sexta-feira, 8 de junho de 2018

O ativismo identitário e a segunda morte de Dona Ivone Lara

POR CLÓVIS GRUNER 

O ativismo identitário conseguiu mais uma vitória de Pirro. Apenas três dias depois de anunciada como a intérprete de Dona Ivone Lara no musical “Dona Ivone Lara – um sorriso negro”, a sambista Fabiana Cozza renunciou ao papel, após os ataques violentos que sofreu de militantes ignorantes, entre outras coisas, que sua escolha não foi um capricho da produção do espetáculo.

Seu nome contava com o aval dos familiares de Ivone Lara e da própria biografada – falecida em abril último, aos 96 anos –, pois o projeto começou a ser concebido na década passada. A justificativa para a investida contra Fabiana foi que, filha de pai negro (e sambista) e mãe branca, ela não é uma “preta retinta”. Ao aceitar interpretar Dona Ivone Lara nos palcos, Cozza estaria usufruindo do privilégio de ter a pele mais clara e contribuindo para a invisibilidade de artistas negros de pele mais escura.

Não vou discutir a cor da pela e a negritude de Fabiana Cozza. Gente mais capacitada e com legitimidade de sobra já o fez, em apoio a ela – Leci Brandão, Chico César, Emicida, além dos familiares e da própria Ivone Lara. Meu objetivo é discutir a violência que tem sido a tônica da atuação de parte da militância, particularmente nas redes sociais, capitaneada por influenciadores e influenciadoras digitais ávidos por likes e novos seguidores.

A quem acompanha a terra quase sem lei que é a internet, não é novidade que parcela da esquerda brasileira que a frequenta, os chamados “movimentos identitários”, se caracteriza pela prática de um policiamento moralista, arrogante e autoritário. Hostis ao diálogo com quem consideram diferentes – e a diferença se tornou evidência e prova de culpa –, são pródigos em apontar inimigos por toda parte, nem que isso signifique produzi-los.

O comportamento é mais abertamente visível nos "influenciadores de opinião”. Com milhares de seguidores alguns deles, eles parecem menos preocupados em abrir espaços de discussão, qualificar o debate público, em suma, desmantelar as muitas estruturas de poder e preconceito que os oprimem, e mais em uma busca incessante por curtidas e comentários elogiosos, pela sensação de que exercem uma influência sobre um número cada vez maior de seguidores.

A política da lacração – Nesse sentido, a performance é mais importante que a argumentação, e quanto mais intolerante e sectário o comportamento com o interlocutor, maior a “lacração”. Há um misto de preguiça, arrogância e covardia a sustentar uma prática que prescinde do diálogo, substituindo-o pelo ressentimento puro e simples, e confunde confronto com violência, tomada aqui em sua acepção mais restrita: o ato de intimidar, pelo recurso à força – que é, nas redes, principalmente discursiva – aquele que se pretende desqualificar.

Há muita preguiça em uma rede de circulação de textos e ideias que, basicamente, se alimenta e retroalimenta de uma maneira autorreferente e autossuficiente. Em um bom número de blogs e perfis de ativistas, não apenas o esforço de leitura começa e termina dentro da própria rede, como se compartilha um tipo de convicção ingênua de que os movimentos negros, feminista e LGBT nasceram com eles. O passado, quando aparece, surge de forma anacrônica, quando não meramente ilustrativa.

Como resultado, se ignora o esforço de construção desses movimentos e as muitas e complexas redes que os ligam a diferentes temporalidades. Dito de outro modo, falta historicidade a uma boa parte dos movimentos e ativistas, que parecem viver em um contínuo presente porque julgam desnecessário inserir sua militância em um tempo mais amplo, que contemple o passado e suas descontinuidades, seus avanços e recuos.

A fixação no presente explica também a arrogância que se expressa em uma espécie de estoicismo vulgar e virtual: na conduta do militante, sempre moralmente certa e reta, não há espaço para a incoerência e a contradição. Esse novo estoicismo, de verniz moralizante, justifica a exposição pública, a desqualificação, o linchamento de quem escapa a ele e a identidade que o define. Lombrosianos redivivos, os militantes identitários atribuem ao seu inimigo um olhar determinista que naturaliza sua diferença, transformada em uma desigualdade irredutível.

Há algumas explicações possíveis para essas condutas. Uma delas é de que, sem vitórias significativas, apesar de algumas conquistas mais ou menos pontuais, e depois de verem suas reivindicações incorporadas, diluídas e, algumas delas, nunca atendidas, por governos de esquerda – a descriminalização do aborto, por exemplo, nunca avançou –, sobrou a esses movimentos a truculência e o extremismo alimentados, ambos, pelo ressentimento.

