sábado, 6 de agosto de 2016

E dizem que não há racismo...




Júlia Rocha vive em Minas Gerais e divide a sua vida entre a medicina (é médica de família e comunidade) e a música (é cantora). Mas também é uma pessoa atenta às questões dos direitos civis. Foi uma das pessoas que denunciou o médico paulista do episódio da “peleumonia”, em que debochou de um paciente. Mas o clima de intolerância os racistas não perdem tempo. Eis…



sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Olha! Apareceu o prefeito!


POR FILIPE FERRARI

As redes sociais, grupos de Whats e espaços que frequento andam preocupados com o sumiço de algumas pessoas. Cada um em seu âmbito, muito se fala sobre o desaparecimento midiático do senador Aécio Neves, e aqui na nossa cidade, procurava-se desesperadamente um prefeito que deu o ar da graça essa semana para anunciar sua chapa que concorrerá ao paço municipal.

O chá de sumiço tem sido uma estratégia política importante na atual conjuntura brasileira, pois muitos políticos preferem ser esquecidos (e adotar estratégias agressivas de marketing nas eleições), do que estar sempre na linha de fogo da opinião pública. Quem deve, teme. Para estes, o esquecimento tem um papel importante em suas estratégias de campanha.

O historiador francês Paul Ricouer tem trabalhos interessantes sobre essa função da memória: o esquecer. Ele defende, inclusive, o direito ao esquecimento. Realmente, em alguns casos isso é importante, apesar dos diferentes tipos da ação do não-lembrar. O trabalho do governo alemão pós-holocausto é um exemplo. Fez-se um julgamento, colocou-se nome nos culpados, que foram então penalizados, ergueram-se (ou preservaram-se) museus e lugares de memória, e hoje a nação alemã tem sobre si a sombra do genocídio, mas essas gerações não precisam carregar a culpa. Foi. Aconteceu. Lembremos, mas esquecendo e nos libertando. É um trabalho psicológico de Estado e de cultura nacional.

Trabalho esse que foi desenvolvido em alguns países da América Latina com as Comissões da Verdade pós ditaduras. Trabalho que demorou a ser feito no Brasil, e que ainda não teve o alcance necessário, visto as aberrações que vemos nas últimas manifestações, ou mesmo as aberrações no congresso que pedem e defendem a Ditadura Militar.

Em época eleitoral, a estratégia do esquecimento é utilizada de forma canalha. Querem que se esqueça do candidato que foi condenado (sim, condenado; não delatado, julgado, suspeito...) por desvio de dinheiro público, querem que se esqueça do prefeito que fez mil promessas em cima da sua capacidade de gestão, e que paralisou a cidade.

Em determinados casos, o esquecimento é um direito, mas lembrar é um dever.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Essa nossa obtusa e anônima cordialidade


POR CLÓVIS GRUNER

No dia 19 de setembro de 2014, Hiago Augusto Jatobá de Camargo, de 21 anos, cabo eleitoral da campanha de Dilma Rousseff, do PT, foi esfaqueado durante uma briga na praça da Ucrânia, em um bairro nobre de Curitiba, durante uma discussão com outros cabos eleitorais e um morador local que chutara uma das placas da candidata. Embora a polícia tenha descartado, rápido demais, a hipótese de crime com motivação política, a morte de Hiago foi um dos primeiros e mais trágicos indícios de que o acirramento não era algo restrito ao ambiente eleitoral. 

O clima de hostilidade já afetou gente à direita e à esquerda – de Janaína Paschoal a, mais recentemente, Letícia Sabatella –, em graus variados de violência. Uma de suas faces mais visíveis não é necessariamente nova, embora esteja a ganhar contornos cada vez mais sombrios. Falo de uma moral e uma conduta conservadoras (porque, a rigor, não se pode falar de um “pensamento conservador”), franca e abertamente reacionárias, responsáveis diretas pela proliferação da ignorância, o empobrecimento do debate e do ambiente políticos, a disseminação da truculência e a legitimação da intolerância como práticas cotidianas.

É interessante (e não deixa de ser também um pouco incômodo) que depois de oito décadas o “homem cordial”, o tipo ideal weberiano forjado por Sérgio Buarque de Holanda em seu “Raízes do Brasil”, ainda nos sirva como uma categoria de análise capaz de iluminar aspectos do comportamento político do brasileiro médio de hoje. Em linhas gerais, a cordialidade, segundo Sérgio Buarque, sintetiza nossa distância e indiferença em relação aos ritos que caracterizam a vida pública, mantendo a supremacia dos valores privados e domésticos. 

