POR LIZANDRA CARPES*
Em tempos de perigosos retrocessos na luta por direitos, é inevitável falar da evolução histórica dos Direitos Humanos e o que eles compreendem. Primeiramente falo para todas as pessoas que se entendem por seres humanos, depois é preciso compreender que na história da humanidade nem sempre tivemos acesso a direitos que temos hoje.
O Código de Hamurabi, por exemplo, é o registro mais antigo (1772 a.C.), no que diz respeito a legislações, cunhado em pedra, na antiga Babilônia. Contém 282 leis, porém nenhuma delas defendia o fim da escravidão humana. Muito pelo contrário, ele punia quem roubava escravos. Reza o Código que se algum recém-nascido da nobreza morresse após ser amamentado por uma ama de leite escrava, a mesma era condenada a ter os seios cortados. Ou seja, as leis eram pautadas nas classes sociais.
De lá para cá a história dos Direitos Humanos
deu voltas, vestiu-se com a roupagem da igualdade entre todas as pessoas. Muitos foram os pensadores que aprofundaram a
ética pautada nos direitos naturais que passaram a ser tratados como Direitos Humanos
no sentido de jurisprudência. Foi preciso transformar em leis as necessidades
vitais e naturais humanas, porque “alguém”, de alguma forma, os nega. O mais
pertinente a ressaltar nesta história é que “o mais forte ainda prevalece sobre
o mais fraco”, ou seja, leis, tratados, pensamentos, declarações não têm força
suficiente para garantir essa tal igualdade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH), de 1948, é a compilação de uma observância histórica pós-guerras e
inúmeras outas violações contra a pessoa humana que a Organização das Nações
Unidas (ONU) preocupa-se em agrupar em 30 artigos, para pautar a defesa ao
direito à vida digna para todas as pessoas. Este documento abarca avanços imprescindíveis,
sempre partindo da premissa de que o ser humano nasce bom, a sociedade em que
ele vive o corrompe, coadunado com o filósofo Jean Jacques Rousseau. Sabe-se
também que ao longo da história as leis só garantem direitos onde existe fiscalização,
resistência e luta.
Se observarmos a Constituição Federal Brasileira
(CFB) de 1988, considerada uma das mais cidadãs do mundo, pautada nos Direitos
Humanos, consta que o Estado deve garantir direito à moradia, à saúde, ao trabalho
digno, educação, liberdade de expressão e aqui compreende a cultural e
religiosa, ir e vir. No entanto, as leis não garantem nada.
Por que é tão importante memorar isto? Porque
vivemos em uma sociedade sem memória e parte dela acredita que acordou um belo
dia com todos os direitos garantidos e os tem simplesmente porque “deus” quis
assim. Não avalia o quanto de sangue, luta, suor, tortura e lágrimas escorreram
para serem conquistados e não sabe que, quem está no poder nunca precisou lutar
por eles, luta apenas quem precisa. Daí surge a necessidade e a importância dos
movimentos sociais e políticas públicas para pressionar a efetivação dos
Direitos Humanos.
Tudo isso deveria estar muito claro por ser
retrato da história. No entanto, o pouco investimento que tivemos em educação e
a elaboração Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) não foram suficientes
para esclarecer e promover uma cultura de defesa destes direitos. A educação
formal e informal não preparou de fato para as causas humanas, mas sim, se voltou
para o mercado capitalista e mais especificamente em Joinville, para trabalhar
na indústria. Se as pessoas não se derem conta de que, o que elas pensam delas
mesmas não é delas, mas sim, fruto da visão e construção de outro sobre elas,
não poderão iniciar o processo de libertação.
Então, DUDH, CFB, Educação, são mecanismos e
instrumentos de efetivação destes direitos que precisam de atores que
protagonizem a luta e a defesa dos mesmos. Sempre lembrando que eles são
universais e inalienáveis, colocando a postura de defesa sob o olhar da comunidade
internacional.
Os direitos defendidos nos artigos da DUDH trazem
a reflexão da casa comum, do lugar onde se vive. Embora não faça citação à
educação ambiental fica implícita a necessidade destes cuidados quando ela se
refere à moradia digna, lazer, saneamento básico. Sugere que a humanidade se
atente pelos bens indispensáveis para a sobrevivência e apela pelo respeito a
qualquer tipo de vida. Logo, cuidar da terra, da água, do ar e de toda a
biodiversidade, não com um olhar antropocêntrico, mas sim, observando a
sustentabilidade integral é também lutar por Direitos Humanos.
Os Direitos Humanos compreendem também a Bioética.
Nenhum ser humano pode ser alvo de pesquisas científicas sem que esteja ciente
dos riscos/benefícios. Nenhuma pesquisa que envolva vidas humanas pode ser
continuada sem passar pelos conselhos de ética das universidades. Esta
preocupação perpassa também com pesquisas realizadas com animais. E estes
também foram direitos adquiridos por manifestações de pessoas que perceberam na
ciência, violação de direitos.
Nenhum ser humano deve ser sacrificado para
benefício de outros. Ou seja, não vivemos em tempos messiânicos de um “deus” que
nos dá e nos tira o que quiser. Vivemos
em tempos de lutas para garantir e proteger direitos e a resistência pautada na
unidade das lutas é a marca registrada desta defesa. Por estes e outros
motivos, olhar de maneira simplista para os Direitos Humanos é leviano e
criminoso, coloca em risco vidas e contribui para a dominação do poder
hegemônico.
* Lizandra Carpes é jornalista e assessora de comunicação do Centro dos Direitos Humanos de Joinville.