terça-feira, 17 de novembro de 2015

Saúde da população negra



POR VANESSA CARDOSO


A saúde é resultado da forma como as pessoas vivem, e o quanto acessam a educação, meio ambiente equilibrado, lazer, habitação, entre outros. A forma de organização da sociedade brasileira historicamente estabeleceu hierarquias por classe social, gênero e raça, que definiram diferentes formas desses indivíduos terem acesso aos determinantes do processo saúde-doença.

Dessa forma, a raça/cor/etnia é uma categoria importante a ser considerada quando se pensa em saúde no Brasil. Por muitos anos, a ideia de democracia racial difundida no país no período da ditadura militar, não permitiu avanços na relação entre a raça e a saúde, mas ações intensas do movimento negro culminaram na criação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que define diretrizes para esse cuidado no Brasil.

O Sistema Único de Saúde (SUS) já prevê entre seus princípios a equidade, que significa ofertar mais a quem mais precisa, ou seja, prestar um cuidado igualitário, mas respeitando as desigualdades existentes, portanto, é essencial que os serviços e principalmente os profissionais da saúde conheçam as diferentes formas de viver, adoecer e morrer, para que prestem uma assistência à saúde mais singular.

Um dos fatores essenciais para estabelecer indicadores de saúde com recorte racial é o preenchimento adequado do quesito raça/cor nos instrumentos utilizados nos serviços de saúde. Do Censo do ano 2000 para o de 2010, foi observado um aumento no número de pessoas que se autodeclararam negras (pretos e pardos) no Brasil. É importante que os serviços compreendam e importância e estejam preparados para perguntar, qual a sua cor? E a população empoderada para responder adequadamente. Em Joinville no Censo de 2000 7,19% da população se declarou negra, já no Censo de 2010 aumentou para 13,55%.

Os avanços nos registros acabam revelando uma triste realidade nos indicadores sociais e de saúde, ainda somos maioria entre as vítimas de violência, entre aqueles que vivem com menos de ¼ de salário mínimo e entre os que nunca acessaram o serviço de saúde para coleta de exame preventivo de colo do útero, exame de mamografia ou consulta com o dentista.

Nos indicadores de saúde podemos observar o impacto em agravos geneticamente determinado e naqueles adquiridos, agravados ou de tratamento dificultado pelas condições desfavoráveis de vida da população negra, entre eles a anemia falciforme que é mais prevalente na população negra; a hipertensão arterial (pressão alta) que é mais frequente, inicia mais precocemente e apresenta evolução mais grave na população negra; glaucoma mais prevalente e mais grave nos negros; miomas, 3 vezes mais comum em mulheres negras; o diabetes tipo 2 que é 9% mais comum entre os homens negros que em brancos e 50% em mulheres negras que em brancas; além das doenças do trabalho, mortes violentas, mortalidade materna e mortalidade infantil.

Reconhecendo esta situação o Ministério da Saúde lançou, em 2014, a Campanha de Enfrentamento ao Racismo no SUS, pois ao produzir situações de vida contrárias à promoção de saúde, tornar difícil o acesso da população negra aos diferentes setores e níveis do SUS ou propagar e utilizar preconceitos e estereótipos nos atendimentos são estabelecidos entraves na garantia da saúde da população negra.

Enfim, é importante a produção de conhecimento científico com recorte racial, capacitação dos profissionais de saúde e subsidiar a população com informações adequadas para que possamos construir coletivamente uma atenção à saúde mais justa.


Vanessa Cardoso possui graduação em Enfermagem pelo Instituto Superior e Centro Educacional Luterano Bom Jesus/IELUSC (2003). Mestranda em Saúde e Meio Ambiente. Atualmente é efetiva - Secretaria Municipal da Saúde de Joinville e docente do Curso de Graduação em Enfermagem. Tem experiência na área de Enfermagem, com ênfase em Enfermagem de Saúde Coletiva e Saúde da População Negra. Membro do Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A mulher negra e a luta feminista


POR NATÁLIA PONCIANO

Mais uma celebração semanal da Consciência Negra, na tentativa de permitir espaço, conscientização, e manifestação da nossa história. Críticas que ridicularizam este evento são constantes, depoimentos de ódio pela promoção de uma semana que visa o freio da discriminação racial que nos persegue até hoje.

Nosso país carrega nas costas uma dívida histórica com a população negra, esta dívida que reflete no cotidiano da nossa gente. Condutas provam que o país não cessou o racismo e não cessará até que tenhamos o espaço adequado, através da luta diária para, quem sabe, alcançarmos, um dia, o equilíbrio, a igualdade de direitos sem distinção, a consciência.

