúde. Mas isso é coisa de comunista. E o desmonte do pré-sal já começou. Suprema ironia, o pontapé inicial foi dado justamente com uma empresa norueguesa. Ou seja, o Brasil ajuda a enriquecer ainda mais os noruegueses e ao mesmo tempo fica mais pobre. Não foi por falta de alerta: os entreguistas do governo interino estão a hipotecar o futuro do país.

O script do novelão entreguista é simples:
-       Em 2011, a Wikileaks revela as conversas entre José Serra e a Chevron sobre o pré-sal.
-       Em 2014, começa a fase mais visível da Operação Lava Jato.
-       Com os escândalos revelados, a Petrobras é desmoralizada perante a opinião pública.
-       Em 2015, o senador José Serra entra com um projeto que muda as regras do pré-sal.
-       Em dezembro de 2015, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, aceita o início do processo de impeachment contra Dilma Rousseff.
-       Em fevereiro de 2016, o projeto de lei de José Serra é aprovado no Senado.
-       Maio de 2016. Dilma é afastada e a imprensa internacional denuncia o golpe.
-       Ainda em maio, o senador golpista José Serra assume o ministério das Relações Exteriores.
-       Em julho de 2016 a Statoil anuncia a compra de 66% do bloco BM-S-8, no campo de Carcará.

Os anéis estão a ser entregues. Mas a sanha dessa gente não se importa de entregar até os dedos. E dorme a pátria tão distraída. Não tem panela nem camisa amarela. Aliás, se você, leitor e leitora, está com um desejo incontido de me chamar “comunista”, fique à vontade. Porque eu sou comunista como os noruegueses, esses esquerdopatas que ousam socializar a riqueza.


É a dança da chuva.


Estátua de Ibsen em frente ao Teatro Nacional, em Oslo

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

O Papa e a LOT

POR JORDI CASTAN

Poucos dias atrás, um grupo de representantes de associações de moradores esgrimiam estudos técnicos que mostravam os problemas que representará para Joinville a aprovação da LOT na forma como esta proposta. Bem embasados, argumentavam com dados e de forma consistente, mesmo que os poucos vereadores presentes estivessem mais interessados nos seus telefones que em escutar com atenção. O vereador X consciente que até agora não tinham sido apresentados qualquer tipo de estudos técnicos por parte do Executivo e que a Câmara não tinha mostrado o menor interesse em tomar conhecimento do impacto que a LOT poderia ter, convidou as associações de moradores para uma reunião no seu gabinete. Acabou ficando curioso por conhecer melhor os estudos que mostravam que não há infraestrutura de saneamento básico nem viária. Quis se aprofundar no tema da altura das escadas do Corpo de Bombeiros e conhecer como a falta de sol e ventilação tem uma relação direta com a saúde das pessoas.

Na semana seguinte, atendendo ao seu convite, os representantes de quase uma dezena de associações se apresentaram no seu gabinete e reforçaram sua argumentação. Mostraram mapas, desenhos e gráficos que avalizavam os seus argumentos. Quanto mais a reunião avançava, mais o vereador ia se enfronhando no tema e concordando com a lógica do grupo. Quando parecia que estava convencido e o grupo acreditou que tinham ganhado um aliado que apoiaria sua luta, um dos representantes viu a oportunidade e perguntou:

- Então, você apoia nossa causa? Veja que representamos uma quantidade significativa de votos.

O vereador X olhou para o grupo e respondeu:

- Eu até concordo que os seus estudos são convincentes, bem elaborados e consistentes. Reconheço que o executivo não apresentou nenhum estudo técnico que nos permita avaliar o impacto que terá para Joinville a aprovação desta LOT. Vocês me lembraram a história dos produtores de arroz e o Papa.

E calou-se. Fez-se um longo silêncio. Todos se entreolhavam sem saber o que dizer. Nenhum dos presentes conhecia a historia do Papa com os produtores de arroz. Até que alguém, mais atrevido, perguntou:

- Qual é a história?

- Um grupo de produtores de arroz estava perdendo mercado, as vendas estavam cada vez piores e o negócio ia de mal a pior. Para reverter a situação, contrataram uma empresa de marketing que apresentaria um plano para recuperar as vendas. Quando apresentaram a sua proposta, lembraram que se consumia mais pão que arroz, lembrou também que na Bíblia o pão simbolizava o corpo de Cristo, que era uma poderosa ferramenta de vendas, que todos os cristãos consumiam pão e que poderia ser feito o intento de trocar o pão pelo arroz na Bíblia. Que não seria fácil, mas que poderia se intentar.  Depois de muito debate decidiram organizar uma visita ao Vaticano, não sem antes promover uma contribuição significativa para as obras de caridade da igreja. Acreditando que uma boa contribuição seria um bom argumento para convencer a sua Santidade. Agendada a audiência e depois de serem recebidos pelo secretário pessoal do Papa, o próprio Papa adentrou na sala e os recebeu com cordialidade. Escutou seus argumentos e quando os representantes dos produtores de arroz consideraram que tinham conseguido sensibilizar o Papa, fizeram a sua proposta:

- Trocar o pão por arroz na próxima edição da Bíblia e fariam uma doação de dois milhões de dólares para as obras sociais da Igreja.

