domingo, 30 de outubro de 2011

Uma reflexão sobre PICHAÇÃO


POR FELIPE SILVEIRA

Aguardado com expectativa pela população joinvilense, o Parque da Cidade, semana passada, foi notícia nos jornais por ter a pista de skate pichada. Os comentários nas redes sociais, especialmente no twitter, e o título da matéria no jornal A Notícia (“Parque da Cidade sofre vandalismo antes mesmo de inauguração em Joinville”) me chamaram a atenção.

Fiquei um pouco incomodado com a ideia sobre pichação e comecei a questionar se o ato era mesmo um ato de vandalismo. Sem querer discutir o conceito jurídico, quero lançar novos olhares sobre o fenômeno social que é a pichação. Adianto que não sei quase nada sobre o assunto, mas que me senti incomodado com o olhar tão superficial sobre a questão e desejo fazer, junto com vocês, uma reflexão sobre o assunto.

Outra ressalva importante, antes de continuar: eu sei que grafite e pichação são coisas diferentes e que um já é (nem sempre foi) tratado como arte e o outro é considerado vandalismo. Apesar de eu achar que isso simplifica demais a questão e ter minhas desconfianças, gostaria de pedir que não reduzissem o debate a isso.

A pichação, no meu entendimento, é uma resposta dada por excluídos a uma realidade de desigualdades sociais. Pelo que sei, a pichação consiste na assinatura do pichador ou do grupo ao qual pertence. Ou seja, é uma disputa social. Isso ficou mais claro quando vi um trecho do documentário “Luz, câmera, pichação”, de Gustavo Coelho, Marcelo Guerra e Bruno Caetano. Veja o trailer:


Ao ver o vídeo, a gente começa a entender o que significa, para essas pessoas, a cultura da pichação. Ou melhor, começa a entender que é uma cultura (no sentido mais amplo da palavra, que é um conceito que muita gente tem dificuldade pra entender).

Mas clareza mesmo sobre a razão que motiva os pichadores, algo que eu já tinha a impressão, eu tive ao ler uma resenha sobre o documentário com o seguinte trecho: “quando se está confinado à margem, dentro de qualquer coisa que chamamos de classes menos favorecidas, pobres, miseráveis ou favelados, ser um autor pode ser tudo o que se tem. As assinaturas das pichações, que nos últimos 20 anos foram se tornando cada vez mais estilizadas e aprimoradas a ponto de se tornarem ilegíveis ou incompreensíveis para quem não é do meio, ou melhor, da família, são uma forma de registro histórico, de identidade, e auto-estima.”

Para mim, antes de chamar de vândalo, vagabundo, é importante entender o que motiva a pichação. Para algumas pessoas, isso nem faz diferença. Uma conhecida minha, integrante do Coletivo Chá, explicou mais ou menos assim: se alguma coisa está na rua, ela vai sofrer intervenção da rua. Meu amigo Ivan Rocha, ligado ao movimento hip hop, também disse algo parecido no twitter: “Os caras fazem uma pista de skate e não querem que tenha arte urbana? muro unicolor não combina com esportes radicais”. Ou outro, ele diz: “De modo geral eu não curto pichação pq é só divulgação do próprio nome mas numa pista de skate não da pra reclamar”.

Na minha opinião, a pichação torna a cidade mais feia. Eu não gosto, mas me incomodo com o olhar conservador que é o mais comum. Eu percebo que ela é muito mais comum onde a desigualdade é maior, onde a falta de oportunidade é maior, onde falta educação, cultura, esporte e lazer. Esse é um exercício legal para as pessoas que viajam bastante: fazer essa relação entre desigualdade social e quantidade de pichação.

Uma última ressalva: sei que tem muito playboy que gosta de pichar. Para mim, isso não faz diferença. Assim como o hip hop, muitas culturas que nascem nas periferias são incorporadas pela classe média. Às vezes, elas são “estupradas”, outras não. De qualquer forma, esse é o movimento da cultura.

Para finalizar, um momento jabá, mas que também serve ao debate. No primeiro semestre, eu e o amigo Bruno Isidoro, com orientação do professor Léo Diniz, fizemos o documentário “Coletivo Chá: um olhar sobre a arte urbana em Joinville”. Não tem a ver exatamente com pichação, mas já que estamos falando de arte urbana, aí vai mais um olhar.

