terça-feira, 7 de julho de 2015

Questão de identidade

POR FELIPE CARDOSO

Já falei várias vezes aqui no blog sobre a questão da identidade negra e também mostrei algumas desigualdades sociais e raciais presentes no país.

Volto a falar sobre identidade, mas, dessa vez, contarei com a ajuda da camarada Gabriela Queiroz, organizadora do evento “Encrespa Geral” e militante do Movimento Negro Maria Laura, no qual também faço parte, aqui em Joinville.

Uma questão que me chamou atenção esses dias foi o termo que duas pessoas brancas usaram para se referir a duas pessoas negras que não estavam presentes no momento, mas que seriam lembradas na ocasião.

O primeiro se referia a um homem negro como “aquele moreno”. A segunda a uma mulher: “aquela moreninha”.

Difícil encontrar um negro que nunca ouviu essa expressão.

No mesmo dia que presenciei esse caso, abri meu Facebook e vi a Gabriela relatando que sofreu com a mesma situação e compartilhei com ela o que havia acontecido e convidei-a para escrever um texto. E cá estamos.

Já expliquei aqui que a imagem do negro sempre foi construída como um ser demonizado, ruim, bruto, sem alma, que só servia para o trabalho e que esse pensamento se naturalizou e se propaga até hoje. Então, os brancos, que durante todos esses séculos construíram sua imagem como ser civilizado e bom, tentam, de todas as maneiras, branquear a nossa negritude.

“Ah, mas você nem é tão negro assim.”

“Você é mulato, não é negro.”

“Você é morena(o).”

Está tão impregnado essa imagem do negro como algo ruim que as pessoas brancas tentam “elogiar” tirando a sua negritude.

As frases acima representam a mutilação física e psicológica que todos os negros do mundo sofreram e sofrem.

A identidade de cada ser se constrói e sofre diversas influências de acordo com o meio em que ele vive. Então por que o negro é privado de se conhecer, de se assumir e de encontrar semelhantes para compartilhar os mesmos gostos?

Todos nós recebemos nomes quando nascemos, e esse nome também faz parte da nossa identidade, mas quando se é negro, seu nome é esquecido e os apelidos começam a surgir: “negão”, “nega”…

“Vocês estão impondo algo?”

Não, não mesmo. Nós só estamos problematizando e trazendo o assunto para o debate, evidenciando esses casos.

Porque é difícil você encontrar por aí alguém chamando uma pessoa branca de “brancão” ou “branca”, ou se referindo a uma pessoa que não está no local como “aquela com pouca melanina” ou “aquele branquinho”.

Eu, particularmente, nunca ouvi isso.

Na escravidão os negros com a pele mais clara serviam para o trabalho domésticos e os negros com a pele mais escura só serviam para trabalhar no campo e recebiam castigos mais severos que os negros domésticos.

Daí é que surgiram as denominações e diferenciações da pele negra.

Inclusive o termo “mulato/ mulata” é pejorativo, pois vem literalmente do termo “mula”, o animal híbrido, resultado do cruzamento do cavalo com jumenta, ou do jumento com a égua. Estas palavras foram adotadas em nossa língua portuguesa para se referir pejorativamente aos filhos mestiços das escravas que coabitaram com os seus senhores brancos e deles tiveram filhos. Nesse contexto da época escravocrata, a pele escura era um estigma para o castigo. A pessoa “mulata/morena” ou de pele mais clara era a escrava da casa grande, digna da compaixão e proteção de seus proprietários; já aquela com tonalidade mais escura era a do campo e também a que estava sujeita aos piores castigos físicos.

Isso ficou tão enraizado na cultura brasileira, que ter a pele escura é considerado um castigo ainda hoje. A gente ouve coisas do tipo: “Ah, mas vc não é tão negra assim…” “Não, você é uma morenona! Bonita!”

Eu não quero ser chamada de morena. Não quero que “amenizem a minha condição”.

Mas o fato é que independentemente da tonalidade da pele, todos nós, negros e negras, passamos pelas mesmas humilhações, sofremos com a dor do racismo e vivemos as consequências da escravidão.