Importante ressaltar: a posição de ser mulher e negra no que diz respeito à invasão sexual,
à 
condição profissional e ao estereótipo. As curvas acentuadas do corpo, o cabelo crespo, a boca carnuda, os seios fartos são traços da beleza negra, onde não implicam transformar determinadas condições para saciar os desejos e curiosidades do homem, transformado-a apenas em um objeto para satisfazer o prazer e humilhando-a cada vez mais  no contexto da sociedade, por isso é importante discutir a Consciência Negra sempre vinculada à luta feminista.

A mulher negra também deseja (como de fato merece) ocupar o espaço que é seu por direito, sendo respeitada por seu intelectual e sua condição de ser humano, como outros inúmeros fatores.

No quesito profissional ser mulher e negra, a luta pela conquista de reconhecimento duplica, se não é que triplica, são puramente resquícios das mágoas deixadas pelo sistema escravista.

Os reflexos são fortes, ataques agressivos aos centros de religião africana, desrespeito constante as tradições da população negra. Na fala corriqueira a atribuição da cor preta como sinônimo de ruim, negativo. São estes comportamentos que a Consciência Negra visa reparar, visa dialogar, a fim de que possamos repensar conceitos de igualdade, permitindo e conquistando uma sociedade mais justa e humanitária em relação aos nossos direitos.

Respeito.

domingo, 15 de novembro de 2015

Xô, baixo astral


POR JORDI CASTAN

Com frequência leitores questionam o tom crítico dos meus posts aqui e no jornal ANotícia. O que mais escuto é: não há nada de bom em Joinville? Ora, fora o verde do Morro do Boa Vista, a imponência da Lagoa de Saguaçu e o espírito empreendedor dos joinvilenses tenho dificuldade em achar outros pontos que poder elogiar. O fato é que Joinville vive uma onda de baixo astral que já dura alguns anos. Não quero aqui entrar no mérito de se começou na gestão do Tebaldi, do Carlito ou já começou antes. O que parece unanimidade é que a cidade anda para trás. O baixo astral esta tomando conta até dos mais ferrenhos defensores desta terra.

Como sair desta espiral depressiva? Se vemos as cidades como entes vivos é possível entender o drama que Joinville vive. Sem rumo, sem ideias, sem visão e chorando a falta de recursos. Teve até candidato que dizia que o problema não era a falta de recursos e sim a falta de gestão. Como Joinville poderia sair deste marasmo em que esta mergulhada?

Vão ai cinco propostas do tipo "pegar ou largar". E já aviso que se aparece candidato com essas propostas no seu plano de governo não é para acreditar, porque o problema de Joinville vai muito além dos políticos. Eles têm uma boa parcela de culpa, mas sair desta situação não esta na mão do próximo prefeito é um desafio para todos.

1. Otimismo.
Quando falo em otimismo, não falo dessa coisa tão brasileira de “torcer”e não levantar do sofá. Otimismo atuante é fazer algo para mudar. É a capacidade de avançar quando os outros desistem. O otimismo deve ser tão forte que seja o inicio da própria mudança.

2. Ação determinante.
O otimismo não é suficiente. É preciso agir. Agir com vontade, com capacidade, com conhecimento e, principalmente, com coragem. A coragem que falta para tomar as decisões difíceis. E o que mais vemos aqui é a falta de decisão, o empurrar com a barriga, a falta de coragem. E falta de coragem tem nome.

3. Bússola moral.
Não é bonito o retrato de uma sociedade como a nossa: já se perdeu a noção do certo e do errado, bandidos têm tomado o poder e se foram perdidas as referências de moral e respeito. É imprescindível a volta da honra, da integridade, da fidelidade e dos valores éticos para auxiliar na tomada de decisões nesta situação difícil que enfrentamos. Difícil imaginar que qualquer dos nomes já colocados como pré-candidatos a prefeito tenham a menor noção do que isso seja sem recorrer ao dicionário. E, mesmo que o soubessem, falta-lhes a estatura moral para serem referência de alguma coisa.

4. Tenacidade a toda prova.
A persistência pode ser onipotente. Temos nos acostumado a ver os nossos administradores reclamarem que as coisas não acontecem, que os recursos não vêm, que a chuva faz isso, que se o sol faz aquilo, que há falta de recursos. Se houvesse, um campeonato internacional de escusas, Joinville estaria entre os primeiros. Não confundir tenacidade com teimosia. Ter um prefeito teimoso não faz dele um homem tenaz. Faz dele só um teimoso a mais. Se não há vento para encher as velas é hora de remar.

5. Apoio social.
Quem está junto? Quando a sociedade não apoia os projetos que são apresentados é hora de perguntar se são estes os projetos e as propostas que a cidade precisa. Não se sai deste buraco sozinho. Sem mobilizar toda a sociedade para alcançar os objetivos não será possível voltar a colocar Joinville onde nunca deveria ter saído.

