quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Milhões de brasileiros voltam à pobreza. E o que diz a imprensa?

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
“Milhões retornam à pobreza no Brasil, destruindo uma década do ‘boom’”. O título é de uma matéria publicada esta semana pelo jornal norte-americano The Washington Post. O texto faz um relato do Brasil atual e destaca algumas histórias de miséria. É o caso de Simone Batista, que deixou de receber o Bolsa Família e não consegue pedir uma revisão do processo por falta de dinheiro para o ônibus. Simone aparece na foto com o filho de colo.

A imprensa internacional tem sido crítica com o Brasil. O governo de Michel Temer é visto pelo mundo como golpista e os políticos brasileiros são apresentados como aberrantes, meios apalhaçados. Aliás, quem viu o espetáculo grotesco da votação do impeachment não pode pensar outra coisa. No texto desta semana, o The Washington Post fala do desperdício de uma década de crescimento, o “boom” da economia entre 2004 e 2014.

Qual a diferença entre a imprensa nacional e internacional? Há muito a analisar, mas fiquemos pelo mais evidente. Os meios de comunicação estrangeiros fazem jornalismo e trabalham para ser projetos editoriais de sucesso. Os meios brasileiros apostam em ser um poder capaz de interferir nos destinos do país. E, a partir daí, obter os dividendos necessários à sobrevivência financeira.

Muito é dito, pouco é lido. A imprensa internacional publica em outras línguas e, como a maioria dos brasileiros é monoglota, a mensagem acaba por passar batida. Quer dizer, o povo brasileiro fica refém da informação prestada pelos meios nacionais, quem vivem sob a lógica de, sempre que possível, dar uma forcinha para a canalha que se apropriou do poder em Brasília (com o supremo, com tudo). Querem uma comparação?

Diz o Washington Post. “O Banco Mundial estima que cerca de 28,6 milhões de brasileiros saíram da pobreza entre 2004 e 2014. Mas o banco estima que, desde o início de 2016 até ao final deste ano, de 2,5 a 3,6 milhões caíram abaixo da linha de pobreza, o que representa 140 brasileiros reais por mês, cerca de US$ 44 às taxas de câmbio atuais”. O jornal usa uma fonte declarada e credível: o Banco Mundial.

Diz o Estadão. “A ausência de manifestações, como as contra Dilma, pode ser entendida como sinal de que o processo de recuperação já é sentido pela população”. Como? O texto, é óbvio, resulta de um achismo proposital (o condicional “pode”). Ora, a intenção é passar a ideia de que as coisas estão no caminho certo. Enquanto isso, milhões de miseráveis como Simone Batista parecem não existir. Os miseráveis simplesmente não importam...

É a dança da chuva.

À esquerda, o The Washington Post. À direita, o Estadão. Formas diferentes de ver os fatos

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Pessoas com dedos grandes e cabeça pequena. Pirou?


POR LEO VORTIS
Quando era pequeno, olhava com muita admiração para as pessoas que tinham o tal “conhecimento enciclopédico”. Você já imaginou quanta informação é preciso armazenar no cérebro para chegar a ter tanto conhecimento? Quando olhava para a velhinha enciclopédia que os meus pais insistiam em manter na estante, a minha admiração aumentava ainda mais. Eita! Era muita coisa para memorizar.

Naqueles tempos não sabia da expressão homo encyclopedie (que só conheci depois de adulto, ao ler um texto sobre memória eidética). Meu, no meu olhar de moleque, era difícil imaginar que uma pessoa pudesse tantos livros dentro da cabeça. O cara devia saber tudo sobre tudo. Sobre o universo e arredores. Um cara assim devia ser imbatível num debate. Mas será que teria lugar no mundo de hoje, em que tudo cabe num simples chip e a ideia de debate caiu em desuso?

Hoje o cara não teria serventia. É uma pena. Porque essa pessoa certamente era capaz de interpretar a informação. Bem ao contrário do que acontece neste tempo, quando temos o fenômeno da “overload information”: a pessoa é sobrecarregada informação mas não sabe o que fazer com ela. Talvez fosse necessário atualizar o conceito para “conhecimento wikipédico”. Só que não é preciso armazenar coisa alguma, porque basta usar os dedos para pesquisar. 

