domingo, 4 de agosto de 2013

Acredite, sou negro e catarinense

POR FELIPE CARDOSO

Como é bom morar em um estado que é comparado com a Europa, que tem clima europeu, que tem muitas influências da cultura de lá. Sim, é bom viver em Santa Catarina. Um estado que valoriza sua cultura, que mantém viva suas tradições.

Como é bom se sentir um pouco alemão, um pouco italiano, português, africano... Africano? Como assim? África não fica na Europa! Pois é, mas existem negros por aqui. Só que muita gente já se esqueceu ou já se acostumou com tamanha invisibilidade. E não só pelo fato da quantidade de negros no estado ser pequena, mas sim pela mídia insistir em não apresentar o negro como parte deste estado.

O erro já começa em muitos catarinenses acharem e até afirmarem que por esses lados não existiu escravidão, que por aqui o negro chegou a pouco tempo.

Por falar nisso fica aqui minha indagação: como andam os estudos sobre o estado nas salas de aulas, o que os professores ensinam sobre sua colonização? O que é passado para nossas crianças e jovens sobre a história de Santa Catarina e em que parte o negro entra nessa história? (Se é que entra).

Outro erro que vejo é o estado celebrar festas típicas de origem germânica, italiana, açoriana, que ganham proporções nacionais e até internacionais. Orgulham-se disso e fazem questão de deixar claro que as tradições por aqui são preservadas por pessoas de pele clara, cabelo liso e olho azul, que muitas vezes falam até na língua estrangeira, para deixar claro que por aqui é assim que funciona, é assim que se vive. O erro não está na comemoração em si, não está em sentir orgulho da sua história, da sua cultura. O erro está em estereotipar o estado para o mundo,excluindo a presença de índios e negros que também vivem aqui e que ajudaram e ajudam a construir a história de Santa Catarina.

Bom, você deve estar pensando: “tá, mas e daí? O que isso interfere?”

Interfere que é passado para quem não mora aqui a ideia de que no estado catarinense  não existam pessoas de cor, fora do “padrão catarinense de qualidade”. Faz com que pessoas negras que venham de fora se admirarem quando você (também negro) diz que nasceu e foi criado aqui, junto com sua família e mais um monte de negros. Dá a entender que por aqui negro não exista e nem tenha espaço e faz também com que o negro que mora aqui se sinta de alguma forma rebaixado, fora do padrão, sentindo-se no lugar errado.

Sim, de um modo sútil e sem muito alarde eu vos digo, isso é racismo. Vivemos em um estado racista.

Não acredita? Dia desses lendo alguns comentários no Facebook sobre racismo, encontrei e me identifiquei com o comentário da Fran Vasconcelos, na qual ela define racismo:

“O racismo é um sistema de sentidos material e histórico, não é subjetivo. É um modo de organização social em que uma 'raça' se sobrepõe a outra, se afirma como paradigma, se naturaliza como regra e oprime as demais. O racismo não é algo subjetivo, individual, que se manifesta entre pessoas. Ele está estruturado e inserido na sociedade, na forma como ela se organiza e se reproduz, no mercado de trabalho, na mídia, entre as vítimas da violência, entre o público do sistema carcerário, entre os pobres em todo o mundo, entre os proprietários e os não proprietários”

E o que acontece em Santa Catarina?

Muitos não ficarão surpresos e nem darão bola para o que aqui escrevo, pois já estão até cansados desse papo. Mas para outros esse debate é importante sim. Para os negros é muito importante a luta pelo espaço e não temos nem devemos nos cansar desse assunto. Também somos catarinenses, vivemos aqui, ajudamos a cada dia no crescimento do estado, temos a nossa cultura, as nossas festividades que vão além do dia da abolição e da semana da consciência negra. Nossa história não é representada em um dia, nem em uma semana. Nossa história é representada sempre, junto com a luta pela igualdade.

Sim, sou negro, joinvilense, nascido e criado aqui. Tenho orgulho da minha cor, da minha cidade e do meu estado, mesmo sabendo que com os dois últimos não é recíproco.