O Papa escutou com serenidade e rompeu o silêncio com uma gargalhada.

- Vocês não tem noção de quanto doa a Associação de Padeiros para as obras sociais da Igreja.

O silêncio entre os representantes das associações de moradores foi ensurdecedor.


sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Neutralidade para que lado?












POR LIZANDRA CARPES

Vamos mais uma vez trazer à tona o Projeto de Lei Ordinária (PL) 221/2014, a “Escola Sem Partido” ou, como mais lhe é apropriado, a “Lei da Mordaça”. O rebento mais ilustre da vereadora de Joinville, pastora Leia, passou novamente pela Comissão de Educação, na última terça-feira.

Documentos importantes foram repassados à relatoria da Comissão que será realizada pelo vereador Odir Nunes: o parecer do Conselho Municipal da Educação (CME), o parecer Jurídico da Câmara de Vereadores de Joinville (CVJ) e uma nota técnica do Ministério Público Federal (MPF).

O parecer do CME foi contrário ao PL e ressalta o entendimento de que o documento fere a Constituição no que tange à liberdade de expressão e direito à Educação. O parecer jurídico da CVJ conclui que o PL possui vícios de “inconstitucionalidade e ilegalidade”, palavras grifadas em caixa alta no documento.

A nota técnica do MPF faz a seguinte afirmação: “Enfim, e mais grave, o PL está na contramão dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, especialmente os de ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’ e de ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’”.

Organizações estudantis, sociais e sindicatos estiveram presentes para, mais uma vez, mostrar a repulsa a este projeto. As contrariedades constitucionais da “Lei da Mordaça” são muitas. Passam inicialmente pela linguagem, quando impõe que um ser humano aja com neutralidade. Desdobram-se pela incoerência ao firmar que conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou de seus pais ou responsáveis não podem ser estudados em sala de aula. E é claramente leviano quando permite denúncias anônimas de professores, colocando-os na berlinda da interpretação de quando seus alunos se sentirem violados por algum tema das disciplinas obrigatórias em sala de aula.

Interessante perceber a orquestração de como se movimenta nacionalmente tal projeto e a “neutralidade” de seus propositores. Apresentado ao Ministério da Educação por Alexandre Frota e o ex-pastor Marcello Reis, fundador do Revoltados Online e um dos líderes de atos pró-impeachment, ou seja, nada neutros.


Escola Sem Partido é um nome que soa “doce” em tempos de repulsa e propagação de ódio partidário, ou seja, manipulado para que a sociedade engula um veneno letal e amargo para a defesa de direitos sociais uma vez que visa amordaçar ainda mais o sistema educacional.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Gozando com a medalha alheia















POR FILIPE FERRARI

Caso você não tenha estado em animação suspensa na última semana, com certeza acompanhou a vitória da judoca brasileira Rafaela Silva, que lhe garantiu o primeiro ouro brasileiro nas Olimpíadas do Rio.

Foi um feito que realmente emociona, principalmente por conta da trajetória da atleta, que foi qualificada enquanto “épica” pela BBC Brasil, e que é um grande exemplo de superação, principalmente depois do resultado da judoca em Londres, e dos ataques racistas que ela sofreu por conta disso. A história de Rafaela realmente é uma história de superação, nos mais diversos sentidos.

Entretanto, ao invés da pura e simples comemoração, o que se seguiu nas redes sociais foi uma guerra ideológica de apropriação da trajetória da atleta. De vencedora do racismo, a bolsista do governo, passando pelo apoio inefável do exército, até mesmo a exemplo da mais fatídica meritocracia que pode existir nesses nossos ermos tupiniquins.

Essa reação à vitória de Rafaela é um reflexo da radicalização pela qual o Brasil bem passando. Direita, esquerda, centro, acima e abaixo tentam, de alguma forma, utilizar-se da luta e da trajetória de alguém para reafirmar conceitos e discussões políticas rasas que tem preenchido cotidianamente as timelines alheias.

Independente do olhar que se lance sobre a trajetória de Rafaela, importante seria pensar o porque tal trajetória ainda é digna de nota dentro de um país rico como o nosso, e pensar em maneiras de proporcionar caminhos nos quais ninguém mais precise ser exemplo, ser discurso a ser encampado por correntes ideológicas mais preocupadas em satisfazer o próprio ego do que realmente proporcionar transformações.


Em todo esse quiproquó online, que menos se notou foi o sorriso e a satisfação da mulher humilde, negra, sargento, atleta, moradora da Cidade de Deus, da qual desconhecemos talvez 99% da sua história de vida. A alegria foi ofuscada pelo emparelhamento político e ideológico radicalizado que vem fincando raízes cada vez mais profundas na realidade brasileira.