quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

A quem serve o Estado? (1ª parte)

POR GIANE SOUZA
Quem trabalha no serviço público como funcionário de carreira, nas esferas municipais, estaduais ou federal, está cansado de ver abusos na gestão pública, principalmente em relação aos sucessivos gestores que se apresentam. As escolhas destes não seguem critérios técnicos. Os critérios da gestão pública, majoritariamente, são desenhados pela submissão e partilhas partidárias pelas quais as alianças eleitorais são estruturadas. A ocupação e o fatiamento do Estado são alicerçados em redes de clientelismo e negociatas.

Em 24 anos de serviço público municipal, presenciei e ouvi muitas barbaridades: “sou indicação direta do prefeito”, “sou indicação do vereador x”, “meu marido é da maçonaria”, “meu pai trabalhou na campanha”, “mas, o que vocês fazem aqui mesmo”, “estou aqui para aprender”. Muitas são as bravatas que colocam em xeque a paciência histórica de qualquer servidor. Nas indicações, alianças, acordos e amizades que demarcam as gestões o que menos importa é o bem público e a sociedade. 

O que interessa de fato são as redes de favorecimento e as vantagens advindas do cargo, dentro e fora do governo. Quem não é governo não é confiável. Quem é de confiança, consequentemente, representa indiscutivelmente os interesses da gestão do governo e não necessariamente do Estado. O importante é estar com o governo. Não por acaso os governos necessitam de maioria no parlamento para aprovar seus projetos. Essa maioria é negociada e barganhada com muitas trocas de favores e cargos.

Dessa forma, práticas perversas são criadas com o dinheiro público. Entre elas a corrupção dentro e fora do Estado. Contudo, essas práticas estão alicerçadas em uma estrutura de poder e de comando que fazem com que a máquina pública emperre, seja boicotada de dentro para fora, para de fato se comprovar a suposta ineficiência estatal. Projetos são engavetados, documentos são perdidos e alterados, boas práticas são descontinuadas, setores são destruídos, planos de trabalho são desconsiderados e o servidor público no seu dia a dia é massacrado por uma rede de ingerências e politicagens de todas as espécies.

A dança das cadeiras na administração pública, a ausência de planejamento do Estado, as descontinuidades das políticas fomentam a ilusão de que o serviço público não funciona, é moroso e ineficiente, por isso torna-se objeto constante de ameaças e ataques. Essa é uma estratégia de ação de alguns gestores. Fazer a máquina emperrar é uma opção política de gestão. Ocupar um cargo com quem não entende da área que irá atuar, muito além do apadrinhamento dos feudos partidários é uma forma de desprestigiar o Estado e desqualificar o serviço público.

As disputas de interesses fazem com que os cargos sejam distribuídos não conforme os valores, meritocracias e competências dos profissionais da área, mas segundo critérios de poderes escusos. Nas escolhas dos primeiro, segundo e terceiro escalões seguem os nomes estratégicos hierarquicamente para a governabilidade do partido hegemônico e das redes de influências na gestão pública. Cargos considerados desimportantes ou pastas com orçamentos reduzidos são destinadas para nomes igualmente desvalorizados no mercado partidário ou sem importância na articulação política. 

Diariamente o servidor público assiste uma coreografia marcada por constrangimentos e favorecimentos políticos. Ao servidor público calar, consentir ou se rebelar traz como consequência a sua marginalização ou não perante os gestores. Para aqueles que se rebelam, a geladeira é sempre colocada à disposição. Não por acaso, a Carta apócrifa que a Revista Carta Capital reproduziu, escrita por um diplomata ao futuro chanceler brasileiro Ernesto Araújo, justificava a sua não assinatura no documento: “Não quero enfrentar esse Senhor, pois ele dispõe dos meios para literalmente infernizar minha vida. Por isso, por proteção especialmente àqueles que dependem de mim, não me identificarei.”

Nesses infernos da má gestão pública, o maior prejudicado é o contribuinte. Políticas  públicas são interrompidas de quatro em quatro anos ou até antes. Eu trabalhei num Setor de Patrimônio Cultural, onde houve troca de gestão sete vezes em quatro anos no mesmo mandato. Não há política pública que sobreviva nesses esquemas de distribuição de favorecimentos e rede de amizades partidárias tampouco de desvalorização de determinadas áreas do serviço público.

O CASO BOLSONARO - Após a eleição presidencial são muitos os exemplos de partilhamento dos poderes em redes de clientelismo e fisiologismo no qual se projeta o futuro governo Bolsonaro. O presidente eleito demonstra executar uma versão piorada de si mesmo na ocupação do Estado, privilegiando o não planejamento e o não conhecimento técnico para atingir seus fins ideológicos. Prova disso é a escalação do seu time ministerial e as competências de cada um, ou melhor, as características das trajetórias políticas, religiosas, criminais, de filiação partidária, filiação parental e redes de amizades atribuídas aos seus séquitos.

Majoritariamente, a competência técnica não foi considerada em nenhuma das situações, obviamente é a menos importante. Bolsonaro segue o que Temer iniciou. Novamente o Estado brasileiro e as suas instituições, as quais o Ministério Público gosta de enfatizar como “fortes” foram redesenhadas, extintas, reformuladas, alteradas, desrespeitando processos históricos de construção e deliberação democrática a partir da Constituição Federal de 1988. Isso sem considerar os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, obstinadamente perseguidos.

