quarta-feira, 4 de junho de 2014

Dois vereadores decidem escrever o nome nas páginas mais vergonhosas da História do Brasil

POR FELIPE SILVEIRA

Demorou 50 anos, mas a Câmara de Vereadores de Joinville (CVJ) reconheceu o erro que foi ter apoiado o golpe civil-militar de 1964. A moção 130/2014 foi aprovada no dia 27 de maio pela maioria dos vereadores, com exceção de dois sujeitos que não valem a pena – jaime evaristo e fábio dalonso.

A aprovação só se deu pela pressão dos movimentos populares e de esquerda, que deram a ideia e cobraram sua execução. Por isso, quero deixar público meu agradecimento e meus parabéns ao Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Bráz, ao professor de história e militante Maikon Jean Duarte e também ao vereador Adilson Mariano.

O nome de Curt Alvino Monich, presidente da casa que apoiou o golpe em 64, está vergonhosamente marcado na História. E, na história do presente, outros dois vereadores marcaram seus nomes nestas páginas vergonhosas. Azar o deles. 

Apenas no início

Comemoremos a vitória, mas conscientes de que estamos apenas no início do processo. Os efeitos da ditadura – perseguições, apagamento da memória, injustiça social – estão aí, presentes no dia a dia. Quem se aproveitou dela na época continua se aproveitando até hoje.

Por isso, é preciso valorizar e participar de atividades de resgate da memória, como a que acontece na noite desta quarta-feira, 4 de junho. A Comissão Estadual da Verdade Paulo Stuart Wright (CEV) vai realizar uma audiência na CVJ, às 19 horas. Serão ouvidos depoimentos de pessoas que de alguma forma estiveram envolvidas com a ditadura. Se você é ou conhece alguém que tenha algo a dizer sobre o assunto, participe. É um momento muito importante para a nossa história. 


Não basta ser consumidor, tem que participar

O problema não são os reaças. O problema é você que não faz nada. Já escrevi sobre isso, mas repito porque é algo que me deixa puto. É incrível a massa de gente que não faz absolutamente nada pela sociedade, anestesiados pelas dezenas de séries que acompanham e jogos de futebol que precisam ver, para citar os dois exemplos mais comuns. Veja bem, eu até gosto de séries e gosto muito de futebol, mas acho um absurdo que as pessoas simplesmente se dediquem somente a isso e nada mais.

Os problemas estão todos aí, cada vez mais intensos, mas as soluções também estão. Para cada problema que você pensar, pode ter certeza que há algumas propostas de resolução. Basta escolher uma dessas linhas, um grupo para apoiar, e seguir em frente. Ou crie uma solução nova, sei lá. Mas não fique aí coçando, culpando a Dilma ou o Aécio por todos os problemas, embora eles tenham parcelas de culpa em vários. De qualquer forma, eles não resolvem. O que resolve é você fazer alguma coisa. Mexa esse traseiro... 


No vídeo, a aprovação da moção 130/2014:

terça-feira, 3 de junho de 2014

Vai ter, Rainha de Copas!


A moralidade é elástica?


POR JORDI CASTAN

Não há unanimidade na decisão de arquivar o processo contra os secretários municipais que receberam jeton por formar parte do conselho da Companhia Águas de Joinville. Há um sentimento forte de que a responsabilidade não se extingue com a simples devolução do dinheiro.

O cidadão que cumpre seus deveres, paga seus impostos e contribui com seu trabalho para o desenvolvimento de Joinville não é tratado com tanta benevolência pelo poder público. Tente "esquecer" de pagar um imposto no prazo. Ou, por descuido, não declare algum ingresso extra. Depois pergunte se, apenas pagando o valor histórico e a correção monetária, poderá solicitar o arquivamento do procedimento iniciado pela autoridade tributária. 

No caso do Inquérito Civil Público 06.201400002391-4, aberto para investigar quatro secretários municipais pelo recebimento indevido de  “jetons”, no valor de  R$ 3 mil a cada reunião do Conselho de Administração da Águas de Joinville, o inquérito foi arquivado após os secretários devolverem o dinheiro. A mensagem que se transmite? É de aqui não houve nada errado e que, com a devolução do valor recebido irregularmente, o caso foi arquivado. E ponto final.

