quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Clio revisitada

POR VALDETE DAUFEMBACK

A arte de escrever é uma responsabilidade desafiadora de se expor e de se explicar aos leitores naqueles pontos discordantes, especialmente quando o mundo celebra o espírito da ambivalência e da intolerância cada vez mais expressiva. Todos têm algo a dizer, a opinar, mesmo que seja pela visão alheia descolada de qualquer fundamento que legitime a sua verdade. Para alguns, significa a consolidação da democracia, para outros, o princípio de uma nova babilônia.

Esta disposição opinativa multifacetada em universo polifônico tem seus reflexos nas instituições de ensino, as quais, para acompanhar as tendências do mercado cultural buscam modelos de aprendizagem que as tornem modernas, dinâmicas, mas sem perder o prestígio e a segurança de um modelo pedagógico tradicional. As reformas têm a serventia de ousar um vôo para alicerçar o futuro e, ao mesmo tempo, moderar a sua intensidade para assegurar a credibilidade conquistada. Ou seja, é preciso manter ao mesmo tempo asas na cabeça e chumbo nos pés para equilibrar as duas extremidades e manter sob controle a ousadia das vorazes tendências e a rigidez do conservadorismo. Assim ficam a salvo o processo de ensino e suas instituições.

Mas o que caracteriza o ensino? Certamente você já deve de ter ouvido em palestra motivacional que o ensino é um negócio complexo que envolve, de um lado, uma empresa com objetivo de vender uma mercadoria (certificado) e, do outro, clientes que desejam comprar a mercadoria. E no meio tem um sujeito (o professor) que dificulta essa transação comercial.

Afora esta brincadeira que tenta sutilmente mostrar a relação do ensino com a lógica do mercado, as instituições, privadas ou públicas, têm se preocupado continuamente em reformar os modelos de ensino e seus métodos pedagógicos para acompanhar tendências e modos de vida que, em última análise, se configuraram como produtos do mercado. Estas reformas são estratégias para mudar um processo em curso que se esgota em sua própria lógica. E para não parecer fracasso do sistema se propõe mudanças com novas nomenclaturas às antigas práticas.

De Pombal a Passarinho, como destaca Lauro de Oliveira Lima (1974) ao escrever sobre a educação no Brasil, o ensino superior foi “marcado por concessões e reformulação pouco significativas para atender as populações de forma geral. O privilégio em geral era para aqueles que já detinham algum ou certo poder aquisitivo”. Mas o histórico das universidades dificilmente serve de base para mostrar a validade de programas que estendem vagas a estudantes de baixa renda e que historicamente foram excluídos da possibilidade de entrarem no universo acadêmico. Aqueles que detêm o poder econômico continuam a defender a meritocracia (leia-se a reprodução do poder simbólico), por isso demonizam a democratização do ensino.

No entanto, a universidade, como uma instituição social e autônoma, mediante a reestruturação do capital na fase da acumulação flexível ficou vulnerável à introdução de critérios administrativos e pedagógicos utilizados por empresas de produção fabril e passou a avaliar a sua gestão por índice de produtividade. Além do mais, empresas de capital financeiro também entraram no ramo de ensino (presencial ou à distância) com uma parcela de seus investimentos para dar “visibilidade ética” aos negócios. Esta estratégia acelerou a concorrência entre as instituições e projetou a necessidade de apresentar um diferencial para se manter no mercado.

Diante da concorrência, qual instituição consegue obter melhores resultados no mercado de ensino? Aquela que tem a melhor proposta pedagógica? Aquela que tem o melhor marketing? Aquela que tem o preço da mensalidade mais acessível?

De acordo com Meszáros (2008), não será possível pensar uma mudança substancial no sistema educacional dentro da lógica de mercado que reproduz a assimetria social. Neste universo, todas as inovações pedagógicas, por mais criteriosas que sejam, fazem parte das estratégias de mercado para legitimar a personificação do capital e a reprodução do poder. E para acompanhar as tendências neste mundo ambivalente, até mesmo inovações pedagógicas são criadas por empresas privadas, as quais têm como compromisso de alcance imediato o lucro e por isso vendem seus pacotes recheados de nuances técnicas a serem esgotadas até a próxima invenção tecnológica.  

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A 4ª Revolução Industrial e a Política Velha



POR VANDERSON SOARES
    
Já não há mais como negar que estamos vivenciando uma grande revolução no mundo. A 4ª Revolução Industrial, tema do World Economic Forum que ocorreu esse ano em Davos, foi amplamente discutida, bem como analisada dos mais diversos pontos de vista. 

   Os indícios que diferem esta Revolução em curso de algo pontual são basicamente três: 1) A velocidade. O ritmo de evolução é exponencial, a cada dia surge algo novo; 2) A revolução digital, que é responsável por difundir a informação entre os bilhões de seres humanos, mudando paradigmas e formas de enxergar a vida; e 3) É o impacto efetivo que tem dentro, fora e entre as nações. 

