POR MURILO CLETO
A vitória da "extrema esquerda" na Grécia não é exatamente uma vitória da extrema esquerda. Explico: nas eleições parlamentares de domingo, três forças estavam em jogo: a Nova Democracia, representada pelo atual primeiro-ministro, Andonis Samarás; a Aurora Dourada, composta fundamentalmente por neonazistas; e o Syriza, que, aliado ao espanhol Podemos, virou a grande sigla da esquerda nas urnas.
O que aconteceu ontem no berço da democracia é menos uma aposta dos eleitores nas pautas históricas da esquerda marxista e mais um basta na política econômica que mergulhou o país na mais grave crise de sua história, especialmente de 2010 para cá. Fadada ao desespero pela quebradeira geral que tomou conta do mundo desde a falência do Lehman Brothers, a Grécia escolheu o remédio receitado pela União Europeia e os desdobramentos foram catastróficos: mais empréstimos dos bancos internacionais, menos direitos sociais, maior arrecadação tributária, menos gastos públicos. Milhares de servidores públicos foram simplesmente desligados da folha estatal.
Com a opção pelo modelo neoliberal, a soberania nacional deu lugar a uma porção de concessões que fizeram da Troika a verdadeira dona da Grécia. Banco Central Europeu, FMI e Parlamento Europeu deram todas as cartas, com o aval do parlamento nacional, de mãos confortavelmente atadas em favor das instituições financeiras. E tudo isso funcionou? Bem, o crescimento econômico permanece congelado; o número de desempregados beira a margem de 30%; e a dívida pública do país aumentou de 146% para 177,2% do PIB nos últimos 5 anos!
Isso significa que, para pagar tudo o que deve, a Grécia precisaria cortar absolutamente todos os gastos públicos por quase dois anos enquanto arrecadaria todos os tributos - algo que é, evidentemente, impossível. Quem prenuncia para agora o fundo do poço pra Grécia ou é muito desonesto ou sofre de uma miopia incurável, pois não acompanhou nem de longe o caos que o país tem vivido por uma canetada desastrada atrás da outra.
A maior evidência de que a vitória do Syriza não é exatamente uma vitória da esquerda foi anunciada hoje: para conseguir maioria absoluta no parlamento, o partido deu sinais de que vai se unir à direita nacionalista. E não é de se assustar: a Grécia deve rever imediatamente os títulos da dívida pública e as condições de empréstimo impostas outrora pela Troika. É por isso que nos últimos meses se fez tenta pressão contra a esquerda nas eleições, de ameaças de expulsão da União Europeia para baixo. Essa foi fundamentalmente a única pauta eleitoral do Syriza, e também pudera.
E O BRASIL? O que o Brasil tem a ver com isso? Aparentemente nada, pois, apesar da retração econômica dos últimos meses - e que deve se estender ainda por algum tempo -, aqui a dívida pública não ultrapassa os 34%. Mas o caminho apontado pela nova equipe do Ministério da Fazenda é preocupante. Não há eufemismo: o que o governo federal promoveu nos primeiros dias de mandato é corte: corte em benefícios previdenciários/trabalhistas para socorrer o desequilíbrio das contas, que nada tem a ver com a corrupção na Petrobras, como creem analfabetos políticos de toda ordem, mas com o excesso de gastos do Estado associado ao baixo crescimento e à imensa dívida pública que hoje está acumulada em mais de R$ 2 trilhões.
Para quem pergunta onde estão os eleitores de Dilma, eu respondo: aqui. Nunca foi e não será agora meu costume aparecer apenas de quatro em quatro anos. E, verdade seja dita, boa parte dos "analistas políticos" de plantão está se expondo ao ridículo ao criticar as medidas tomadas por Joaquim Levy: esse era exatamente o programa de governo de Aécio Neves, cujas pautas, infelizmente, ninguém leu.
Mas essa é outra e, espero, nem tão distante conversa.