Uma abordagem ética do episódio deve considerar que os agentes públicos devem dar explicações acerca dos valores recebidos indevidamente, já que a mera devolução dos recursos não deveria retirar a responsabilidade criminal sobre o caso. Além disso, seria recomendável que o Ministério Público investigasse também todo o período desde a criação da Águas de Joinville, em 2005, já que é público e notório que durante os governos de Marco Tebaldi (2004-2008) e Carlito Merss (2009-2012), os secretários municipais que participaram do Conselho de Administração da CAJ também recebiam “jetons”.

O caso dos secretários municipais não é isolado. Recentemente o vereador Dorval Preti teve que devolver aos cofres públicos R$ 31.452,92 recebidos indevidamente. Como no caso dos quatro secretários municipais, a devolução só foi feita após a abertura de um inquérito. O caso do vereador deu origem ao inquérito civil 06.2014.00001652-4. O vereador recebeu entre janeiro de 2013 e janeiro de 2914 salário acima do permitido pela lei.

Três pontos merecem destaque em ambos os casos. O primeiro é o fato de tratar-se de recursos públicos, portanto dinheiro do contribuinte. O segundo é que com a simples devolução dos recursos recebidos irregularmente o processo é arquivado e, portanto, não há qualquer punição, fora a de devolver o que de fato não lhes pertencia. Finalmente – mas não menos importante – é que sem as denúncias e a abertura dos respectivos inquéritos não se haveria produzido a devolução dos recursos. Só quando descobertos, os envolvidos tomaram a iniciativa de devolver os recursos.

O que a sociedade espera e deseja é que acabe de vez a impunidade, que haja punição para estes casos e outros semelhantes que sirva de modelo e os iniba. A situação atual não só não inibe, como acaba estimulando a que se repitam. Talvez se a justiça insiste em arquivar os inquéritos, poderia ganhar corpo um movimento que incentive o escárnio e a ampla divulgação pública e blogs como o próprio Chuva Ácida poderiam ajudar a divulgar.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Cuidado com o Brasilcídio # uma não-resposta a Felipe Silveira


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Meu caro Felipe Silveira.

O debate está interessante, mas parece evidente que não vamos chegar a um denominador comum, em especial porque tens focado a tua fala na política e eu na economia. Será difícil conciliar posições e hoje encerro a minha participação neste pequeno contraditório sem tentar contra-argumentar ou mesmo reafirmar os meus pontos de vista. Por isso, saio com um ângulo diferente: o de torcedor de futebol. Ou melhor, um torcedor europeu (apesar de que obviamente também estarei a torcer pelo Brasil). Então vamos lá.

- A Copa do Mundo é uma competição à qual nós, aqui na Europa, damos muita importância. Porque gostamos de futebol (e há gente que até ganha dinheiro com isso). Mas hoje o sentimento generalizado neste outro hemisfério é de uma dupla torcida: 1. torcemos pelas nossas seleções; 2. torcemos para que os brasileiros não estraguem a festa.

 O nome da competição é Copa do Mundo. Vou repetir: do Mundo. Faz um tempão que o governo brasileiro vem tentando levar a realização para o país (só Fernando Henrique Cardoso tentou duas vezes) e quando conseguem os brasileiros decidem que não querem mais? E o pior: tem gente querendo estragar uma festa que é de todos? As nossas seleções já começam a viajar para o Brasil: estamos em modo futebol e queremos é ver a bola rolar.

- Há quem ache ser um momento oportuno para dar visibilidade a “tudo isso que está aí”. Só que não nos interessa, enquanto europeus, ver essa autoflagelação. Aliás, acho que vale o registro: nunca, em outros grandes eventos, o país promotor fez tamanha sangria nas próprias veias.