Felipe Cardoso é estudante de Publicidade e Propaganda

sábado, 3 de agosto de 2013

Ellivnioj é um lugar legal para viver

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Ellivnioj é uma cidade legal. O que eu mais gosto é que lá as ideias provincianas não têm acolhida. O pessoal vive num ambiente cosmopolita, de liberdade e tolerância.

Todo mundo tem médico na hora que precisa. Gente que morre nas filas dos hospitais é coisa de ficção.

É uma cidade feita para as pessoas. Lá a democracia é coisa séria e o povo está em primeiro lugar. Ah... e o poder econômico nunca se mistura com o poder político.

Tem outra coisa que eu gosto em Ellivnioj. É que ninguém quer ver instaladas indústrias pesadas e poluentes, coisas que vêm da pré-história do capitalismo.

Em Ellivnioj o meio ambiente é tratado muito cuidado. O rio que corta a cidade é tão limpo que os moradores não se cansam de caminhar pelas suas margens e respirar o ar puro.

A cidade tem muitos parques para os moradores. Mas parques a sério. Tem gente que vai lá para correr. Tem quem quer apenas descansar à sombra das árvores. Tem pais que levam os filhos para brincar.

Ellivnioj tem um sistema de transportes moderno e ecológico. Nada de ônibus desconfortáveis e com tarifas caras. E há outras opções.

Por causas das ciclovias, o pessoal começou a usar bicicleta e ficou mais saudável e desestressado. Os motoristas dos carros respeitam os ciclistas.

As ruas não têm buracos.

A mídia de Ellivnioj é moderna. Os programas de rádio são informativos, feitos com seriedade por jornalistas a sério. Lá ninguém tolera picaretas que transformam a informação num balcão de negócios. Lá também não há “jornalistas” que babam os ovos dos poderosos a troco de favores.

Os políticos da cidade não pensam em projetos pessoais ou mordomias, porque estão interessados apenas no bem-estar dos cidadão. E ninguém vota em sujeitos que misturam política e religião.

Enfim, Ellivnioj é um lugar legal para viver.


Chato é quando é o contrário.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Apesar de vocês...

POR FELIPE SILVEIRA

Apesar de papas, bopes e bolhas, o momento que vivemos é sensacional na luta por um mundo mais justo, igualitário e fraterno. Sensacional e delicado, porque é neste momento que construiremos as bases e fundamentos das lutas nos próximos anos e décadas. É nesse momento que quem sempre oprimiu vai usar das suas armas mais letais (literalmente e ideologicamente). Esse é o recurso que eles têm para tentar inibir um pouco a multidão que ganha as ruas e as redes na busca por um mundo melhor.

Não estou falando somente da multidão que foi às ruas em junho de 2013. Também é dessa, mas não somente. Estou falando de todo movimento contra a opressão e pela liberdade e justiça que acompanho nos últimos dez anos (friso: período que acompanho).

Sempre que penso no nosso contexto político-social, imagino a figura de uma estrada com uma bifurcação ao final. Seguindo por essa estrada vai a sociedade, que disputa o volante com todas as suas forças, numa disputa para seguir apenas um dos caminhos quando a estrada acabar (e não vou falar de esquerda e direita nesse momento porque não é exatamente disso que se trata). E apesar de achar que a estrada não acaba nunca, acredito que o momento que vivemos nos dá a sensação de estar muito perto da bifurcação.

Então, é mais ou menos por isso que alterno pessimismo e otimismo várias vezes ao dia. Vou citar alguns exemplos de coisas que enxergo como disputas pela direção na figura citada que descrevi acima.

Se por um lado alguns prefeitos por aí acham que investir em duplicação e alargamento de vias e elevados resolve o problema da mobilidade urbana, por outro há cada vez mais ciclistas organizados, movimentos e cidades interessados em desenvolver e estimular outras maneiras de se locomover.

