quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Crise! Qual crise?


POR VALDETE DAUFEMBACK NIEHUES


Depois de um ano intenso de trabalho, de estudo, de tentativa de compreensão das inconveniências ideológicas manifestadas nas redes sociais, eu só queria passar o fim de ano em um lugar calmo, sem a agitação da “ditadura” da contagem regressiva do tempo que, simbolicamente, se enterra o passado e faz nascer o futuro desejoso de uma vida fortuita, de paz, amor, saúde e dinheiro.

Assim, fui para a minha terra natal, no sítio onde à noite costuma-se ouvir os sons da natureza, a harmonia do canto dos pássaros ao amanhecer, o estilo da vida rural no dia seguinte. Enfim, o “direito à preguiça” estava garantido, tudo ao seu tempo.

Mas no segundo dia do ano a ficha caiu ao tentar visitar parentes e amigos residentes em centros urbanos de municípios nos arredores, pois as cidadezinhas estavam desertas, as casas de comércio fechadas, as residências trancadas, ninguém nas ruas. Para onde foi todo mundo? Percebi que a situação daquelas pequenas cidades não diferia muito de Joinville, onde nas férias de fim de ano até restaurantes e panificadoras se mudam para as praias. 


No terceiro dia, hora de voltar para Joinville. Durante o trajeto, que levou doze horas para percorrer trezentos e cinquenta quilômetros, além da paciência e do cansaço, fiquei observando a quantidade de carros com placas de todas as partes do Brasil que entravam e que saiam das cidades litorâneas, certamente de turistas ou veranistas em férias. Pensei: ‘Essa movimentação toda deve ser o reflexo da crise anunciada no ano passado desde as primeiras manifestações da eleição presidencial. Imagina se não houvesse crise’.


A história tem registrado que diante de uma crise econômica o lazer é o primeiro atributo a sair da lista do consumo dos trabalhadores. Será que a população brasileira mudou seu estilo de vida? Ou a mídia, aliada a interesses interesseiros de alguns políticos alardeou uma crise com propósitos específicos?


A considerar o cenário internacional, não estou afirmando que o Brasil está livre de uma crise econômica. Porém, a crise anunciada, para tristeza de muita gente que torcia por um desastre na economia para desestruturar a política “esquerdista”, ainda está na lista de espera do tempo. Ora, as crises econômicas são necessárias porque possibilitam o surgimento de novos mercados, dizem os capitalistas. Sem elas o capital não se renovaria e entraria no processo entrópico. Além do mais, a crise força os trabalhadores a se atualizarem profissionalmente e assumirem o ônus das mudanças tecnológicas. 


Quanto ao próximo verão, para resolver o aborrecimento tumultuado do trânsito, quem sabe pensemos em um meio de transporte alternativo, barco, helicóptero, ou jatinho, talvez. 

Alguma dica de como construir aeroporto no sítio?  


quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Notas soltas sobre o caso Charlie

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

> A primeira edição do Charlie Hebdo pós-massacre já está nas bancas. O primeiro número anunciado era de um milhão de exemplares, passou para três milhões e, no final, acabou em cinco milhões. E foram poucos. Logo pela manhã os franceses formaram filas para comprar um exemplar do semanário, que hoje tem edições em 16 línguas e mais de 25 países. Esgotou.

> A capa da edição de hoje (à esquerda) traz uma imagem de Maomé a falar em perdão, a dizer que é Charlie, mas com uma lágrima no canto do olho.

> Fontes do “Le Canard Enchaine”, o maior semanário satírico francês, com tiragem de cerca de 500 mil exemplares, disseram ter recebido ameaças terroristas, com a promessa: “agora é a vossa vez”. Mais ataques à liberdade de expressão.

> A direita europeia começa a sacudir a água do capote. Diz que a austeridade imposta ao velho continente nos últimos anos nada tem a ver com a gênese de terroristas como Charif e Said Kouachi. Será que não? De qualquer forma, a preocupação dos conservadores em desconstruir essa teoria é um bom indicativo do contrário.