- É bonito ver o povo nas ruas a lutar por uma sociedade melhor. Mas todos os dias e não apenas quando há holofotes. É mesmo provável que os telejornais europeus mostrem imagens das manifestações prometidas (se houver quebra-quebra, podem contar com mais atenção do mundo). Mas aqui deste lado será assunto apenas para uma meia dúzia de mirones. Porque a gente esperou quatro anos pela Copa do Mundo e está com o foco no que acontece dentro de campo. Acreditem: na mídia europeia a lesão no joelho de Cristiano Ronaldo tem mais minutos do que as manifestações no Brasil.

- Estamos conscientes de que há problemas no país (confesso que até bem pouco tempo pensávamos não serem tantos). Mas o melhor que podíamos fazer para ajudar a resolver os vossos problemas era gastar o nosso dinheiro aí. Era uma boa oportunidade para visitar o Brasil. Mas pelo que se percebe no comportamento de alguns brasileiros, vocês não precisam dessa grana. O exemplo da Copa das Confederações ajudou a espantar muitos turistas. Aliás, nas duas últimas décadas sempre que tem havido uma grande competição internacional eu tenho feito campanhas publicitárias focadas no evento. É a primeira vez que não faço. Porque os anunciantes não arriscam investir num negócio que tem tudo para criar uma má imagem.

- Desculpem se pareço insensível e se houve alguma generalização (a ideia no exterior é que todos os brasileiros são contra o Mundial), mas é que estou apenas a tentar traduzir o sentimento das pessoas com quem vou tendo contato aqui e acolá. Sei que a imagem positiva do Brasil no exterior foi exagerada ao longo dos últimos anos. Mas sei também que a imagem demasiado negativa que nos chega agora é outro exagero.

- E, por fim, fica uma dica (se me for permitida): cuidado com aqueles que querem cometer Brasilcídio. 

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Debate com José António Baço #3

POR FELIPE SILVEIRA 

Escrevi, na semana passada, o texto “Copa, capital e povo na rua... vai ter!”, comentando alguns posicionamentos pró-Copa. O José António Baço, parça de blog, sacou que se tratava de comentários sobre suas posições pró-Copa, e fez uma resposta, publicada no sábado, com o título “Uma certa confusão intelectual”. Publico, aqui, a tréplica. Dessa maneira, colocamos em prática uma das ideias iniciais do blog, que é o debate entre os co-autores.

Antes de prosseguir, ressalto que meu texto não comenta somente as posições do Baço, como pode parecer ao leitor desavisado. Fiz o texto com base em postagens dele e de outras pessoas nas redes sociais. E, concluindo as preliminares, explico que meus pontos não correspondem aos pontos do texto do Baço, embora possa coincidir. Ou seja, meu ponto 1 não é um comentário sobre o ponto 1 do texto dele. É apenas uma forma de organizar o texto. Aos argumentos:

1. Rejeito a sugestão de “ingenuidade”. Primeiro porque sugerir ingenuidade é uma forma de deslegitimar a fala do outro. E legitimidade é preciso. No campo em disputa que é a linguagem, sem legitimidade não dá. Então, para termos um debate, é preciso afastar essa história de ingenuidade.

2. Sobre a esquerda anacrônica, rejeito a noção aplicada ao caso. Anacronismo há na esquerda e na direita e em toda parte do mundo, vide os neonazis europeus. Mas rejeito a noção de que os protestos anti-copa partam dessa esquerda. Gosto do conceito de “multidão”, de Hardt e Negri, para tentar entender esses movimentos populares ao redor do mundo nos últimos anos. E, sim, os protestos contra a copa fazem parte desse contexto de insatisfação mundial no novo século. A copa apenas potencializou no Brasil (volto a comentar isso abaixo).

2.5. Podemos debater “socialismo moderno” a qualquer momento. Só escolher data, local e autores.

3. É preciso separar os atores do debate. Não se ignora a presença da direita, mas, pelamor, essa direita tá na mídia, nas redes sociais, e muito longe da rua. Essa direita tá sendo o que sempre foi: parasita. E, de fato, ela pode tirar proveito disso. Mas daí a dizer que são “manifestações estratégicas que têm o objetivo político de atacar o governo” é demais. É de um louvável desconhecimento dos fatos. Ou um conhecimento dos fatos muito baseado em meios de comunicação e redes sociais de direita ou governistas.

