sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Incrédulo, o mundo vê o Brasil descendo a ladeira...


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Episódio 1. Há duas semanas, o jornal “Metro”, do Reino Unido, publicava uma matéria a dizer que “detentos fazem churrasco de carne humana e despertam medo de canibalismo em tumultos nas prisões”. Era uma matéria sobre os motins nas prisões brasileiras, que fizeram dezenas de mortos, e narrava os episódios de decapitações e desmembramentos de prisioneiros.

Episódio 2. Nesta quinta-feira, o espanhol “El Mundo” trazia a seguinte manchete: “candidato ao Supremo brasileiro plagiou um livro de um ex-presidente do Conselho de Estado espanhol”. É uma referência à indicação de Alexandre de Moraes, atual ministro da Justiça, para o Supremo Tribunal Federal.

Episódio 3. Ontem à noite, o telejornal do canal português SIC Notícias mostrou uma reportagem de quase oito minutos sobre os acontecimentos no Espírito Santo, com intervenções ao vivo. Havia uma certa incredulidade dos realizadores da peça, que teve a participação de jornalistas de uma emissora de televisão capixaba, e destacou os mais de 100 mortos.

A ideia de pinçar estes três episódios, aparentemente desconectados (claro que não são), tem a intenção de mostrar como o Brasil é visto no exterior neste momento. As notícias que vão chegando todos os dias criam a imagem de um país que caiu na anomia. Ou seja, uma terra onde a lei corre ao sabor dos “donos do poder” e onde o estado de direito virou quimera. Há um preço. Os investidores fogem, os turistas não se interessam e o respeito internacional de esfacela.

Os críticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobem nas tamancas com este tipo de afirmação, mas o fato é que desde que ele ascendeu ao poder a imagem do Brasil passou a ser respeitada em todo o mundo. O país saiu da minoridade (a velha teoria da dependência) para tornar-se um player proeminente. E isso, como é óbvio, impulsionou a economia do país. Infelizmente são tempos que já lá vão.

Hoje a degradação tornou-se uma imagem de marca do país. Mas a coisa não vem de hoje. O momento de viragem parece ter sido o ano de 2013, quando a ascensão do ideário neofascista - portanto, contra a democracia - ganhou expressão e levou o Brasil à esculhambação institucional. O resultado concreto dessa situação foi o impeachment de Dilma Rousseff. A olhar para a situação caótica do país nos dias de hoje, fica a lição. Não se brinca com a democracia. Uma vez quebrada, ela é como um espelho: não adianta colar, porque a imagem nunca vai ser a mesma.

A cara de pau de um ministro plagiador e de quem o indica para um dos cargos mais importantes da nação. A assustadora introdução da palavra “canibalismo” na semântica de rebeliões nos presídios. A polícia a ser o motor de uma greve que promove o caos. Todos estes elementos, de consequências mais ou menos graves, estão interligados. Porque refletem a desumanização da sociedade, a desagregação do estado de direito e a banalidade do mal (passe o clichê).

O mundo está de olho. Incrédulo. E sabe que o denominador comum é o desprezo pela democracia. A história cobra quando se abre mão da moral, da ética e do mais elementar bom senso. É um preço que todos vão pagar, desde os que vestiram de amarelo até os que pediram o respeito pela regra do jogo. 


É a dança da chuva.

Paneleiro.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

As diferenças entre direita e esquerda sobre Segurança Pública

POR FELIPE SILVEIRA

Segurança Pública é, muito provavelmente, a questão que mais divide direita e esquerda hoje. Tema da vez no Brasil, a discussão precisa encontrar pontos de convergência para produzir algum avanço. Se a direita é punitivista e não consegue enxergar as complexidades produtoras de violência social, a esquerda, pelo menos uma parte, se recusa a discutir propostas de curto prazo, de modo que não consegue oferecer uma resposta convincente à população.

A esquerda defende que a violência é resultado de uma sociedade desigual e é a resolução deste problema que vai resolver o primeiro por consequência. O argumento se justifica ao olhar para sociedades mais iguais, ricas (Suíça e outros países do norte europeu) ou pobres (Cuba), onde os índices de violência são muito baixos. Como a direita não quer uma sociedade mais igualitária (ser de direita, em resumo, é isso), mas quer uma sociedade com menos crimes (especialmente contra o patrimônio), ela precisa de outros argumentos. Foca-se, então, no armamento da população (ótimo negócio para a indústria bélica) e no punitivismo mais louco.

O problema da argumentação à esquerda é que desigualdade social não se resolve do dia pra noite e as pessoas estão amedrontadas com a quantidade de crimes violentos que ocorrem diariamente. Amedrontadas e indignadas porque perderam bens materiais e perderam pessoas para a violência. Mesmo em locais onde há redução da desigualdade (melhora no IDH), há aumento da violência, pois esta não é uma solução de curto prazo.

As ideias de esquerda a respeito da segurança não se resumem à redução da desigualdade. A legalização/descriminalização das drogas, em especial da maconha, está totalmente atrelada à discussão. A desmilitarização da PM também. Penas alternativas, tratamentos psicológicos, redução do punitivismo, educação e lazer no sistema penitenciário fazem parte de uma gama de pequenas soluções. Porém, tudo isso é lido como “pena de vagabundo” e “coisa de maconhista”.