Então quando você se refere a um negro como “moreno” ou “mulato”, você está sim ofendendo.

Porém, nos defrontamos com outro problema aqui: tem muitos negros que não se importam em serem chamados assim, porque eles também assimilaram a ideia de que quanto menos negro ele for, melhor posição social ele encontrará. E acredito que isso gera uma grande incerteza na população não negra, porque simplesmente não sabe como deve nos chamar. Não sabe identificar quando a negritude é defendida com orgulho ou quando ao contrário, essa identidade é negada.

A moça que veio me dizer “preciso maquiar uma pele morena e pensei em você” havia dito para outra moça antes de mim: “preciso maquiar uma pele negra e pensei em você”. Essa moça negra se ofendeu e disse que ela prefere ser chamada de morena. Já eu, bem resolvida com minha identidade negra, achei o termo “morena” desrespeitoso para comigo.

É preciso trilhar um longo caminho de reconstrução da identidade das pessoas negras, e isso passa, necessariamente, pela questão do cabelo, que já abordei em outra ocasião (aqui). Quando uma pessoa negra me diz coisas do tipo “esse cabelo combina com você, mas em mim ficaria feio”, eu percebo que a questão de identidade é mais intrínseca que apenas a questão estética.

Há toda uma carga de negação que a acompanhou durante a vida e, não conseguir ao menos se permitir descobrir sua verdadeira essência, não conseguir se olhar no espelho ostentando sua própria natureza é de causar tristeza. Tristeza sim, porque nenhuma pessoa deve ter vergonha de ser o que é. E nenhuma sociedade deve querer impor padrões aceitáveis porque nós não somos todos iguais.

Não queremos que as pessoas, ao buscar a equidade social, nos digam coisas do tipo “nós somos todos iguais!”.

Não, nós não somos todos iguais. O que de fato desejamos é que nossas diferenças sejam respeitadas.

Não podemos permitir que nossos filhos perpetuem as histórias tristes daqueles que os antecederam. É preciso empoderá-los para que num futuro não muito distante, todos nós, negros e brancos, possamos conviver em harmonia; tendo nossas batalhas, senão compartilhadas, ao menos compreendidas.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Perdido por perdido, “oxi”

















Quem já jogou truco lembra de um dos chavões mais repetidos: “perdido por perdido, truco”. É quase uma regra para quem tem pouco a perder. E parece ter sido a lógica do povo grego, que compareceu em massa para votar no referendo de domingo para rejeitar as propostas de mais austeridade da Troika. Foi uma acachapante goleada, com o “não” a obter 61,3% dos votos, contra  parcos 38,7% do “sim”.

O que resultou da votação, ainda na noite do referendo, foi um tremendo azedume das autoridades europeias e dos apoiantes do "sim", em especial em Bruxelas e Berlim. Houve muitas reações a quente. Há quem anuncie o caos. Há quem afirme não haver mais condições para negociar. Há quem ameace com cortes nas linhas de financiamento. E há quem, em tom de revanche, preveja um caminho amargo para a Grécia. É muita azia.

Os tecnocratas apegam-se a questões econômicas. E tentam disfarçar o terremoto político provocado pelo referendo. Os donos da Europa, sempre em linha com os mercados - e, claro, os bancos -, não se cansaram de repetir a lenga-lenga de que não há alternativa à austeridade. E não aceitam ser contrariados, mesmo que o remédio esteja a matar o paciente. A austeridade exauriu o Grécia. E qual é a proposta de tratamento? Mais austeridade. Se o veneno não curou, aumenta-se a dose de veneno.

As decisões econômicas são políticas. Todos sabemos que as lideranças europeias estão em sintonia com o sistema financeiro e que os países periféricos estão a pagar pela ganância dos bancos. A imprensa traz dados reveladores: o programa de ajuda foi de € 250 bilhões, mas apenas € 27 bilhões chegaram à economia grega. Adivinhem onde ficou o resto do dinheiro. Se pensou bancos alemães e franceses...