A saúde de Lula é alvo de oportunismos


MARIA ELISA MÁXIMO

Tem coisas que precisam ser comentadas no ato, como esta campanha absurda que estão levantando em torno da saúde do ex-presidente Lula. Por isso, vou tentar juntar aqui um pouco do tenho tenho lido e escrito nas redes digitais, em especial no Facebook, como uma tentativa de fomentar e aprofundar o debate.

Ontem, logo após ter me supreendido com a notícia do câncer de Lula, não poderia imaginar que a surpresa maior ainda estava por vir. Horas depois, vários amigos, familiares e conhecidos multiplicavam uma campanha estampada com a imagem do ex-presidente: Lula, faça o tratamento pelo SUS! Eram muitas postagens, inúmeras, e aumentavam a cada atualização de página. A pergunta que não calava era: mas porque diabos o Lula deveria fazer seu tratamento pelo SUS? Pra "sentir na pele" a precariedade do atendimento? Mas, afinal, se há problemas no SUS, estes são de responsabilidade do Lula? Seja o que for, a campanha é uma ironia? Inacreditável, simplesmente. Mas, pra além do teor lamentável da tal campanha, mais indignante ainda era a superficialidade das pessoas que a compartilhavam: apenas repassavam, sem nenhum traço de reflexão, sem a mínima discussão, sem argumento. Meus questionamentos não cessavam: quantos desses que dissipam este tipo de campanha são realmente usuários do SUS? Pela minha intuição, imagino serem poucos. Mas então, com que fundamento criticam? Quanto mais eu me questionava, mais eu concluia que tratava-se de uma crítica gratuita, rasa, parasita, que, de tão perversa, aproveitava-se de um momento difícil na vida do ex-presidente para vociferar insultos contra ele e seu governo (consideremos, ainda, que criticar o Lula, nas mentes rasas, é o mesmo que criticar o governo Dilma).

Expressei minha reação e, ufa!, foram muitos os comentários de apoio. Junto comigo, começaram a surgir, pouco a pouco, outras postagens críticas à campanha, o que transformou minha timeline num verdadeiro front de batalha. Sim, opiniões fundamentadas em argumentos demoram mais a aparecerem, porque exigem tempo de maturação e prudência para serem formuladas. Já a crítica pela crítica pode se alastrar instantaneamente, não precisa de tempo. De qualquer modo, poucos se abriram ao debate. De todos os meus conhecidos que compartilharam a campanha, apenas um deles, me chamou para o debate e expôs seus argumentos. Os demais, mantiveram-se reclusos aos seus ressentimentos, vendidos ao discurso da mídia oficial que não conta tempo para exibir reportagens sensacionalistas, que exploram as pessoas nas filas, nas emergências, aguardando leitos ou atendimento. O que é bom, nunca é mostrado.

Ninguém ousa lembrar ou parar pra pensar que, hoje, o SUS realiza tratamento para portadores do HIV (e que grande parte dos pacientes soro positivo levam uma vida normal graças à distribuição gratuita do coquetel), realiza cirurgia bariátrica (redução de estômago) em casos comprovados de obesidade mórbida, fora os tratamentos contra vários tipos de câncer, dentre tantos outros. Se o Lula tivesse que ser atendido pelo SUS, certamente não seria mal atendido. O fato é que ele não precisa e, aliás, é bem provável que grande hospitais particulares disputem por realizar gratutiamente o tratamento de um ex-presidente com a popularidade de Lula, pois é publicidade para eles.

Em meio a este debate, eis que hoje de manhã nos deparamos, na MegaPix, com a exibição do documentário Sicko, do genial Michael Moore. Ele adentra as profundezas do sistema de saúde estadunidense e mostra a podridão que permeia as políticas de saúde do país geralmente apontado como referência de modernidade e avanços. Corrupção, descaso, maus tratos... No contraponto, busca entender de dentro a realidade de sistemas universais como o do Canadá, da Grã Bretanha, da França, de Cuba, onde todos (inclusive estrangeiros, imigrantes) têm acesso gratuito a todo, todo tipo de tratamento: das pequenas suturas às grandes e complexas cirurgias. Fazendo as devidas ressalvas relativas às especificidades da realidade brasileira, marcada por profundas diferenças sociais e por uma extensão territorial e densidade populacional incomparáveis às dos outros países, estamos, com o SUS, muito "bem na foto".