No Brasil, essa separação rígida entre as esferas pública e privada constitui-se na contramão dos valores liberais que estão no cerne das democracias modernas. Historicamente, foi a “vida doméstica” quem forneceu o modelo no interior do qual foram forjadas nossas composições sociais. E não há nada de positivo nisso: fundada nos laços e arranjos familiares, a cordialidade se estendeu até o espaço público, precarizando-o ao subordiná-lo aos interesses privados e familiares. 

O custo ético e político dessa subordinação é altíssimo. Porque no mundo moderno a palavra “público” não designa apenas “uma região da vida social localizada em separado do âmbito da família e dos amigos íntimos”, de acordo com o sociólogo americano Richard Sennett. Mas também, e principalmente, a possibilidade de conviver com uma diversidade significativa de pessoas pertencentes a classes, gêneros, etnias, religiões, hábitos, etc..., distintos dos nossos e daqueles que nos são próximos e íntimos. Ao abolirmos a distância entre as esferas privada e pública, fragilizamos nossa capacidade de conviver com o outro e passamos a tratar os assuntos e problemas públicos como se fossem, nas palavras de Sennett, “questões de personalidade”. 

“Em verdade, temos medo” – O resultado está aí, nas ruas, redes socais e caixas de comentários de blogs e sites de notícias. Em debates, tornou-se corrente o uso de termos como “idiota”, que eximem quem o utiliza de argumentar com o mínimo de razoabilidade. Se o assunto são os direitos humanos e das chamadas minorias – negros, gays e mulheres, principalmente –, os parâmetros para o diálogo, invariavelmente, reafirmam a incapacidade de compreender e conviver com as razões e motivações do outro em uma arena comum de coexistência, com a prevalência do “eu não gosto” ou o “eu não concordo” como arremedos de argumentação. 

Fala-se na precariedade das penitenciárias, na violência urbana e policial ou contra a redução da maioridade penal, e não faltará quem sugira “levar para casa” criminosos maiores ou menores de idade, porque não ocorre a quem o sugere que a segurança é um problema público, cujas soluções não são domésticas nem familiares. Gente que mal sabe localizar a Venezuela no mapa se arvora uma autoridade no país e em seus problemas. São os mesmos que falam em “meritocracia” e “Estado mínimo” quando o que está em jogo é assegurar direitos básicos e elementares à população mais fragilizada, mas não hesitam em apoiar o Estado no uso do aparato militar e repressivo contra movimentos sociais, por exemplo.

Nas páginas iniciais de “Kaputt”, o misto de reportagem e ficção escrito pelo italiano Curzio Malaparte nos anos de 1940 (e adaptado, no Brasil, para uma graphic novel simplesmente maravilhosa pelo quadrinista Guazzelli), o narrador apresenta os alemães como indivíduos amedrontados, que matavam e destruíam por medo: “Os alemães têm medo. (...) têm medo de tudo que é vivo, de tudo que é vivo fora deles. Medo de tudo que é diferente. (...) Têm medo sobretudo dos fracos, dos indefesos, dos enfermos, dos velhos, das crianças...”. 

Foi a gestão desse medo que produziu indivíduos precarizados e atomizados, dispostos a legitimar a barbárie nazista, ainda que pela indiferença. E pelo menos desde a análise do julgamento de Eichmann pela filósofa alemã Hannah Arendt, tornou-se mais ou menos comum a afirmação de que os regimes totalitários e autoritários – além do próprio nazismo, o stalinismo e outros tantos – sobreviveram não apenas pelo poder da força, mas pela sua capacidade de mobilizar afetos e lealdades do chamado “cidadão comum”, honesto, trabalhador e de bem. 

E ainda que se possa falar de uma “cultura do medo”, não devemos perder de vista que se trata, uma vez mais, de organizar o espaço público a partir de afetos privados. Há diferentes motivos que explicam essa permanência, atualizada, de nossa cordialidade, e a sistemática política do esquecimento que vigora desde o processo de abertura, no final dos anos de 1970, é um deles. O homem cordial brasileiro do século XXI, como o alemão dos anos de 1940, tem medo. E sabemos muito bem que o medo pode gestar e parir bem mais que a estupidez verborrágica dos comentários anônimos.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

A escolha é sua



POR RAQUEL MIGLIORINI
Na década de 50, após a derrota do Brasil para o Uruguai, Nelson Rodrigues cunhou o termo “Complexo de Vira-lata” para denominar a falta de auto-estima que tomava conta do brasileiro. Particularmente nunca gostei desse termo porque acho que os vira-latas são animais com personalidade e que não se deixam abater diante das adversidades. Mas não vou discutir com Nelson Rodrigues.