Essas questões nos levam a refletir: a quem interessa sucatear e acabar com o Estado brasileiro? Por que as instituições no Brasil são tão frágeis frente aos acordos e interesses políticos de quem vence a eleição? Por que o serviço público é alvo constante de combate e de ocupação de representações corporativistas, lobistas, ideológicas e partidárias? 

(a segunda parte deste texto será publicada amanhã)

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

A entrevista do prefeito de Joinville e a sua cidade imaginária

POR JORDI CASTAN
Depois de ler a entrevista que o prefeito Udo Dohler concedeu ao jornal local, acredito que não esteja conseguindo mais diferenciar a fantasia da realidade, que viva na Joinville das suas quimeras, dos seus sonhos e dos seus pesadelos. Mas os sonhos (ou delírios) são só sonhos. A Joinville real está cada dia mais distante daquela em que o prefeito mora, claramente uma cidade imaginária.

É incansável a capacidade que este governo municipal tem de criar projetos, desenvolver propostas e, acima de tudo, querer nos convencer que vivemos numa outra Joinville.Para toda e qualquer coisa que alguém possa imaginar, a Prefeitura Municipal tem mais de um projeto. As alternativas se acumulam em gavetas e caixas empoeiradas. A maioria das soluções e os projetos propostos acabam ficando obsoletos antes de verem a luz.

É incrível a capacidade de inventar soluções que nunca serão executadas, de confundir fantasia e realidade. O risco é levar o prefeito e sua troupe a viver num mundo paralelo, em que não é mais possível discernir o certo do errado. Um caminho perigoso, confuso e difícil de percorrer. A impressão é que o prefeito está perdido no seu labirinto, que perdeu o novelo e não sabe sair da enrascada em que se meteu. Só que acabou nos levando a todos os joinvilenses juntos. 

Os meus filhos cresceram sem poder passear em nenhum dos parques projetados pelos técnicos da Prefeitura, apresentados em lindos desenhos coloridos em não poucas reuniões e palestras. Projetos que mesmo depois de muitos anos e muitos reais continuam sem ser implantados e parecem cada vez mais distantes.

Hoje duas cidades distintas ocupam o mesmo lugar. Uma é a cidade imaginária, só visível para políticos e os seus íntimos, através de um fantascópio. Essa Joinville é invisível a olho nu, para os cidadãos. É a Joinville irreal que nunca sai do papel e que só existe na fantasia dos nossos dirigentes, que acabam acreditando nas próprias fantasias, patranhas e invencionices.

Para nós fica a Joinville real, a das ruas esburacadas, sem espaços para o lazer, sem áreas verdes públicas. A Joinville cinza, do transito lento, dos engarrafamentos, das obras inacabadas, das inaugurações incompletas. A Joinville, que aos poucos vai perdendo o seu brilho de outrora.

Em alguns momentos as duas cidades se cruzam. Por instantes é possível vislumbrar na lanterna mágica as duas Joinvilles. Os desenhos coloridos dos projetos, perdem o brilho, a fantasia da computação gráfica, não sobrevive à claridade da luz do sol. E aos poucos as pessoas percebem que a nossa cidade é a real, a de cada dia, a das filas, dos buracos, que tem poeira na época de seca, a do barro na época de chuva.

A outra é uma fantasia, que existe só nas cabeças e nos sonhos e nas sandices que propalam. 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Paris, 2013

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Paris está em chamas. Um domingo de manifestações violentas que acabou com lojas destruídas, carros incendiados e monumentos vandalizados. Tudo começou com as ações, nas últimas semanas, dos chamados “Coletes Amarelos”, movimento surgido no seio de uma sociedade em que a classe média se diz sufocada por impostos. O estopim foi a taxa sobre os impostos dos combustíveis.

Na noite deste último domingo muitos foram dormir com um travo amargo na boca. As manifestações fugiram ao controle. O movimento - espontâneo, orgânico e legítimo - tem o objetivo de protestar, mas o uso da violência não estava no horizonte da maioria. Mas as coisas descambaram e o dia acabou com mais de 300 manifestantes e uma morte a registrar (a terceira desde o início do movimento).

As coisas são confusas. O movimento é espontâneo e não tem lideranças (se tiver institucionaliza-se). É tudo descentralizado. Por essa razão que as manifestações pipocam aqui e acolá, sempre convocadas pelas redes sociais. O governo de Emmanuel Macron tem dificuldades em encontrar interlocutores tem se limitado a falar com os partidos políticos que, vale salientar, não representam os “Coletes Amarelos”.

Mas tudo faz lembrar o Brasil de 2013. Por quê? Porque também é um movimento que começa de forma legítima, mas que acaba descambando para a violência, com a infiltração de grupos extremistas. No caso da França, o “Coletes Amarelos” teve a infiltração dos opostos, a ultra-extrema direita e a extrema esquerda anarquista. É só vestir o colete e está integrado. O resultado é o que se viu nas ruas de Paris no domingo.

Todos sabemos que a escalada de 2013, no Brasil, provocou a degradação política que acabou com Bolsonaro no poder. É quase o mesmo na França, onde todos pedem a queda de Macron. As instituições são mais sólidas na França, mas nunca se sabe onde o irracionalismo pode levar as nações. A última vez que tivemos algo parecido no continente o resultado foi um Berlusconi.

E sabem o que é mais irônico. É que o atual presidente está a pressionar os preços dos combustíveis fósseis para valorizar as energias limpas. Mas as classes médias não vão nessa cantiga. Nunca vão…

É a dança da chuva.

Campeão