Tornado afeto central da militância identitária, o ressentimento é potencializado nas redes sociais. Elas permitem que sentenças sejam rapidamente promulgadas e executadas pelos tribunais populares midiáticos, sem o filtro da reflexão mais ponderada, do debate, do enfrentamento de posições, resumindo tudo a acusações que cabem em uma ou duas frases, com algum esforço, em um post. Grosso modo, os movimentos identitários retiveram o pior da justiça tradicional – seu caráter excludente, por exemplo –, sem preservar, no entanto, seus poucos méritos.

A identidade como violência – Em seu livro “Identidade e violência: a ilusão do destino”, o economista indiano Amartya Sen nos lembra que as identidades (étnicas, religiosas, de gênero, etc.) tanto confortam como matam, denunciando o risco do que chama de “cativeiro” quando a cultura se deixa dobrar à “ilusão identitária”. Ele defende que identidades são plurais e as fronteiras entre elas, porosas e historicamente constituídas.

Isso não significa renunciar a características que definem, simbolicamente, nosso “lugar” no mundo, nem desconhecer as desigualdades hierárquicas que atravessam as relações entre diferentes culturas. Mas reduzir a identidade a algo absoluto, uno e coeso é perigoso porque, entre outras coisas, incentiva a construção e a percepção do outro como inimigo, tomando-o a partir de uma essência (étnica, religiosa, de gênero, etc.) ela própria artificial – não desempenhamos, socialmente, um papel único, mas múltiplos, plurais e não raro contraditórios papéis.

Um dos custos dessa busca por uma identidade singular e essencialista é o reconhecimento sempre limitado do outro, dificultando as possibilidades do encontro e da troca dialógica a partir de características mais ou menos comuns. E se Sen associa esse movimento em especial aos grupos e ideias nacionalistas de cunho mais conservador, no Brasil tem sido principalmente parte da esquerda a desempenhá-lo.

Os ataques contra Fabiana Cozza são apenas o mais recente, mas não o primeiro e, desconfio, nem o último caso de violência simbólica, protagonizado pelas redes de militância em nome da identidade e reivindicando, como justificativa, o combate à discriminação e suas consequências. Não há dúvidas que denunciar e combater as diferentes formas de preconceito e suas muitas violências é uma tarefa ética e política das mais urgentes.

Mas se a intenção é realmente desmantelar as estruturas profundas que os produzem e reproduzem, a militância identitária poderia tentar substituir a estratégia do linchamento e da desqualificação pelo confronto e a crítica capazes de forjar alianças, por exemplo, ao invés de se fecharem e cerrarem possibilidades de diálogo. Afinal, o ativismo identitário, suponho, sabe quem são seus verdadeiros inimigos.

Mas a enfrentá-los, inventa novas monstruosidades e produz novos inimigos a serem combatidos e linchados publicamente, em uma sanha persecutória e punitivista que condenamos quando vem da direita ou do Estado. E supõe, ou simplesmente finge supor que, com essa prática lamentável em que se cruzam egos, ressentimentos e disputas mesquinhas por nacos de poder, está de fato tornando esse mundo um lugar mais suportável. Mas não está.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

10 cuidados para ter no Facebook

POR LEO VORTIS
Durante muito tempo, o mundo viveu apenas com as esferas privada e pública. Mas as redes sociais vierem mudar essa realidade, introduzindo o conceito de esfera digital. As redes sociais, em especial o Facebook, são muito boas para comunicar, mas também podem representar um perigo em termos de quebra de privacidade.

Depois do escândalo da Cambridge Analytica, a imprensa mundial passou a fazer listas de recomendações sobre cuidados que você deve ter em relação ao Facebook. E hoje, baseado num texto do britânico “The Independent”, publico aqui um decálogo a conter algumas recomendações essenciais para preservar a sua privacidade.