> A austeridade resulta em desemprego, desigualdade e miséria. O clima de exclusão tem relação com a cooptação de jovens europeus pelos extremistas? Tem. Que tal este exemplo? Há alguns anos, antes de ser recebido por Nicolas Sarkozy, o terrorista Amedi Coulibaly (o do segundo atentado em Paris) disse à imprensa que, caso tivesse oportunidade, iria pedir um emprego ao então presidente francês.

> Por estranho que pareça, no Brasil há muita gente a demonizar a França. Deve ser coisa de gente que nunca pôs os pés na terra de Asterix. A sociedade francesa é uma das mais inclusivas do mundo. É claro que há islamofobia. Mas não é generalizada e atinge mais intensamente franjas situadas à direita. 

> A esquerda brasileira entrou numa espiral esquizofrênica. Refém de ideias monolíticas, não sabe como reagir aos fatos. Não raro há tentativas de relativizar o ataque terrorista ao semanário Charlie. Temos que aceitar todos os pontos de vista. O problema é que os argumentos por vezes roçam a infantilidade.

> Em Paris, na França, morreram 17 pessoas. Em Baga, na Nigéria, morreram 2 mil pessoas. Ora, são ambos casos deploráveis e cada um tem o seu simbolismo. Mas fazer – como muita gente tem feito – uma comparação contábil entre os casos, de forma a relativizar o massacre de Paris, é um caso de desonestidade intelectual.

> Gente que se diz marxista a pedir respeito pela religião do outro. Ora, o primeiro objeto de estudo do velho barbudo (então jovem) foi justamente a religião, que ele considerava o maior problema das sociedades.


> E, sim, há muita gente empenhada em moldar as sociedades pelo medo. E não é só na França.

É como diz o velho deitado: "je suis le vieil homme couché".


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Olá!


Joinville em Chamas

POR FELIPE SILVEIRA

Estava lendo "O Dicionário da Corte de Paulo Francis" dias atrás e me deparei com o verbete “Gene Hackman”, que Francis usa para dar um pitaco sobre o que muda o mundo. Ele comenta a atuação do ator no filme "Mississipi em Chamas", no qual Hackman interpreta um agente do FBI que investiga o assassinato de três ativistas por direitos civis nos EUA (história baseada em fatos reais, sendo que o filme recebeu críticas por supostamente enaltecer o trabalho do FBI, diferente do que aconteceu longe das telas).

Diz Francis: “Hackman olha e ri nos falando uma enciclopédia britânica sobre a natureza humana. Não se vangloria e nem tem ilusões. São pessoas assim que avançam as causas, poucas ainda em que acreditamos, e não ideólogos e idealistas. São céticas, cínicas e eficientes. Nossa única esperança, e Gene Hackman é emblemático de nossa condição”.

Bom, eu até acho que pessoas assim “avançam as causas”, uma aqui, outra ali. Porém, seria ridículo interpretar que o próprio Francis ignorava outros fatores. Ele estava, acredito, apenas sendo Paulo Francis.

Interesses de grupos poderosos, questões religiosas, pessoas obstinadas, líderes loucos, multidões nas ruas, acaso... O mundo muda com a mistura de tudo isso, constantemente.

Ao povo, no entanto, resta a rua. Se os economicamente poderosos discutem e articulam seus interesses em algum prédio da Hermann Lepper ou da Beira-rio, o povo escancara seus desejos de maneira muito mais honesta nas ruas.

Sem perseguição política via sistema judiciário, sem capangas infiltrados para arrumar confusão, sem polícia conivente, sem mídia que fecha os olhos para o debate, sem artimanhas tão comuns aos que sempre lucram.

O povo na rua tem sua voz, seus cartazes, suas faixas e mais recentemente algumas câmeras para registrar sua poesia e, se necessário, o abuso dos outros. Como policiais que retiram suas identificações dos uniformes em pleno exercício da função.