Após a humilhação da derrota na Copa do Mundo em casa (tadinho do Nelson, nem sabia o que esperava a seleção brasileira em 2014), todo o cenário nacional passou  por mudanças mais drásticas. Getúlio Vargas morreu/se suicidou em 1954 e quem assumiu foi Café Filho, num governo curto e desastroso. Daí veio a era JK com a construção da nova capital e muitos rumores de superfaturamento nas obras (não, não começou com o PT), seguida pela  renúncia de Jânio Quadros  e a queda de João Goulart pelo golpe militar.

Nas duas décadas em que isso tudo aconteceu, o Brasil cresceu  em diversos setores. Música, Cinema, industrialização, políticas sociais, e dois títulos mundiais de futebol trouxeram novos ares para a nação. O golpe militar interrompeu essa trajetória e o país voltou a se sentir inferiorizado, entregue ao poder e resignado. A imprensa e a elite hipervalorizavam o que era feito fora do país e, de repente, a música e o cinema internacional eram muito melhores que os nossos. Paramos de produzir tecnologia para nos transformarmos em mão-de-obra barata para empresas multinacionais. E pior, acreditamos que éramos realmente imprestáveis  e que, sem o reconhecimento de europeus e norte-americanos, nada do que era feito aqui valia a pena.

Observe que na época pré-ditadura, assim como  agora, as pessoas mais pobres começaram a se sentir parte da mudança, percebendo-se  capazes de melhorar de vida, de estudar, de ter o emprego e a profissão que quisessem, porque não aceitavam mais a imposição da classe social ou da etnia. O  complexo de vira-latas começou a ser atenuado e  fez com que os interessados em manter o povo brasileiro cabisbaixo e sem nenhuma auto-estima começassem  a usar artilharia pesada para voltarmos com “lá fora é muito melhor”, “só nesse país acontece isso”, “quero que meus filhos cresçam longe daqui”, “visitei Paris e é tudo diferente daqui”. Afinal, dominar e manipular quem se acha fracassado é muito mais fácil.

E assim, virou esporte nacional a degradação do Brasil e dos brasileiros. Me desculpe, mas não quero participar disso. Não uso o viés ideológico do “Ame-o ou deixe-o”, até porque, sabemos bem como funcionava, mas quero trocar por “Ame e cuide”, “Ame e faça sua parte”. Precisamos com urgência abandonar a condição de colônia. Estou farta de escutar que a Educação aqui é ruim mas não vejo pais nas escolas exigindo que os filhos estudem, leiam e respeitem os professores. Escutar que a Saúde é ruim e presenciar Unidades de Saúde lotadas às segundas-feiras para  fulanos e sicranos conseguirem atestados por um final de semana de esbórnia. Pais que trazem atestados médicos justificando a falta dos filhos nas provas e no Facebook aparece o cidadão na Disney.

Essas mesmas pessoas comparam o Brasil com países da Europa e da América do Norte sem usar contexto algum, por ignorância ou má fé. Como foi que chegaram aonde estão? Quantos anos eles tem de democracia? Como foi a colonização e em quantas guerras se envolveram? Não é visitando um país ou só lendo matérias seletivas sobre ele que  se pode concluir o que dá certo ou não e se precisamos daquele modelo.

Vamos pensar nas Olimpíadas. Está tudo ruim? Claro que não. Perfeito? Também não. Tem coisa que poderia ser evitada ou melhorada, mas isso não nos faz pior. Eu, por exemplo, não queria ver a Anita na abertura do evento, mas se ela foi convidada é porque o brasileiro gosta. Vai lá e coloca um “Prepara” pra ver se a galera não sabe a coreografia todinha. Elogiar os mascotes Tom e Vinícius não ouvi ninguém. Sinhô mandou criticar e achar ruim, colônia vai lá e faz.

A bola está com você, que pode escolher se vai continuar se achando a mosca do cocô do cavalo do bandido ou se vai se apropriar desse país maravilhoso, com cultura e beleza ímpar e deixar de ser manipulado e resignado. Temos capacidade para melhorar. Para isso, precisamos mudar o olhar e atitude.