Uma parte da responsabilidade sobre essa interpretação é da própria esquerda, que não se prepara para o diálogo e para explicar suas propostas sobre a legalização da maconha e o desencarceramento. A repetição de clichês e uma confusão argumentativa permitem que a direita nade de braçada no debate, deturpando as propostas mais progressistas.

Um exemplo disso é a questão do “fim da Polícia Militar”. A ideia é clara: desmilitarizar a polícia, promovendo melhorias na instituição (melhor preparação, garantia de direitos etc.), e ao mesmo tempo denunciar os abusos cometidos cotidianamente pelos fardados. A direita explora essa ideia como se a esquerda quisesse o fim da polícia, pura e simplesmente isso. Além disso, uma parte da esquerda realmente quer o fim da polícia e pronto.

É preciso enfrentar essa confusão, essa conversa torta, onde cada um grita no seu canto e a população vai na onda da indignação, pois isso responde seus anseios. Estabelecer o diálogo, construir pontes e criar propostas de médio, curto e longo prazo são coisas necessárias. Para isso, estudar as propostas que já existem e cuidar para não reproduzir clichês se tornam urgentes.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Sobre primeiras-damas e ódios coletivos



POR CECÍLIA SANTOS
Semana passada faleceu Marisa Letícia, esposa do homem mais odiado deste país. As demonstrações de insensibilidade e violência chocaram até os mais alheios às batalhas ideológicas nas redes, que muitos sinalizam como a etapa anterior ao fascismo.

Marisa Letícia foi uma mulher de origem bastante humilde, que por necessidade começou a trabalhar por volta dos 10 anos de idade. Nós da classe média não conseguimos conceber o que significa precisar colocar nossas crianças superprotegidas para trabalhar com essa idade. Mas a realidade fora dos nossos condomínios é outra. E eis que um dia a ex-babá se tornou primeira-dama do Brasil.

E o que significa ser primeira-dama? É uma função meramente protocolar e não remunerada. A esposa do ex-presidente Getúlio Vargas criou a LBV – Legião da Boa Vontade, que durou até a gestão Collor. No governo de Fernando Henrique Cardoso, sua mulher, Ruth Cardoso, criou o Programa Comunidade Solidária, que deu origem a diversos programas sociais. Estes, mais tarde, foram colocados sob a responsabilidade de secretarias especializadas, o que faz muito mais sentido, pois conduzidos por pessoas que têm formação e competências específicas.

Com o impeachment e a necessidade de tentar melhorar a imagem de um governo composto exclusivamente por homens brancos, ricos e velhos, a mídia tentou promover a imagem de Marcela Temer e ela foi nomeada embaixadora do programa “Criança Feliz”, do qual pouco se ouve falar até o momento.

Então Marisa Letícia não assumiu nenhuma função assistencialista no governo Lula e manteve-se distante dos holofotes. O que absolutamente não a poupou de críticas. Quando ela e Lula fizeram uma festa junina na residência oficial, valorizando uma das nossas tradições populares que tenta resistir à influência de cowboys texanos e de músicas sertanejas de qualidade duvidosa, a elite brasileira ficou profundamente ofendida.

Não vou tratar aqui das acusações feitas contra ela e Lula, muito menos dos detalhes da vida, morte ou velório da Marisa Letícia. Eu só queria entender qual é a razão de tanto ódio contra ela.

Uma das explicações que eu arrisco é que Marisa Letícia se parecia muito com qualquer um de nós. Tinha talvez os nossos mesmos hábitos prosaicos e correspondia demais à imagem das mães e avós que todos nós conhecemos. Ela não se encaixava na imagem decorativa e glamorosa que muita gente insiste em associar às mulheres de presidentes, como Jacqueline Kennedy ou Carla Bruni.

Mais que isso, Marisa ousou emergir da sua origem humilde e ocupar um palácio de governo durante alguns anos. E nem quando voltou para o mesmo apartamento classe média em São Bernardo do Campo as pessoas lhe deram sossego.

O que me espanta é essa repulsa a um lugar de poder ser ocupado por pessoas iguais a nós, ainda que essas pessoas, quando líderes, vivenciem nossa realidade e conheçam nossos problemas melhor que ninguém. A gente não entende o que significa democracia, no seu mais básico sentido, que é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Entregamos felizes nosso destino nas mãos de governos plutocráticos.

Quanto às acusações feitas a Marisa e Lula, também não acredito que justifiquem tanto ódio (na verdade, nada justifica o ódio). Penso nisso quando me lembro das selfies de Claudia Cruz, esposa de Eduardo Cunha, feitas na fachada de grandes maisons francesas, exibindo sacolas com compras de milhares de reais cada, que inclusive serviram para que a Receita Federal confirmasse as acusações de gastos incompatíveis com a renda do casal. Claudia anda flanando por aí sem ser incomodada, o que me leva a crer que não é a corrupção que mobiliza a direita. Ou pelo menos nem toda corrupção.