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Thatcher é referência para os que confundem "liberdade" com "liberdade de mercado" |
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Quarta-feira. É o enterro de Margareth
Thatcher. Dia de manifestar o meu desapontamento: tinha a esperança de que o
neoliberalismo pudesse ser enterrado com ela. Não foi. Porque apesar do
evidente desastre das últimas décadas, muitos governos – mesmo nos países que
estão afundados em crises – ainda insistem na fórmula neoliberal.
É óbvio que os
admiradores de Thatcher vão discordar. Porque, afinal, ela é um ícone da
direita. Ninguém antes tinha tido coragem de ir tão fundo no combate aos
direitos dos trabalhadores. Nunca alguém agiu com tamanho fanatismo contra o welfare state. E poucos líderes
de nações foram tão anti-humanistas.
A herança de Thatcher é malfazeja. Hoje a sociedade vive indefesa ante a imoralidade de uma economia de cassino, fundada na ganância infindável de péssimos capitalistas. Ou você tem dúvidas de que o modelo neoliberal de desregulação financeira foi a gênese dessa madoffização da sociedade? Você pode até dizer que Thatcher não é a mãe dos “banksters” (mistura de banqueiros com gângsters). Mas de certeza é a avozinha.
O mais preocupante
é que a hegemonia neoliberal não se deu apenas no plano econômico, mas
principalmente no plano cultural (das subjetividades). Há uma ação ostensiva no
sentido de formatar mentalidades e fazer acreditar que o neoliberalismo é uma
inevitabilidade. O leitor e leitora já ouviram falar em pensamento único? Pois
é. O problema é que quando todos pensam o mesmo, então ninguém está a pensar.
Hoje estamos todos infectados por ideias que nos foram inoculadas em décadas de propaganda. Os meios de comunicação encarregam-se de difundir o preconceito, através dos seus jornalistas e analistas: o mercado é sinônimo de liberdade, abertura, flexibilidade, mobilidade, dinamismo, inovação, vanguardismo e democracia; o Estado é sinônimo de coerção, fechamento, rigidez, imobilismo e paralisia. Quem ousa discordar? Mas será?
O fato é que as
consequências práticas são nefastas. A Europa tem hoje 26 milhões de
desempregados, com as economias de muitos países a cair a pique e o
risco de ser o fim da União Europeia. Os Estados Unidos têm 12 milhões de
pessoas no desemprego e a economia insiste em apresentar índices de crescimento
anêmicos. A expressão "abaixo do limiar da pobreza" passou a fazer
parte do léxico quotidiano dessas nações.
Houve uma
des-humanização da sociedade. Os custos sociais são imensos. Os neoliberais não
se importam com as pessoas e olham com frieza para as folhas de Excel, onde o
desemprego, a falta de acesso à saúde ou o desinvestimento em educação não
passam de infelizes estatísticas. É só lembrar a expressão de Hayek, sobre o
"cálculo de vidas". Para o neoliberalismo, os excluídos são apenas
perdas colaterais.
O neoliberalismo
faz lembrar o famoso Barão de Munchausen. Não conhece? É um personagem para o qual não há
impossíveis. Diz o barão: quando alguém está a se afundar na areia movediça, a
solução é sair puxando os próprios cabelos. É exatamente essa a fórmula:
sair de uma crise usando as mesmas ideias que a causaram.
Para finalizar,
deixo um statement. Eu
- e certamente como o leitor e a leitora - espero deixar um mundo melhor atrás
quando decidir ir para Marte. Thatcher não pode dizer o mesmo, porque abriu um
caminho que leva à barbárie social. Tchau, Thatcher! E desculpe se não vou
sentir saudades.