Quem já jogou truco lembra de um dos chavões
mais repetidos: “perdido por perdido, truco”. É quase uma regra para quem tem pouco a perder. E parece ter
sido a lógica do povo grego, que compareceu em massa para votar no referendo de
domingo para rejeitar as propostas de mais austeridade da Troika. Foi uma
acachapante goleada, com o “não” a obter 61,3% dos votos, contra parcos 38,7% do “sim”.
O que resultou da votação, ainda na noite do referendo, foi um tremendo
azedume das autoridades europeias e dos apoiantes do "sim", em especial em
Bruxelas e Berlim. Houve muitas reações a quente. Há quem anuncie o caos. Há quem afirme não haver mais condições para negociar. Há quem ameace com cortes nas linhas de financiamento. E há quem, em tom de revanche, preveja um caminho amargo para a
Grécia. É muita azia.
Os tecnocratas apegam-se a questões
econômicas. E tentam disfarçar o terremoto político provocado pelo referendo. Os donos da Europa, sempre em linha com os mercados - e, claro, os
bancos -, não se cansaram de repetir a lenga-lenga de que não há alternativa à
austeridade. E não aceitam ser contrariados, mesmo que o remédio esteja a matar o paciente. A
austeridade exauriu o Grécia. E qual é a proposta de tratamento? Mais
austeridade. Se o veneno não curou, aumenta-se a dose de veneno.
As decisões econômicas são políticas. Todos
sabemos que as lideranças europeias estão em sintonia com o sistema financeiro
e que os países periféricos estão a pagar pela ganância dos bancos. A imprensa traz dados reveladores: o programa de ajuda foi de € 250 bilhões, mas
apenas € 27 bilhões chegaram à economia grega. Adivinhem onde ficou o
resto do dinheiro. Se pensou bancos alemães e franceses...
Não vamos ser ingênuos e pensar que a questão
grega está resolvida. Longe disso. O caminho é longo e penoso, mas a voz do
povo grego fez-se ouvir para além do espaço europeu. E trouxe um pouco de esperança aos outros povos. Talvez o berço da
democracia tenha o condão de espoletar uma nova democracia. Torçamos! O
discurso do TINA (there is no alternative) ficou em xeque ou, pelo menos, sob
suspeita. O mundo agora sabe que há alternativas e é possível peitar os
rentistas.
Utopia? Sim. Mas vale acreditar num
outro mundo possível, porque o mundo que temos está muito chato. Sociedades dominadas por predadores econômicos? Oxi!
É a dança da chuva.