Talvez, o que mais esteja faltando para melhorar é, mais do que qualquer coisa, a crença da população brasileira no SUS. O SUS, garantido pela Constituição de 1988, é uma conquista dos movimentos populares e sociais no Brasil pautada pelos princípios da universalidade, equidade e defesa de um Estado laico e verdadeiramente democrático. Antes de criticar o SUS, sem nem ao menos ser seu cliente, precisamos defender o SUS e, aí sim, reivindicar as melhorias necessárias participando mais efetivamente dos centros decisórios. Ficar em casa, apenas clicando no "curtir" ou "compartilhar" destas campanhas toscas não ajuda em nada a melhorarmos esse sistema. Espero que, um dia, as pessoas saibam aproveitar melhor o potencial multiplicador e a esfera de ação das redes sociais para dissipar o bom debate, crítico sempre, mas pautado por argumentos e pela troca inteligente de idéias.

sábado, 29 de outubro de 2011

A droga da criminalização

MARIA ELISA MÁXIMO

Em 2008, orientei um TCC em Jornalismo sobre os Mutantes. Sim, aquele grupo musical dos anos 60/70, que teve Rita Lee como uma das suas integrantes e que misturava ao rock e ao som estridente das guitarras uma série de outras referencias musicais, sob forte influência do Tropicalismo. Como todos sabem, os Mutantes faziam um som psicodélico, "inspirados", talvez, pelo consumo significativo de LSD.

A orientação deste trabalho perfaz uma das lembranças mais marcantes da minha carreira docente, pois lembro do quanto "briguei" com a visão conservadora do aluno a respeito das drogas e do seu uso. Para analisar o consumo de LSD pelos Mutantes, o aluno recorria a discursos oficiais da polícia, por exemplo, para chegar à conclusão de que teriam sido as drogas as responsáveis pelo fim do grupo. Do outro lado, eu insistia na possibilidade de pensarmos o uso de drogas, em especial do LSD, como o motor criativo do grupo e, mais do que isso, como uma forma de resistência. Afinal, estávamos falando de um dos períodos políticos mais complexos que o país vivia. Os Mutantes integravam, nesse sentido, a contracultura brasileira, e o uso de drogas, pra mim, não deixava de ser um caminho de se colocar na contra-mão do sistema conservador que minava, principalmente, a liberdade de expressão e de ação das pessoas.

A despeito de minha insistência em promover uma visão mais crítica do aluno, ele manteve seu ponto de vista. O trabalho foi entregue e encaminhado à banca e, como eu já esperava, foi fortemente contestado. Entre outros aspectos frágeis do texto e da análise, um dos pontos bastante criticado foi a maneira como o aluno pensava o papel das drogas na produção artística do grupo. Mas, mesmo diante das críticas, o aluno não apenas se manteve em sua posição, como a reforçou. Foi reprovado em banca, pelo conjunto de problemas que o trabalho apresentava.

Trago este fato à tona porque creio que ele seja ilustrativo do senso-comum que existe sobre o uso de drogas atualmente, inclusive nas gerações mais jovens, universitárias, que são frequentemente expostas a pontos de vista mais diversificados e alternativos a respeito de assuntos polêmicos. Em geral, as pessoas fincam raízes no caminho mais fácil: droga é uma droga, e ponto. Esta semana recebi a visita de um rapaz que pedia ajuda a uma casa de recuperação de dependentes químicos aqui de Joinville. Ele pedia R$10 por um kit com saco de lixo, esponja, grampos de roupa e um adesivo da entidade. No adesivo, o slogan: Diga não às drogas! Crime nem pensar. Verdadeiramente não compensa! Mais uma vez me surpreendeu o fato de que até mesmo aqueles que são vítimas do sistema punitivo, usam o discurso desse sistema para passar sua mensagem: usando drogas, você será um criminoso e isso "verdadeiramente não compensa". Estranho, não?