4. Massa de manobra. O discurso governista/petista é um problema, porque joga direita e esquerda no mesmo saco. Trata a esquerda como massa de manobra da direita. E assim fortalece a direita, que faz de tudo para colar na massa indignada das ruas. Há quem compra essa versão, muito distante da realidade. Refletir sobre as políticas de direita do governo... neca.

5. Para a direita não colar na esquerda é preciso dar o nome correto ao boi. Os protestos (do povo, que fique claro) contra a copa são protestos contra o capitalismo. O brasileiro, de modo geral, adora a copa, mas ela escancarou as mazelas do capitalismo para o povo. E, como fomos criados com a historinha que esse papo de direita e esquerda acabou, não sabemos dar o nome correto para o bicho. Aí a direita cola.

6. A direita é um verme que fica reclamando do 3G, vendo série gringa e planejando protestar com fitinha preta amarrada no braço na hora do jogo. Uma coisa patética, desonesta. A direita não sabe nada sobre o Brasil, sobre nossa cultura, nossa tecnologia. A direita sofre do complexo de vira-latas.

6.5. A esquerda que eu conheço e da qual faço parte não sofre. Nós acreditamos no Brasil. E por isso denunciamos, todos os dias, quem quer acabar com ele. Nós, brasileiros, somos fodas, e lindos. Não baixo a cabeça para ninguém de fora, não tenho motivos, mas também não piso em cima.

7. Esse lance de não abaixar a cabeça vale para o socialismo também. Abraço Darcy Ribeiro nessa. Às favas com os modelos - soviético, chinês, cubano... Vamos construir o nosso.

8. Sobre a indústria do futebol e também do turismo, bom, eu tenho acordo. Adoro futebol e quero que o Brasil seja o destino número um de todas as pessoas do mundo. E acho que isso pode ser desenvolvido com projetos de curto, médio e longo prazo. Acho também que deve haver investimento no turismo ao mesmo tempo que se investe em saúde, moradia, educação, agricultura. Acho que o dinheiro do primeiro pode ser investido no outro. Mas, acima de tudo, acho quem um não pode ser feito a partir do sofrimento do outro. Foi e está sendo feito dessa maneira. Espero que um dia possamos receber os turistas e mostrar nossas belezas sem ter lamentar nossas tristezas. Mas é preciso lutar por isso.

Obs.: Esse é um debate respeitoso, entre amigos, e todos estão convidados a participar, desde que com o mesmo respeito.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

O ovo da serpente


POR CLÓVIS GRUNER

“Se eu lhe dissesse olhe além do horizonte/ 
Será que você olharia?/
Bravo mundo novo está nascendo/
 Pelo visto vai te surpreender um dia”
Philippe Seabra e André X (Plebe Rude)

Os europeus foram às urnas no último final de semana, e os resultados das eleições, além do gosto acre na boca, fizeram acordar de seu torpor as principais lideranças políticas do velho continente: pela primeira vez em décadas, a extrema direita conquistou amplo apoio eleitoral na maioria dos países, aumentando significativamente seu peso e importância no Parlamento Europeu. O fenômeno é novo entre outras coisas porque o avanço conservador não se deu apenas naqueles Estados considerados “problemáticos”, como a Croácia, onde o nacionalista HSP conquistou espantosos 41,39% dos votos. As legendas e alianças de extrema direita, que hoje abrigam os restos de um fascismo que, equivocadamente, imaginávamos sepultado, avançaram em países importantes e em sociedades de perfil tradicionalmente mais liberal.