Mas é um erro pensar que basta ir às ruas uma ou duas vezes e esperar que a partir daí as coisas se resolvam. “De que adianta?”, sempre ouvimos. Adianta que tudo faz parte de um processo e que lutas se acumulam ao longo de anos até que comecem a surgir resultados.

Os movimentos pelo passe livre, pela tarifa zero, têm aproximadamente uma década de atuação constante. Em 2013 conseguiu barrar o aumento da passagem do transporte coletivo em várias cidades, além de puxar um gigantesco movimento que envolveu toda a sociedade brasileira e que gera as mais diversas interpretações e opiniões. Sofreu e sofre forte repressão.

Mas é preciso continuar nas ruas. Acumular. Algo que nem é preciso dizer para aqueles que sempre estão lá. Eles não parecem esmorecer. Nem sob ameaças, nem com processos. Não parecem desanimar. E certamente não vão desistir.

Mas é preciso dizer a outros. Aos articuladores e leitores do Chuva Ácida, aos professores, aos estudantes, aos jornalistas, aos servidores públicos, aos profissionais da saúde. Pessoas que sabem o que acontece, como eles e outros são explorados cotidianamente, mas que parecem não se importar.

Talvez elas queiram ser como o personagem interpretado por Gene Hackman, na visão de Francis. Querem ser o sujeito que faz a sua parte da melhor forma possível.

Sabemos que não é suficiente.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Joinville e o mar

POR JORDI CASTAN

Não falha. Ano após ano, no calor do verão voltam alguns temas, como cometas que seguem um curso regular e fixo: não faltam ao seu encontro com Joinville e com os titulares. Por citar alguns: o aumento da tarifa de ônibus, o calor sufocante e úmido, a ligação entre Joinville e São Francisco do Sul e por aí vai.

Permitam escolher, aproveitando o calor, a época do ano e o aumento da tarifa de onibus, para tratar neste espaço a importância da ligação, via barco, entre Joinville e São Francisco do Sul, este ano acrescida ainda da ligação entre Joinville e Itapoá.

Confesso que minha memória não é mais a mesma, mas pelas minhas contas a empresa que agora oferece esse serviço é a quarta. Não sei por quê, mas algo me diz que não durará muito além das "aguas de março, fechando o verão".

É bom lembrar que o governo do Estado, por tanto com recursos públicos, investiu na construção do terminal de passageiros no cais Conde d'Eu. E a construção esta lá, ainda em pé, para não nos deixar esquecer do investimento. Também foram destinados recursos públicos para a dragagem do Rio Cachoeira, com um detalhe importante: o material dragado não pode ser retirado do rio e a obra exigiria dragagens periódicas para manter a hidrovia navegável. Portanto, além do custo da dragagem serão necessários novos recursos periodicamente. Para atender a legislação brasileira foi necessário ainda investir na sinalização de toda a hidrovia, desde o terminal próximo ao mercado até à Lagoa de Saguaçu e há que incluir no custo o valor do projeto e a implantação de bóias e material de sinalização.

O serviço de transporte de passageiros pela Baía da Babitonga hoje é oferecido com saída do trapiche do Espinheiros, num percorrido mais curto e que naã utiliza nenhuma outra infraestrutura que o próprio trapiche.

Os horários e as freqüências do serviço público ainda não foram informados, porque dependem do quadro de marés. Não deixa de ser um fato curioso, porque tabelas de marés são disponibilizadas e amplamente divulgadas com no mínimo um ano de antecedência. Tanto assim é que a Defesa Civil informa, com tempo, os dias horários com maior risco de enchentes o alagamentos em Joinville - caso coincidam chuvas intensas com maré alta, a chamada maré de lua.

A impressão que fica é a de não haver demanda suficiente para que serviço seja rentável durante todos os meses do ano. E ainda que não há um compromisso de oferecer um serviço que atenda a demanda que venha a existir. E assim, sem certeza da oferta regular e confiável do serviço entre as dois cidades, há menos possibilidades que o serviço se firme e se consolide.