Se por um lado o sistema cria cada vez mais barreiras e dificuldades de acesso aos pobres, há cada vez mais puladores de catraca. Se por um lado a maioria dos políticos dá um jeito de sempre fazer um negócio excuso com licitação, há movimentos como o Passe Livre e o dos Trabalhadores Sem Terra.

Se por um lado a Copa do Mundo promove a derrubada de casas da população pobre para agradar a Fifa, também há gente lutando em prol do direito à moradia. Assim como há governos, como o da Venezuela, que investiram em grandes programas de casas populares.

Se por um lado há uma polícia que já matou centenas de pessoas nos últimos anos - e não digo BOPE porque cada batalhão tem o seu esquadrão de extermínio -, há também gente que luta pela desmilitarização da polícia e há gente que vai lutar para descobrir onde está o trabalhador Amarildo Souza, desaparecido depois de ser levado para uma delegacia (leia aqui o texto do Clóvis Gruner para entender). Algo quase impensável no nosso passado recente e sombrio (e aqui indico o filme Zuzu Angel).

Se AN, Folha de S. Paulo e New York Times fecham o conteúdo livre para seus assinantes, há cada vez mais informação livre circulando. Assim como há toda a cultura do software livre que mudou e vem mudando o mundo da tecnologia e da informação.

Se por um lado existe gente como Marco Feliciano, que tem aumentado seu número de seguidores e ainda por cima em nome de Jesus, a presidenta do Brasil sancionou a lei sobre vítimas de violência sexual, o Uruguai permitiu o aborto há algum tempo e recentemente os seus deputados aprovaram a venda da maconha (falta passar pelo Senado).

Enfim, há milhares de exemplos em todos os campos, mas vou parar por aqui. Não estou defendendo a Dilma ou sendo otimista demais com o mundo citando esses exemplos. Como disse antes, todos os dias alterno diversas vezes entre o pessimismo e o otimismo por conta disso tudo. O objetivo desse texto é apenas refletir sobre vivermos em um campo de batalha pelo mundo que vamos viver amanhã e pelos próximos anos.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Imaginação para economizar gasolina

POR ET BARTHES
Sabe quando você quer encontrar estacionamento no shopping e não sabe onde tem vagas? Os coreanos resolveram o problema de maneira simples, mas com muita imaginação. A vantagem é que o pessoal economiza gasolina.



O papa é Bope

POR CLÓVIS GRUNER

Sou ateu, mas isso não me impede de reconhecer e respeitar determinados aspectos do cristianismo. Os santos católicos, por exemplo: simpatizo com um ou outro, não pela sua santidade, coisa em que não acredito, e mais por suas obras ou trajetórias de vida. Francisco de Assis é um deles. Consta que era um rebelde na juventude. Rebeldia que, a se pautar pelas muitas hagiografias escritas a seu respeito, não abandonou inteiramente após sua conversão. Em um período marcado pela opulência – estamos a falar da chamada “alta Idade Média” – da igreja católica, Francisco de Assis confrontou a instituição a que pertencia reafirmando alguns valores que estão na origem do cristianismo, ainda no primeiro século depois da morte de Cristo, tais como a pobreza e a humildade.

Eleito papa, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio adotou o nome Francisco, e com a escolha pretendia reatar os vínculos da igreja com os mais pobres e humildes. Se a intenção foi boa, há de se lembrar ao sumo pontífice que de boas intenções o inferno está cheio: entre os dois Franciscos, séculos de história a separá-los. E se o primeiro perturbava, com seu apelo ao despojamento, a opulência e o poder da igreja romana, este reafirma ambos. Do primeiro, o segundo talvez preserve o carisma, exaustivamente mencionado pela mídia nativa – embora, sejamos honestos, não é difícil esbanjar simpatia se você substitui alguém como Bento XVI. Mas as semelhanças param por aí.