Vale pensarmos um pouco sobre a serventia desse sistema punitivo, que tudo criminaliza (o que retoma, em parte, nosso debate sobre o aborto, iniciado aqui no Chuva Ácida). Um texto interessante do Ilanud (Instituto latino americano das nações unidas para a prevenção do delito e tratamento do delinquente), publicado no Promenino, levanta algumas questões sobre o impacto da criminalização das drogas sobre os índices de delinquência juvenil. E, dentre outras coisas, o texto procura mostrar como os mecanismos de controle e de repressão são seletivos, servindo à manutenção das desigualdades sociais: enquanto jovens das classes sociais mais favorecidas, flagrados como consumidores de drogas, dificilmente chegam às portas da justiça, jovens pobres são facilmente criminalizados pela via do tráfico de entorpecentes, como traficantes ou auxiliares do tráfico, e raramente como apenas consumidores. Esta diferença no tratamento de jovens "ricos" e "pobres" ou, mais especificamente, entre brancos e negros, no âmbito do consumo de drogas, é exaustivamente discutida por Vera Malaguti Batista, no livro Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no RJ (Editora Revan, 2003). A obra é recomendadíssima para quem deseja aprofundar-se na reflexão crítica sobre o tema.

À criminalização somam-se outras medidas radicais, que implicam em reclusão, como a internação compulsória, em prática no Rio de Janeiro desde maio deste ano como parte das políticas de "combate ao crack". Sobre esse assunto, a revista Caros Amigos deste mês trouxe uma entrevista com o psiquiátra Dartiu Xavier, professor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (Proad). Nesta entrevista, Xavier nos presenteia com um contraponto não apenas à criminalização, mas também ao próprio uso, sugerindo outras maneiras de ser ver a droga e seu uso, sobretudo ao falar da perspectiva da "redução de danos". Criticando severamente a prática da internação compulsória, Xavier alerta para a perversidade deste tipo de política, que recorre ao modelo carcerário, dos grandes hospícios, e acaba sendo ineficaz em termos terapêuticos. No final das contas, acaba servindo a propósitos higienistas, de "limpeza" urbana. Segundo ele,
existe uma lógica muito perversa da internação compulsória que atribui a situação de miséria e de rua à droga, quando, na realidade, a droga não é causa daquilo, ela é consequência. Acredito que o trabalho feito nas ruas, nas cracolândias e com crianças de rua deveria ser no sentido de resgate de cidadania, moradia, educação, saúde (XAVIER, 2011, p. 16).

Xavier relativiza a relação entre o consumo de drogas e a dependência química, afirmando que, para o alcool e a maconha, por exemplo, menos de 10% dos usuários se tornam dependentes, enquanto que para o crack a porcentagem de dependência é de 20% a 25% dentre os consumidores. Os demais permanecem no padrão do consumo "recracional"; são pessoas que trabalham, são produtivas, têm família. E, nesse sentido, ele tenta desconstruir a associação entre uso de drogas e perda da noção de realidade (associação esta que, muitas vezes, justifica a internação forçada). Enfim, não se trata de querer minimizar o problema das drogas, mas de vê-lo sob outros ângulos que não o do senso-comum, do caminho mais fácil e, principalmente, da criminalização e da repressão. Até mesmo porque não se pode excluir os próprios consumidores como informantes privilegiados na elaboração de políticas públicas relativas à prevenção, ao tratamento, desintoxicação, ressocialização, etc. Eu não tenho dúvidas de que a criminalização não é o caminho e acho importantes os movimentos que emergem, atualmente, contra isso. É claro que a descriminalização do uso deverá, num futuro ideal, vir acompanhada de políticas sócioeducativas e de formas de controle da comercialização, mas este é ponto pra outro debate.

O Twitter está bombando

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Polícia norte-americana endurece com manifestantes

POR ET BARTHES


Está muito mal a civilização quando o país que representa a maior democracia do planeta começa a tratar manifestantes com bombas de efeito moral. A ação da polícia de Oakland, na California, nos Estados Unidos, foi marcada por excessos inadmissíveis. Um manifestante ficou ferido e os outros, na tentativa de prestar socorro, foram também alvo de granadas dissuasoras. Para o mundo, ficaram imagens que até hoje só eram vistas em países de terceiro mundo. Há algo de muito podre no reino do neoliberalismo.