Não vamos ser ingênuos e pensar que a questão grega está resolvida. Longe disso. O caminho é longo e penoso, mas a voz do povo grego fez-se ouvir para além do espaço europeu. E trouxe um pouco de esperança aos outros povos. Talvez o berço da democracia tenha o condão de espoletar uma nova democracia. Torçamos! O discurso do TINA (there is no alternative) ficou em xeque ou, pelo menos, sob suspeita. O mundo agora sabe que há alternativas e é possível peitar os rentistas.

Utopia? Sim. Mas vale acreditar num outro mundo possível, porque o mundo que temos está muito chato. Sociedades dominadas por predadores econômicos? Oxi!


É a dança da chuva.

Atocha!


Çolussão!


O não-problema e o problema


O corredor da JK é um não-problema. É o resultado de um cúmulo de erros, da falta de diálogo e da forma como é feito o planejamento na nossa vila. O resultado é esta confusão que esta aí posta. Não é hora de distribuir culpas, até por que há muitas culpas no cartório. O poder público demorou a agir. Quando o fez foi frouxo, fazendo com que o problema só se agravasse. A reação da sociedade, especialmente nas redes sociais, tem sido implacável e agora a Prefeitura corre atrás do prejuízo. 

Não vou entrar na discussão sobre a prioridade do coletivo sobre o particular. Ou sobre o modelo de desenvolvimento urbano. E nem como as coisas são impostas sem escutar a sociedade e, na maioria das vezes, de forma mais empírica que técnico-científica - não por falta de mestres e doutores e sim por falta de humildade e até por preguiça. Mas todos esses pontos são outra história.

Dois pontos me chamam a atenção neste imbróglio. O primeiro a inoperância do poder público, que não tem sido capaz de colocar um guarda municipal na frente do colégio nos horários de entrada e saída dos alunos. Alega o município que: "não há como manter fiscais quatro vezes por dia, todos os dias, num único ponto da cidade". A matéria do jornal A Notícia não identifica a fonte de tal asneira (vai que depois que à falou arrependeu-se). 

Deixa ver se entendi, independentemente do problema do corredor de ônibus e o conflito com os veículos dos pais que vão buscar os filhos, o município não consegue colocar um guarda de trânsito diante de uma escola nos horários de entrada e saída dos alunos? Quer dizer que a Guarda Municipal não consegue melhorar a segurança das crianças na entrada e saída das escolas?

Eis a lógica: não pode colocar um guarda todos os dias, em determinados horários em pontos determinados, para aumentar a segurança ou melhorar o fluxo do transito em lugares e horários de pico. Entenderam? Em outra galáxia isso seria um atestado de incompetência, assinado e rubricado. Entre os sambaquianos escutar escusas para não fazer é o nosso pão de cada dia.

Mas não há problema. Os guardas tem outras coisas que fazer como, por exemplo, blitzes em lugares incertos e em horários alternados. Entendi quais são as prioridades. Mas segurança é prevenção não deveriam ser prioritários? Deveriam. Mas não são. Saudade da Comissão Comunitária para a Humanização do Trânsito e para o Aluno Guia que Joinville já tinha.



OUTRO COLÉGIO - O segundo, e antes que seja tarde, é outro colégio. O colégio Marista comprou área no Bairro América, na rua Benjamin Constant. Na audiência pública para apresentar o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança) ficou evidente que a rua não comporta o tráfego adicional que o colégio vai gerar. O projeto reconhece o problema e diz que só se o poder público fizer investimentos na rua o problema será amenizado. Entenderam?

Vou repetir com outras palavras, um projeto privado criará problemas de tráfego e a solução só será possível com investimento público. 

E ainda não sei se o IPPUJ não inventa um dia colocar um corredor de ônibus, ou uma ciclovia, ou ambos juntos, como na rua Max Colin. Vamos lembrar que público quer dizer aquele dinheiro que vem dos seus e dos meus impostos. Assim falamos de lucro privado e prejuízos públicos. É importante, antes que seja autorizada a sua instalação, que sejam apresentadas soluções concretas, em nova audiência pública, para evitar o problema.

Até agora nada mais que silêncio, tanto de parte do IPPUJ como do colégio. Lembrem que quem avisa amigo é depois não venham dizer que o colégio estava lá antes. Não estava.