A POLÍTICA DA INDIFERENÇA – O papa Francisco está à frente de uma instituição que, embora em crise, permanece sólida e poderosa. E que não parece nenhum pouco disposta a respeitar os limites impostos a ela pela modernidade política nos últimos dois séculos. Uma das evidências foi a escandalosa soma de dinheiro público gasto para financiar parte da visita papal, algo em torno de 120 milhões de reais. Como se não bastasse, a Jornada Mundial da Juventude serviu de palco para o proselitismo conservador, de forte teor machista e homofóbico, que marca a trajetória das igrejas de um modo geral e que no caso da Igreja Católica Apostólica Romana, acentuou-se principalmente depois do pontificado de João Paulo II, ele  mesmo um notório conservador ligado à Opus Dei.

Na última semana e não por coincidência, aumentaram as pressões para que a presidenta Dilma Rousseff vete projeto de lei, já aprovado no Congresso, que obriga os hospitais públicos a atender em caráter emergencial e multidisciplinar vítimas de violência sexual, garantindo-lhes acesso a antibióticos para evitar doenças sexualmente transmissíveis, antivirais contra o HIV, cuidados ginecológicos, assistência psicológica e social e medidas de “profilaxia da gravidez”. Indiferentes à criminalização e prisão de mulheres que abortam clandestinamente ou a vida de outras milhares que morrem anualmente em função das más condições higiênicas de seus abortos e, principalmente, insensíveis ao sofrimento das vítimas de estupro, grupos religiosos que se autoproclamam “pró-vida” querem que Dilma vete integralmente o projeto – o que, parece, ela não fará. Com o propósito de fortalecer a posição da igreja, foram produzidos e distribuídos durante a JMJ pequenos fetos de plástico e terços com fetinhos abortados, entre outros artefatos bizarros. Tudo muito esclarecido.

OSSO DURO DE ROER – Neste sentido, é emblemático o gesto de Francisco ilustrado pela imagem no alto deste texto. E para entender sua dimensão, menciono uma passagem do filme “Hannah Arendt”, em que a filósofa alemã assiste na televisão as notícias sobre o sequestro de Adolf Eichmann e seu julgamento em Israel. Em um dado momento, o âncora informa (e se tratam de imagens de época, retiradas de arquivo) que o nazista alemão havia fugido para a Argentina depois da guerra com o auxílio do Vaticano, que lhe fornecera passaporte e outros documentos falsos.

Se provoca certo incômodo em alguns, a informação certamente não causa estranhamento em quem conhece um pouco da história recente. As evidências estão aí a mostrar que a igreja católica apoiou em graus variados e por diferentes razões todas as ditaduras de direita ao longo do século XX: o fascismo italiano de Mussolini; as ditaduras de Franco e Salazar, na Espanha e em Portugal, respectivamente; os muitos golpes civis militares na América Latina (Paraguai, Chile, Argentina, Brasil...). Com o nazismo alemão, há quem diga que o Vaticano foi, na melhor das hipóteses, conivente. Mas não é difícil encontrar quem acuse Pio XII de ser o “papa de Hitler” e o Vaticano de manter com a Alemanha nazista uma relação para além da simples conivência silenciosa. Claro, sempre houve e haverá clérigos dispostos a enfrentar e resistir à barbárie, como foi o caso no passado de um Francisco de Assis e no Brasil contemporâneo, de Paulo Evaristo Arns e Pedro Casaldáliga, entre outros, que usaram sua autoridade política e moral para denunciar os crimes da ditadura. Mas eles são a nota dissonante na história de uma instituição que preferiu acarinhar ditadores a proteger os perseguidos.

Saber disso não diminui a indignidade de ver Francisco abençoar os soldados do Bope, a Tropa de Elite que um mês antes da benção papal assassinou dez moradores da Favela da Maré e é responsável também pelo desaparecimento de Amarildo há mais de duas semanas. Se não minimiza a indignidade, ao menos pode servir para aplacar um pouco a surpresa. O gesto de Francisco reafirma um compromisso e uma postura históricos da igreja católica: afagar os assassinos ao invés de perguntar-lhes sobre suas vítimas.