POR ÁLVARO JUNQUEIRA
Em 1989, analisando o
embate eleitoral Collor x Lula, escrevi no jornal A Notícia um artigo intitulado “O caos com
Collor e a ordem com Lula”. Foi a única vez que cometi o desatino de sugerir o voto no
petista. E por que o fiz? Pela simples razão de que via em Collor um mal muitíssimo maior.
Eleições muitas vezes nos colocam diante desse tipo de encruzilhada, obrigando-nos a votar
no mal menor.
Como jornalista e
sociólogo, jamais me aventurei pela seara das pitonisas que acreditavam poder
prever o futuro, mas, qual um oráculo involuntário, cheguei a profetizar nesse texto que, em
poucos meses, a massa desarticulada que idolatrava Collor iria abandoná-lo, mercê da
impossibilidade de cumprir sequer as mais básicas promessas do candidato.
E ele se veria em meio
ao deserto clamando: “Não me deixem só!”. Frase pronunciada por ele, ipsis literis,
depois de ver frustrada a sua convocação para que o povo se vestisse de verde e amarelo,
pusesse bandeiras nas janelas e fosse às ruas defendê-lo da ameaça do impeachment. Vejam o
que disse o populista e demagogo Collor de Mello: "Nós temos que dar um sinal de que nós
somos a maioria. Vamos inundar esse país de verde e amarelo. No próximo domingo saiam de casa
com uma peça de roupa com uma das cores da nossa bandeira, exponham nas suas
janelas toalhas, panos, o que tiverem com as cores da nossa bandeira, porque, assim, nós
estaremos mostrando onde está a verdadeira maioria. A minha gente, o
meu povo, os pés
descalços, os descamisados...".
Felizmente, recebeu
como resposta milhares de pessoas vestidas de preto e, logo depois, milhões de
caras-pintadas nas ruas.
Por que fiz essa
viagem no tempo? Porque no segundo turno das eleições deste ano em Joinville a história
parece estar se repetindo, e como já ensinou o péssimo profeta Marx, ela sempre se repete como
farsa.
E qual é a farsa? Ela
é fruto de uma onda nefasta que varre o mundo, reduzindo os padrões de cultura a
níveis liliputianos, apequenando as exigências morais e cívicas dos aspirantes a
detentores de poder e abastardando valores civilizacionais sedimentados em séculos de aquisições
aluvionais. Hoje, lamentavelmente, vivemos numa sociedade do espetáculo. Nela,
qualquer celebridade – seja um palhaço, um ex-BBB, um cantor, uma mulher-fruta pode
aspirar e, muitas vezes conseguir, ser representante do povo.
Nessa sociedade do
espetáculo, a qualificação vale menos do que o configuração (visual, estética,
artística, esportiva, religiosa), a história de vida rende menos frutos do que a presença constante
nas várias mídias (jornal, rádio, TV, púlpito), a comprovada capacidade de gestão é menos
valorizada do que alguns diferenciais considerados politicamente corretos, como ser negro,
mulher, de origem humilde, ter sido vítima de injustiças e por aí vai...
Exemplos? O negro
Obama, o retirante Lula, a mulher Dilma, a verde Marina, o perseguido Mandela.
Mesmo sem entrar no mérito das qualidades de cada um desses exemplos, é visível
que em torno de cada um deles cria-se uma aura de santificação e inimputabilidade que
praticamente impede que se faça um debate franco e aberto, onde as qualidades de cada
um possam ser aferidas, pesadas e sopesadas. A força da marca que trazem estampada na
testa dá-lhes uma vantagem imerecida, posto que lastreada numa
metafísica influente,
repetida ad nauseam em todos os foros, todas as plataformas, todas as mídias,
interrompendo o saudável fluxo das informações pró e contra. Atacar um desses ícones da sociedade do
espetáculo é praticamente uma heresia.
Em Joinville, este
ano, temos uma situação típica desse quadro de degeneração da coisa pública, de
decomposição dos valores mais altos, de apodrecimento das estruturas morais que fizeram da cidade o
modelo de comunidade que ela é hoje.
Temos, de um lado,
aquele que, muito apropriadamente, o José Antônio Baço chamou de “candidato
oba-oba”, e que eu chamo de candidato da saliva, de apóstolo do blábláblá, de promessinha irresponsável,
de demagogo populista, de pastor de ovelhas obedientes, porque encantadas com seu
palavrório vazio, oco, superficial, sem prumo, sem lastro na realidade.
Quando olho em seus
olhos, tenho a mesma sensação ruim, aflitiva, incômoda que tinha ao olhar nos
olhos do ensandecido Collor de 1989. Vejo a mesma convicção totalitária, daqueles que não
enxergam uma sociedade plural, mas apenas rebanhos a serem tangidos e encaminhados ao que os
pastores consideram o bom – e único - caminho.
De outro lado, temos
um candidato que é a antítese mais completa dessa tal sociedade do espetáculo.
Elenquemos um a um os requisitos necessários para brilhar nesse circo dos horrores e ele não
preencherá nenhum. Não passa de um cidadão honesto, trabalhador, bem sucedido, branco,
rico, do sexo masculino, ruim de palanque, fraco na TV, seco e pouco risonho na TV...
Mas será que
Joinville, essa Joinville que ainda ostenta tantos problemas graves a serem sanados, precisa de um
alegre animador de auditório ou de um bom administrador; de um pregador de mentiras
confortáveis ou de um portador de verdades inconvenientes; de uma subcelebridade
midiática ou de um gestor capaz de resolver os muitos entraves ao nosso desenvolvimento com
qualidade de vida?
Esta é a encruzilhada
que teremos à nossa frente no próximo dia 28. Há, sim, uma opção,
mesmo para aqueles que no 1º turno não escolheram nenhuma das duas opções restantes.
Que seja um voto pelo mal menor, sem problema. O importante é ter claro que à beira do
abismo o passo à frente é um suicídio consciente. Um passo
atrás, muitas vezes, serve para
ganhar impulso.
Álvaro Junqueira é sociólogo e jornalista