POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
A imprensa
brasileira ignorou, mas Portugal está a protagonizar um momento histórico na
política europeia. A coligação de direita PaF - Portugal à Frente, que governou
o país nos últimos quatro anos e alcançou a “reeleição” no início do mês, foi
derrubada no Parlamento por uma coligação dos partidos de esquerda. Opa! Pode
isso? Ganhar as eleições e não governar? Claro que pode.
Os leitores
brasileiros – mais familiarizados com o presidencialismo – talvez não entendam,
mas é um processo possível no parlamentarismo. A direita ganhou as eleições com
uma maioria relativa de 36,68% dos votos (104 deputados) e foi empossada. Mas acabou
apeada do poder por um bloco de partidos de esquerda (se considerarmos o
Partido Socialista de esquerda) logo na primeira sessão legislativa, destinada a apresentar o seu Programa de Governo. É possível? Sim.
Os partidos de
esquerda, que estão em maioria no Parlamento (Partido Socialista – 85
deputados, Bloco de Esquerda – 19 e Partido Comunista – 17), se uniram para apresentar
“moções de rejeição”. É um dispositivo que, quando aprovado, provoca a queda do
governo. Com o vazio de poder, os partidos mais à esquerda firmaram acordos que
permitirão ao Partido Socialista formar governo. Tudo depende agora da decisão do presidente da República.
O fato agitou as
águas políticas na Europa. É que ao longo dos anos o Bloco de Esquerda e o
Partido Comunista têm assumido posições anti-europeístas. E isso levanta
algumas dúvidas, porque o país acaba de sair de um programa de resgate financeiro
imposto pela Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI) e continua
sob auscultação. Será uma nova Grécia, acusaram os conservadores tentando criar um clima de medo.
No entanto, a causa dessa reviravolta é
justamente o programa de resgate, que impôs um austeridade violentíssima ao país. Os portugueses foram às urnas demonstrar o desejo se
livrarem do governo de direita, que impôs medidas “para lá da Troika”. Ou seja,
uma austeridade mais rigorosa do que a exigida. Não é sem razão que recebeu a denominação de "austeritário" (uma mistura de austeridade com autoritário).
Os caras abriram a caixa das
maldades sem dó nem piedade. E os resultados falam
por si. Empobrecimento. Desemprego. Precarização do trabalho. Baixa atividade
econômica. Destruição do Estado Social. E um fato pelo qual o país ainda vai
pagar um preço: a emigração de quase meio milhão de portugueses, a maioria com
elevadas habilitações, em sua maioria para outros países da União Europeia.
O que se segue? Está
nas mãos do presidente conservador Cavaco Silva empossar o governo do Partido
Socialista. O que já deveria ter acontecido. Mas o presidente, com o seu
estilo bafiento, está a enrolar, enrolar, enrolar. É um homem picuinhas. No entanto, é provável
que, empurrado pelos fatos, na próxima semana ele venha a indigitar o novo governo. Até lá, cabe aos
portugueses aguentar o chororô da direita, que ainda não se conformou, e a inutilidade de um presidente que, por sorte, está em fim de mandato.
É a dança da chuva.