Há uma clara diferença entre o homo encyclopedie e o homo wikipedie (se é permitira a analogia). Porque hoje em dia está tudo na Wikipedia. As pessoas estão a trocar o cérebro pelos dedos. Há uma enorme incapacidade de interpretar informação, pois a internet funciona com uma espécie de extensão da memória. E a cada dia a gente vai se tornando ainda mais incapaz de gerir a vastíssima informação disponível na rede.

Um dia destes li um artigo científico que era meio darwiniano, porque falava em evolução. O texto tinha um palpite meio maluco. A evolução para o homo wikipedie pode produzir mudanças físicas nos seres humanos: gente com cabeça pequena, porque não precisa do cérebro, mas com dedos enormes, para poder manipular os dispositivos eletrônicos. Caraca! Não riam... Aliás, o texto, apesar de estranho, estava bom construído. 

Fala sério. Por essa linha,  é possível um futuro orwelliano, do ponto de vista político. Uma sociedade dividida entre senhores, no topo, e tecnodependentes, na base da sociedade. Na torre de marfim do poder, um grupo reduzido de seres que ainda sabem pensar e produzem as evoluções tecnológicas. Na base da sociedade, uma massa ignara formada por consumidores de tecnologia e cuja vida gira em torno de coisas como o smartphone.

Pirou na batatinha? Talvez. Nem parece estar tão longe assim. Não vamos esquecer que a ficção é apenas a antessala da realidade.






segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Cercar o jardim do MAJ é a solução?

POR JORDI CASTAN
Há um movimento a favor de fechar, com grade, o jardim do MAJ - Museu de Arte de Joinville. Um grupo de vizinhos do museu tem se manifestado abertamente contrário à forma como o jardim está sendo usado por grupos de jovens. Há, inclusive, acusações fortes de uso e comercialização de drogas e de consumo de bebidas alcoólicas. A única proposta apresentada até agora é a de fechar o jardim com uma grade. Em outras palavras, empurrar o problema para outro lado. Ou seja, esconder o problema em baixo do tapete.
O mau uso dos espaços públicos é um problema mais complexo e mais profundo do que poderia parecer à primeira vista. A coisa vai além, muito além da gestão destes espaços, da sua manutenção ou do seu fechamento. Espaços públicos são um problema de educação, de segurança, de cultura, de saúde pública e, principalmente, de gestão. Problemas complexos não se resolvem de forma simplória. Exigem uma abordagem multidisciplinar e o diagnóstico correto. Só assim será possível identificar corretamente o problema central e poder avaliar as causas e os efeitos.
A proposta de gradear, colocar concertinas e câmaras de monitoramento, como a forma de resolver os problemas de segurança, mostra uma superficialidade estulta dos que a defendem. Na verdade, os problemas quando não se resolvem ou pioram ou mudam de lugar. Se não houver uma ação articulada, estruturada e bem planejada para a resolução, o problema do MAJ se transferirá para outras áreas próximas, como o Parque das Aguas, o Cemitério do Imigrante ou para a Rua das Palmeiras, para citar outras áreas centrais que poderiam ser ocupadas.
Não é possível aplicar em toda Joinville a lógica que o cidadão individual aplica na sua residência. Não há como gradear todos os espaços públicos, porque os espaços públicos devem ser geridos de forma democrática. E, claro, devem estar abertos a todos. Esta é a obrigação e responsabilidade do poder público. O desafio é olhar o problema de forma global, fugir das soluções fáceis, resultado de análises superficiais. E para isso é preciso enxergar toda a cidade de forma holística, envolvendo a todos e não só construir grades que nada resolvem. 
s

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Maledetto Rossi!!!!!!!

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Dizem que todo ser humano tem direito ao perdão. Todos, menos o Paolo Rossi. Para mim ele merecia ser julgado – e condenado – pelo crime de lesa-beleza do futebol. E vou mais longe. A punição devia ser uma tortura inspirada nestes novos tempos: o cara fechado num quarto escuro onde, a cada 30 segundos, era forçado a ouvir um coro de vuvuzelas.

O leitor que gosta do futebol bonito sabe do que estou a falar. Tudo aconteceu no dia 5 de Julho de 1982, no Estádio de Sarriá, num verão de Barcelona. A seleção brasileira, dirigida por Telê Santana, era a sensação da Copa do Mundo. E tinha uma qualidade rara. Além de ganhar os jogos de forma irretocável, ainda dava autênticos recitais de futebol.