    O exemplo mais palpável que me vem à mente para exemplificar a força dessa Revolução é a Primavera Árabe, que através das redes sociais as populações do Egito, Tunísia, Líbia, Síria, Iêmem e Barein, conseguiram derrubar ditaduras. 

    Tal Revolução é pautada na tecnologia, na velocidade com que o conhecimento e a informação se desdobram. Isso inclui biotecnologia, inteligência artificial, robótica e também na forma como enxergamos a vivência em sociedade, como trabalhamos e consumimos. A inovação é a palavra de ordem neste processo, o que era novidade ontem, deixou de sê-la hoje, e assim diariamente.

     Os modelos virtuais de compartilhamento cada dia mais efetivos e ambiciosos, é só reparar no Uber, WhatsApp, NetFlix, aplicativos para qualquer coisa, desde monitorar o seu rendimento numa corrida ou para agendar encontros casuais. 

    E como a Política interfere nisso? Hoje, a nossa política tenta barrar a qualquer custo essa revolução. Você consegue observar o nível de corrupção de uma cidade, apenas vendo o quão resistente um governo é ao Uber, por exemplo. É possível ver a força contrária que um governo da Política Velha tem quando tenta barrar estes frutos da inovação e da tecnologia.

     Chegamos num ponto que é preciso decidir se continuaremos a apoiar este modelo velho, feudal e antiquado de política, barrando a inovação e o compartilhamento ou se iremos com força total, apoiar e incentivar este crescimento, esta nova forma de economia, de trabalho e de vida. Esta nova forma de propagar conhecimento e informação. 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Povo limpo é povo educado.


Trabalhar dá muito trabalho





POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Gente, estes dias têm sido muito bons. É que estou de férias. No Brasil, claro. Têm sido dias de relax, cervejinha e muito papo com os amigos (um bando de vermelhinhos). Um tempo de dolce far niente e de manter o cérebro a vadiar. Discordo de quem diz que cabeça vazia é a oficina do diabo. Foi São Jerônimo quem avisou, por outras palavras.

-       Trabalha em algo, para que o diabo te encontre sempre ocupado.

Mas todos sabemos que o trabalho é aquela coisa chata que acontece no meio da diversão. Aliás, trabalho sempre foi coisa de pobre e em outros momentos da história foi visto como uma maldição, uma vergonha. É só lembrar que os nobres, antes da queda do feudalismo, tinham pavor a pegar no duro.

O trabalho é um interessante tema de estudo. E tem muitos analistas críticos, como Paul Lafargue, genro de Karl Marx (o velho barbudo, para quem a emancipação do homem viria justo pelo trabalho). Lafargue vê no trabalho – pelo menos nos moldes capitalistas – uma obsessão esquisita e contra a natureza do ser humano.

-       Uma estranha loucura se apossou das classes operárias das nações onde reina a civilização capitalista. Esta loucura arrasta consigo misérias individuais e sociais que há dois séculos torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda do trabalho.

Aliás, Lafargue relembra que o trabalho foi um castigo de Deus, com aquela coisa do “suor do teu rosto”. Não concorda? Pois fique a saber que há opiniões piores. E atuais. O Grupo Krisis, por exemplo, diz que o trabalho é um defunto que domina a sociedade.

-       A produção de riqueza desvincula-se cada vez mais, na sequência da revolução microeletrônica, do uso de força de trabalho humano - numa escala que há poucas décadas só poderia ser imaginada como ficção científica. Ninguém poderá afirmar seriamente que este processo pode ser travado ou, até mesmo, invertido. A venda da mercadoria “força de trabalho” será no século XXI tão promissora quanto a venda de carruagens de correio no século XX.

Os homens do Krisis pegam pesado. E dizem também que “quanto mais fica claro que a sociedade do trabalho chegou a seu fim definitivo, tanto mais violentamente este fim é reprimido na consciência da opinião pública”. Ooops! O problema é que a coisa realmente vai piorar.

Tenho escrito – mas o tema passa batido para a maioria – que a Quarta Revolução Industrial (ou Segundo Renascimento) vai provocar mudanças profundas na vida de todos. A começar pela questão do trabalho e do emprego, que estão a ser postos em xeque, como mostra uma pesquisa recente: cinco milhões de empregos a menos (e o Brasil está incluído no estudo).

Os trabalhos rotineiros tendem ao desaparecimento, porque as máquinas poderão fazer – e já fazem – muitas dessas tarefas. Aliás, em muitos casos fazem até onde parece inesperado. Penso, por exemplo, no caso da escrita, seja no jornalismo ou na publicidade. Hoje há robôs que produzem textos, apesar de que em condições ainda insipientes. Ou seja, só os redatores que fizerem alguma diferença – pela criatividade, conhecimento ou capacidade de inovar – poderão preservar os seus lugares. O certo é que vai sobrar para muita gente.


É a dança da chuva.