No Reino Unido, por exemplo, o ultradireitista UKIP conquistou cerca de 29% dos votos, um aumento expressivo se comparados com os pouco mais de 16% em 2009. Na França, a Frente Nacional, comandada por Le Pen, deu um salto ainda maior: de insignificantes 6,3% na última eleição, conquistou 25,4% dos eleitores no pleito de agora. Mesmo na Alemanha, onde o Partido Nacional Democrata conquistou o que parece ser um número ínfimo dos votos – apenas 1% – a situação não é confortável: afinal, o NPD é franca e abertamente neonazista, e que ele tenha conquistado algumas cadeiras no Parlamento Europeu é em si preocupante, pouco importa o número.

Não me sinto em condições de avaliar o quanto, desse resultado, é fruto do descontentamento dos eleitores com os caminhos e descaminhos da União Europeia. Há também, por certo, uma tentativa de responder, nas urnas, à incapacidade dos governos de oferecerem uma resposta à crise econômica a afetar, mesmo que desigualmente, a vida de milhões de cidadãos. Mas o resultado das eleições sintetiza, igualmente, um processo crescente de radicalização à direita nas sociedades europeias: marchas contra o aborto e o casamento homossexual; a xenofobia; a hostilidade contra muçulmanos; o nacionalismo exacerbado, etc..., expressam desde algum tempo os riscos a que estamos submetidos quando fazemos do ódio, do ressentimento e do medo os principais afetos a orientar as ações políticas.
Fonte: http://www.lamarea.com/2014/05/26/resultados-de-la-extrema-derecha-en-europa-por-paises/

E O BRASIL COM ISSO? – Desde o final de semana tenho lido, principalmente nas redes sociais, manifestações de partidários do governo petista a usar os resultados das eleições europeias como um pretexto a reforçar a importância da reeleição de Dilma Rousseff. O argumento é simples: se a intolerância conseguiu avançar mesmo em um continente que, ao menos em tese, deveria estar imunizado contra ela depois das experiências do século XX, o Brasil não está a salvo da tormenta. A reeleição de um governo de esquerda, nesse contexto, pode não ser uma garantia, mas ao menos minimiza as chances que o mesmo ocorra desse lado do Atlântico. Não estou tão certo.

Nos últimos anos – e particularmente nos últimos meses – não faltam exemplos de que os níveis de intolerância, não raro inflacionados por vozes midiáticas, se impuseram no debate (ou falta de) público. Os justiçamentos que pipocam pelo país, com indivíduos presos a postes, quando não linchados em praça pública, são apenas a face mais atual e abjeta de uma sensibilidade cada vez menos disposta à uma conduta pública pautada por princípios que são os da razão, da ética e da solidariedade; e disposta a investir suas energias na propagação da violência, física e simbólica, contra os muitos inimigos, reais e imaginários, que surgem aos montes sempre que a ignorância, o ódio e o medo pautam o que talvez já não se possa mais chamar exatamente de “política”.      

Que isso esteja a acontecer justamente em um governo de esquerda, o mesmo que empreendeu a maior e mais eficaz política de inclusão social e combate à miséria extrema, não chega a ser contraditório. Sob certo aspecto, os governos Lula e Dilma valeram-se principalmente de políticas distributivas que permitiram, de maneira inédita, elevar os padrões de consumo de parcelas significativas da população, para diluir outros temas e travar pautas fundamentais ao avanço dos direitos humanos e da democracia. A aliança dos governos petistas com, por exemplo, segmentos religiosos fundamentalistas ou com a bancada ruralista no Congresso, está na origem da indiferença institucional para com temas e políticas que deveriam ser fundamentais a uma política de esquerda.

Em nome da governabilidade, Lula e Dilma colaboraram para a reprodução de uma já histórica despolitização de parcela significativa da sociedade brasileira, danosa para a consolidação de uma democracia efetivamente pluralista e sensível aos direitos humanos mais fundamentais. E acho, particularmente, que as consequências disso ainda não podem ser medidas em toda a sua extensão. Mas acredito que, na Europa como aqui, parte da responsabilidade pelo avanço conservador e do protofascismo reside, justamente, na fragilidade de uma esquerda que não teve e não tem a necessária coragem de fazer uma política efetivamente de esquerda, preferindo ajudar a chocar o ovo de uma serpente que acabará por nos envenenar a todos.