O time brasileiro jogava por música (a gente nem ligava se o Serginho Chulapa e o Valdir Peres destoavam). E de forma tão afinada que mesmo os torcedores dos outros países pensavam que o campeão já estava encontrado. Quando, naquele dia quente, as equipes do Brasil e da Itália entraram em campo, ninguém tinha dúvidas de que seria apenas para cumprir tabela. Os italianos, mal das pernas, não eram páreo para aquele timaço.

E eis que surge esse Paolo Rossi para rasgar o script. O cara fez três gols e a Itália venceu por 3 a 2. Deve ter sido um dos dias mais tristes que eu vi no Brasil. Quem viveu o momento sabe como doeu. Não por acaso, no jogo seguinte da Itália, apareceu na torcida italiana uma faixa a dizer algo assim: “Rapazes, vocês destruíram um mito”.

Tenho uma memória firme desse dia porque fazia dois meses que era repórter de A Notícia (ainda estudante de engenharia) e lembro que a redação parecia um sepulcro. Havia muitos marmanjos, jornalistas com longa experiência, com os olhos vermelhos e marejados. E ninguém com disposição para trabalhar. Então, coube a mim fazer a “repercussão” da derrota nas ruas de Joinville. Mas, como diz a música, naquele dia “a cidade apavorada, se quedou paralisada”.

Maledetto Rossi.




Professor, um herói desprezado pela sociedade

POR DOMINGOS MIRANDA
O poeta e dramaturgo alemão Brecht, escreveu em sua peça Galileu Galilei: “Pobre do povo que precisa de herói”. E, no início de outubro, mês das crianças e dos professores, morreu heroicamente, na cidade mineira de Janaúba, a professora Helley Abreu Batista, de 43 anos. Ela lecionava numa creche municipal e lutou bravamente com o vigia que colocou fogo em uma sala de aula lotada de crianças. Mesmo com o corpo em chamas, a professora se esforçou para tirar as vítimas do meio do incêndio. Helley teve 90% do corpo queimado e dez horas depois morreu no hospital. Era casada e deixou três filhos: de um, 11 e 13 anos.

Como sempre acontece nestas horas, a tragédia fez com que as autoridades enaltecessem, com razão, aquela professora reconhecida por suas qualidades profissionais e com uma coragem e solidariedade inimagináveis. Mas, neste país onde o que mais se destaca é o farisaísmo e a hipocrisia, há muito discurso e poucas medidas práticas. Basta ver que o piso nacional dos professores, em torno de R$ 2 mil, não é respeitado na maioria dos Estados. Por outro lado, juízes e procuradores formam uma casta de marajás que recebem até R$ 100 mil por mês, muito acima do piso constitucional. Utilizam os célebres penduricalhos para burlar a lei.

A sociedade, em grande parte formada por zumbis que não sabem fazer respeitar a cidadania, permite que tais aberrações continuem existindo como se não houvesse nada de anormal. Os mesmos governantes que alegam não ter recursos para pagar o piso dos professores, se calam diante dos salários estratosféricos dos juízes. O presidente Temer, no ano passado, sancionou um reajuste de 57% para o judiciário, uma categoria com os melhores salários do país. Quando há vontade política a coisa muda de figura. O Maranhão, um dos Estados mais pobres do Brasil e administrado por um governador comunista, decidiu pagar os melhores salários para os professores da rede estadual de ensino, com piso de R$ 5 mil.

Em outros países os professores são respeitados e valorizados, mas aqui, seguindo uma tradição histórica de nunca dar destaque à educação, eles são tratados como profissionais de segunda classe. Os mestres são desrespeitados pelo governo, pelos pais e pelos alunos. Inúmeras vezes os estudantes agridem os mestres e fica tudo por isso mesmo, em um silêncio vergonhoso do restante da população.

O médico e escritor Augusto Cury botou o dedo nesta ferida. Escreveu: “Os professores são heróis anônimos, fazem um trabalho clandestino. Eles semeiam onde ninguém vê, nos bastidores da mente. Aqueles que colhem os frutos dessas sementes raramente se lembram da sua origem, do labor dos que as plantaram. Ser um mestre é exercer um dos mais dignos papéis intelectuais da sociedade, embora um dos menos reconhecidos. Os alunos que não conseguem avaliar a importância dos seus mestres na construção da inteligência nunca conseguirão ser mestres na sinuosa arte de viver”.

Se a sociedade quer valorizar os professores, cobre dos seus governantes mais respeito a estes profissionais e exijam salários dignos para eles. Este será o primeiro passo para sairmos da indigência moral em que nos encontramos. Palavras duras, mas necessárias.