1. A data do aniversário
Muita gente usa a data de aniversário como senha para muitas ações online. É possível que alguém parta desse dado para tentar acessar a sua conta bancária ou obter dados pessoais.
2. Número de telefone
Já imaginou alguém que você não conhece - e nem quer conhecer - telefonando a qualquer hora? Ou pior, entrando num processo de cyberbulling ou stalking – de cariz sexual ou não.
3. Abrir mão dos “amigos” 
Que tal abrir mão dos amigos que não são amigos? Segundo o “The Independent”, o professor de psicologia de Oxford, Robin Dunbar, desenvolveu uma tese segundo a qual uma pessoa só consegue manter  cerca de 150 relacionamentos estáveis. E a maioria dos amigos virtuais não estará ao seu lado quando precisar deles.
4. Fotografias de crianças ou jovens? Não…
Para começar, uma criança não pode dar permissão, mesmo aos pais. E como nunca se sabe quem está do outro lado, a melhor ideia é não abrir portas para intrusos, ainda que teoricamente virtuais.
5. Não revele a escola dos seus filhos
O número de crimes sexuais registrados tem crescido em alguns países. Evite dizer onde o seu filho está, porque os agressores sexuais podem estar à espreita.
6. Evite serviços de localização
Os sistemas Android ou o iPhone têm serviços de localização. Evite usar. Porque se alguém deseja prejudicá-lo não é boa ideia ele saber onde você está.
7. Evite comentários sobre o seu local de trabalho
É um caso comum. Cuidado com o que diz no Facebook, em especial sobre o trabalho. Qualquer pessoa – no caso, um chefe – pode acessar o seu perfil e ver o seu comportamento. Evite críticas públicas à sua empresa. Ah... mas há formas de excluir o acesso de certas pessoas.
8. Não marque o seu endereço
Muita gente marca o lugar onde vive e fornece o próprio endereço. Pode haver problemas. Por exemplo: há pessoas que gostam de mostrar fotografias das férias, enquanto ainda estão fora. Tudo bem. Mas é melhor não esquecer que há gente mal intencionada (os tais amigos do alheio) que fica sabendo que você não está em casa.
9. Numa relação? 
Guarde essa informação para si e para a sua vida pessoal. Há muitas razões. A primeira é que os relacionamentos acabam e a mudança de status sempre chama a atenção. A outra é que pessoas que não gostam de você também podem começar a chatear a sua cara metade. O mesmo vale para o resto da família.
10. Detalhes do cartão de crédito
Mas nem que a vaca tussa.

terça-feira, 5 de junho de 2018

Foram pedir intervenção no 62º BI? Só pode ser fake news...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
As fake news são um problema sério destes tempos. É preciso ter muito cuidado com as coisas que aparecem na internet (e não só). E dou um exemplo recente de notícia falsa: circula, por aí, um vídeo que mostra uns grunhos em frente ao 62º Batalhão de Infantaria de Joinville pedindo intervenção militar. Tem que ser fake.

Só pode ser um vídeo forjado, com imagens falsas e uso de montagem em pós-produção. Está na cara que é fake, porque não há gente assim tão burra em Joinville. Eu, pelo menos, me recuso a acreditar. É uma cidade conservadora, sim, mas nunca desceria a esse nível de estupidez.

Aliás, a mentira é tanta que até vi umas imagens onde aparecem pessoas vestindo a camisa amarela da CBF. Ah... conta outra. Quem tem coragem de usar essa camisa depois da desgraça que têm sido os dois anos do governo Temer? Não em Joinville. E quem tem a falta de juízo de pagar 450 pilas por uma camisa que virou sinônimo de mico?

O filme é tão falso que aparece o argumento mais jegue possível. Se as Forças Armadas não ficarem ao lado da população, o Brasil vira uma Venezuela. Uai! Não faz sentido. Até porque não há esse perigo. Lá Maduro está a resistir o quanto pode para não entregar o petróleo. No Brasil, o pessoal entregou facinho, facinho para os gringos.

Para completar a insanidade, li o seguinte: “Os brasileiros não são venezuelanos! É hora das Forças Armadas trabalharem para a nação brasileira e não para um governo que quer que a nação pague o que foi roubada dela”. Peraê. Será que estão a falar de Temer, o resultado impeachment que eles pediram?

Só pode ser fake. Ninguém em Joinville seria tonto ao ponto de dizer esse tipo de asnice em público. E ninguém seguiria um maluco desses. Porque a ser verdade, só restaria usar a lógica do ditado antigo: se cobrir vira circo, se trancar vira hospício. Meu santo Simão Bacamarte, aí seria um caso de internamento.

É a dança da chuva.


Notícias fresquinhas (e verdadeiras) para os que acreditam não ter havido corrupção durante a ditadura militar

segunda-feira, 4 de junho de 2018

A greve dos caminhoneiros pôs o país de joelhos. E agora?


POR JORDI CASTAN
Não há como não comentar a greve dos caminhoneiros, seu desenvolvimento, seus impactos e os aprendizados a tirar dela. Comentar o que foi, o que não foi ou, melhor ainda, o que poderia ter sido e não foi.

Primeiro, não foi surpresa. Se alguém no governo - ou nos governos - diz ter sido pego de surpresa ou mente ou achou que não ia dar em nada, como quase tudo neste Brasil. Não foi falta de aviso. O setor de transporte rodoviário vive, desde faz tempo, numa crise que só tem se agravado. Cresceu - e muito - na onda dos preços controlados pelo governo e no crédito fácil que estimulou o consumo e levou ao aumento da frota além do necessário. Se agigantou na falta de infraestrutura adequada e disparou de vez quando a Petrobras passou a praticar preços de mercado. E acabou o sonho.

