POR FILIPE FERRARI
Na participação do Brasil nas Olimpíadas, talvez a medalha
que mais despertou reações internacionais tenha sido a do salto com vara, do
Thiago Braz. Entretanto, as reações não se deram por conta do feito do atleta,
mas sim pela reação da torcida: as vaias ao segundo colocado, o francês Renaud
Lavillenie.
Independente das motivações, se o francês foi arrogante ou
não, ou se cabe a vaia em um esporte de concentração, a questão que quero
trazer é outra: o uso da cordialidade. Depois do episódio e das diversas manifestações
da imprensa internacional e nacional, alguns lugares disseram que nós,
brasileiros, não somos mais cordiais.
Aí já começa o problema: estamos mais cordiais do que nunca!
Sérgio Buarque de Hollanda usa o termo a partir da raiz latina cordium, ou seja, coração. O homem
cordial não é o homem bondoso, bacana, legal; mas sim aquele que pensa a partir
de suas próprias convicções e vontades, passando por cima das regras e da
legalidade. Assim, a pessoa age de forma a confundir o público com o privado,
ou entender as relações públicas como extensão da sua casa. As relações
familiares se estendem para a sociedade, impedindo a formação de alguma ordem
pública, pois os agentes dotados de poder agem como se a população fosse seus
parentes, para o bem ou para o mal.
Sendo assim, quando não se respeita o suposto ambiente de
concentração de um esporte, há a cordialidade. Quando, em um estádio, se leva o
laser para tentar atrapalhar a visão do goleiro, há cordialidade.
Mas, não para por aí. Quando um médico dá um atestado sem
achar motivo, é cordialidade, quando um vereador coloca um amigo ou cabo
eleitoral em algum cargo no qual o mesmo não tem preparação, também é
cordialidade.
Nessas eleições municipais, temos show de cordialidades. Um
prefeito que enche a cidade de pequenas obras nos 5 meses antes da eleição;
candidato a vereador que em sua página diz ter participado de diversos momentos
importantes da história dos movimentos estudantis e trabalhistas da cidade (e
esteve. Olhando. De longe.); candidatos/as que aproveitam espaço para perguntas
em debates acadêmicos para fazer discursos demagógicos e começar a aparecer para
seu público “alvo”; candidatos dentro das igrejas... A cordialidade brasileira
está em todas essas relações!
Ah! E as vaias ao francês? Merecidíssimas, ele é
um mala.