A pergunta é: há em Joinville lideranças para capitanear este processo? Tem credibilidade para tanto? Estão dispostos? Ou vamos seguir andando para trás e sendo governados por quem não tem a capacidade e a competência que o momento exige? 

Macacos me mordam #3


quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Vamos falar de assédio?

POR CECÍLIA SANTOS

Olá. Eu hoje queria falar com você, leitor. Você mesmo, do sexo masculino. Talvez você tenha lido sobre a campanha #PrimeiroAssédio. Se não sabe do que se trata, eu explico: assim que começou o programa MasterChef Júnior na Bandeirantes, uma cambada começou a fazer piadas de cunho pedófilo em relação à menina Valentina, de apenas 12 anos, participante do programa.

Com a repercussão, um grupo de mulheres lançou a campanha #PrimeiroAssédio, contando nas redes sociais as próprias histórias de assédio. Deixa eu te contar uma coisa: tem mulheres que relatam que sofreram o primeiro assédio aos 5 anos de idade! Eu mesma fui perseguida por bando de garotos da minha escola aos 7. E sabe, a gente vai descobrindo aos poucos que quase todas as mulheres passaram por isso na infância e adolescência. Quase. Todas.

UM DADO "NOVO" - Isso significa que provavelmente aconteceu ou acontecerá com as mulheres próximas a você. Pergunte a elas. Não é assustador? Não dá uma sensação de impotência pensar que você não pode evitar que aconteça com quem você mais se importa? Nos relatos nas redes sociais, percebi que muitos homens estavam chocados com a dimensão do problema.

Curiosamente, era um dado “novo” para eles. Pois é. Nós mulheres não falávamos disso – pelo menos até agora. Muitas vezes não contamos nem para as pessoas em quem mais confiamos, como mãe, pai ou amiga. Ou sequer reconhecemos que sofremos assédio. Às vezes fica lá perdido nas memórias da infância. Porque é tão naturalizado que a gente às vezes nem registra.

Sabe por quê? Porque de alguma forma que eu não sei explicar, nós mulheres crescemos achando que a culpa é nossa. Fazem a gente sentir vergonha. Medo. Achamos que não vão acreditar em nós. Que vão nos tirar toda a liberdade. Nos ameaçam. Ou seja, nós mulheres é que pagamos a conta do assédio.

Não estou falando aqui de violência sexual, que é um problema ainda mais sério e, pasme, acontece até onde a gente menos imagina: dentro de casa, na casa do tio, do avô, do vizinho, da casa da coleguinha de escola. Também não estou falando de cantada, que é um assunto controverso. Muita gente, inclusive mulheres, acha que cantada é de boa. Eu particularmente não acho. Acho constrangedor e invasivo. Nunca precisei de elogios de estranhos para validar o meu corpo.

CONIVÊNCIA COM O ASSÉDIO - Quando a gente fala de assédio, significa o olhar malicioso, o comentário desrespeitoso, o contato não autorizado, a perseguição, o exercício de um poder cruel da parte mais forte sobre a parte mais fraca, especialmente quando se trata de meninas e adolescentes. Você deve estar pensando: se tantas meninas e mulheres são assediadas, quem é que faz isso? Existem alguns poucos assediadores em série superpoderosos? Porque, claro, a gente sabe que você não é um assediador. E você provavelmente tem certeza que os homens das suas relações também não são. Espero que não sejam mesmo.

Mas sabe, se alguma vez você buzinou para aquela pré-adolescente na rua, achando que o fato de ela estar vestindo shorts te autoriza a cantá-la, então você talvez seja um assediador. Se você riu daquele seu cunhado sem noção falando das “novinhas”, talvez você não seja um assediador, mas está apoiando a cultura do assédio. Se você continua a sair com aquele seu amigo que agarra as meninas pelo cabelo na balada, bem, você é conivente com o assédio.

Outro dia no ônibus duas jovens estavam conversando ao meu lado e cada uma contou a sua história do primeiro assédio. Com uma delas, foi na escola de inglês em que ela estudava. Eu ali ouvindo me dei conta de que, sim, é chocante que seja tão constante, mas ao mesmo tempo é tão importante que as mulheres estejam falando disso como nunca antes, estão expondo seus traumas e exigindo respeito, estejam indo para a rua e ocupando espaços na mídia.


Eu tenho esperança de que colocar o problema na mesa e discuti-lo é a única coisa que pode acabar com a cultura do assédio. E vai ser cada vez mais difícil recusar-se a admitir que ela existe. Pense nisso.