Um frete rodoviário de Natal a São Paulo custa aproximadamente R$ 16.000, dos quais quase R$ 13.000 são para pagar o óleo diesel, outros R$ 1.200 para pedágios, o resto para pagar o desgaste de pneus, manutenção, salário e despesas. E ainda falta remunerar o investimento. As contas só saem mesmo para quem não tem contato com o Brasil real.

É evidente que essa bomba estouraria mais cedo ou mais tarde. Estourou por conta do preço do óleo diesel e quando os caminhoneiros receberam o apoio da população. Porque é importante lembrar que, antes que aparecessem os oportunistas de sempre, a maioria da população apoiou a greve. Depois aos poucos o movimento foi perdendo foco. Ou talvez ganhando foco, até porque o foco era o preço do diesel e dos pedágios. E na medida em que o governo, tardiamente e devagar demais, atendeu as reivindicações dos grevistas, o brasileiro percebeu que de novo seria ele quem teria que pagar a conta. E neste ponto o apoio começou a arrefecer.

O resultado é que o governo não mexeu onde deveria. Todos vamos pagar o subsídio concedido aos caminhoneiros e ,já sabemos, que este modelo de subsídios pontuais a determinadas categorias em detrimento de outras, não resolve o problema, que fica só postergado. O Brasil precisa cortar na carne. Precisa cortar o número de carros oficiais, os supersalários - acima do limite constitucional -, os benefícios ilegais e imorais. Precisa reduzir as estruturas inchadas e ineficientes, cortar os R$ 28.000.000 que custa por dia o Congresso Nacional. Precisa cortar a carga tributária.

E não só não o fez, como escolheu cortar na saúde, na educação e na desoneração das exportações. Sem reduzir o tamanho do Estado, o Brasil não tem solução. O gasto público está fora de controle e o que poderia ter sido o início de um movimento para reduzir o tamanho do estado e cortar o gasto público acabou sendo só uma greve por R$ 0,46.

O Brasil segue deitado eternamente em berço esplendido. Quanto maior for o governo, menor será o cidadão. A greve expôs a fragilidade de um país que não tem nem governantes, lideranças e nem a infraestrutura capazes de enfrentar os problemas de frente e resolvê-los. O alerta está dado. O Brasil é um gigante com pés de barro. Se houver uma próxima greve, porque não devemos nos surpreender se tivermos outra a curto prazo, que seja geral, mais longa e com o apoio de todos, não haverá governo que resista. Um grupo de caminhoneiros usando WhatsApp colocou o país de joelho. É bom não esquecer.

Em tempo: tanto Santa Catarina como Joinville foram um péssimo exemplo de como lidar com uma greve. O governador e o prefeito agiram tarde e mal. Não estavam preparados para lidar com a gravidade da situação. Foram mal assessorados e não tiveram à altura da responsabilidade necessária.



sexta-feira, 1 de junho de 2018

É intervenção militar que vocês querem? Então Pra Frente Brasil...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
(COM VÍDEO)
Sempre que alguém pede uma intervenção militar – por outras palavras, uma ditadura – fico a pensar numa cura para essa doença mental. A solução ideal seria, por um passe de mágica, transportar a pessoa para uma sociedade em ditadura. Obviamente é impossível e a mágica não vai tão longe. Mas por sorte existe a arte.

O filme “Pra Frente Brasil”, de Roberto Farias, pode ser muito ilustrativo para levar esses idiotas a “viverem” uma experiência com a ditadura. A narrativa fala de um cidadão comum que cai por engano nas mãos de torturadores do regime militar. Realizado na década de 80, é considerado um dos 100 melhores filmes de toda a história do cinema brasileiro.

“Pra Frente Brasil” é uma mistura de realidade e ficção. E por agora proponho um exercício ao leitora e à leitora: imagine que você é Jofre Godói (vivido por Reginaldo Faria), o cidadão inocente, e que o Dr. Barreto (Carlos Zara) é o coronel Brilhante Ustra, aquele mesmo que foi homenageado por Jair Bolsonaro no Congresso Nacional.

Neste excerto, Reginaldo Faria tem um monólogo interessante. Eis: “eu sempre fui neutro, apolítico, nunca fiz nada contra ninguém. Eu não sou dos que são contra. Eu sou um homem comum, eu trabalho, eu tenho emprego, documento, tenho mulher, tenho filho, eu pago imposto, ninguém tem o direito de fazer isso comigo… e os meus direitos?”.

Perceberam a reflexão? O personagem, um homem honesto e trabalhador de classe média, pode ser considerado aquilo que muitos chamam “gente de bem”. Mas as ditaduras estão recheadas de cretinos que não ligam para isso. O filme a seguir tem pouco mais de cinco minutos e foca as cenas de tortura.

É a dança da chuva.