sábado, 21 de novembro de 2015

É a política, pá!


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

A imprensa brasileira ignorou, mas Portugal está a protagonizar um momento histórico na política europeia. A coligação de direita PaF - Portugal à Frente, que governou o país nos últimos quatro anos e alcançou a “reeleição” no início do mês, foi derrubada no Parlamento por uma coligação dos partidos de esquerda. Opa! Pode isso? Ganhar as eleições e não governar? Claro que pode.

Os leitores brasileiros – mais familiarizados com o presidencialismo – talvez não entendam, mas é um processo possível no parlamentarismo. A direita ganhou as eleições com uma maioria relativa de 36,68% dos votos (104 deputados) e foi empossada. Mas acabou apeada do poder por um bloco de partidos de esquerda (se considerarmos o Partido Socialista de esquerda) logo na primeira sessão legislativa, destinada a apresentar o seu Programa de Governo. É possível? Sim.

Os partidos de esquerda, que estão em maioria no Parlamento (Partido Socialista – 85 deputados, Bloco de Esquerda – 19 e Partido Comunista – 17), se uniram para apresentar “moções de rejeição”. É um dispositivo que, quando aprovado, provoca a queda do governo. Com o vazio de poder, os partidos mais à esquerda firmaram acordos que permitirão ao Partido Socialista formar governo. Tudo depende agora da decisão do presidente da República.

O fato agitou as águas políticas na Europa. É que ao longo dos anos o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista têm assumido posições anti-europeístas. E isso levanta algumas dúvidas, porque o país acaba de sair de um programa de resgate financeiro imposto pela Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI) e continua sob auscultação. Será uma nova Grécia, acusaram os conservadores tentando criar um clima de medo.

No entanto, a causa dessa reviravolta é justamente o programa de resgate, que impôs um austeridade violentíssima ao país. Os portugueses foram às urnas demonstrar o desejo se livrarem do governo de direita, que impôs medidas “para lá da Troika”. Ou seja, uma austeridade mais rigorosa do que a exigida. Não é sem razão que recebeu a denominação de "austeritário" (uma mistura de austeridade com autoritário).

Os caras abriram a caixa das maldades sem dó nem piedade. E os resultados falam por si. Empobrecimento. Desemprego. Precarização do trabalho. Baixa atividade econômica. Destruição do Estado Social. E um fato pelo qual o país ainda vai pagar um preço: a emigração de quase meio milhão de portugueses, a maioria com elevadas habilitações, em sua maioria para outros países da União Europeia. 

O que se segue? Está nas mãos do presidente conservador Cavaco Silva empossar o governo do Partido Socialista. O que já deveria ter acontecido. Mas o presidente, com o seu estilo bafiento, está a enrolar, enrolar, enrolar. É um homem picuinhas. No entanto, é provável que, empurrado pelos fatos, na próxima semana ele venha a indigitar o novo governo. Até lá, cabe aos portugueses aguentar o chororô da direita, que ainda não se conformou, e a inutilidade de um presidente que, por sorte, está em fim de mandato.


É a dança da chuva.

Macacos me mordam! #4


sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Heroínas Negras - 20 de novembro



POR CINTIA SOARES


Novembro é considerado o mês da Consciência Negra, por conta do dia de hoje (20 de novembro). Nesse período, vemos muitas homenagens para Zumbi dos Palmares que foi líder do quilombo de Palmares e um guerreiro contra a escravidão no período colonial. Concordo que Zumbi seja uma importante figura histórica, mas e as mulheres negras como Dandara,Tereza, Luisa e Aqualtune? Elas também lutaram e resistiram bravamente, na liderança dos quilombos e nas comunidades de luta contra a escravidão e o racismo. Mesmo com toda essa luta, ainda assim só os homens são lembrados. Essas mulheres também precisam ter seus nomes, histórias e lutas expostos.

Mas enquanto essas mulheres tão notáveis e com tamanha importância raramente recebem o devido reconhecimento, as mulheres negras, atualmente, também encontram dificuldade para conseguirem qualquer reconhecimento nas mais diversas áreas da sociedade.

Vemos muita divisão até na luta das mulheres por igualdade. Como pode? 

Uma das mais fortes reivindicações das mulheres brancas é o mercado de trabalho ou o combate aos estereótipos que representam as mulheres como o sexo frágil. Enquanto isso, as mulheres negras enfrentam há tempos a luta contra a escravidão moderna, uma cópia mais "light" do que era imposto até o século XIX. Muitas mulheres brancas, patroas, acabam com a moral das suas empregadas ou babás que, em sua maioria, são negras. Quando não as veem como rival, pois mulheres negras ainda são vistas como objeto sexual por alguns patrões, herança da cultura escravista do país, em que os "senhores" estupravam as escravas. 

Vemos tudo isso ser representado nas novelas. Raramente vemos novelas em que não se tenham empregadas negras, ou que se tenham protagonistas negras. Só me lembro da Tais Araújo, única, na minha geração. 

Nós, mulheres, devemos nos unir, juntar forças para vencermos.

Os diversos índices e pesquisas sociais no Brasil mostram,  frequentemente, evidências de que as mulheres negras vivenciam os níveis mais altos de violência e violação de direitos. A desigualdade salarial entre homens e mulheres, quando analisada sob a perspectiva racial, se torna também uma desigualdade salarial entre mulheres brancas e negras. As mulheres negras estão entre a maioria das vítimas de feminicídio (perseguição e morte intencional de pessoas do sexo feminino, classificado como um crime hediondo, no Brasil.). Quando o tema é a ilegalidade do aborto, as consequências da clandestinidade também são mais pesadas para as mulheres negras por serem maioria pobre na estatística de classe social e que, por isso, não têm as mesmas oportunidades que as mulheres brancas de interromper a gestação em outro país ou em clínicas particulares.

Gente, de que adianta Consciência Negra se não temos um combate contra o machismo em paralelo? 

Pra realmente surtir efeito, não ser mais uma data em que são feitas homenagens, falsas promessas e declarações, além de feriados em muitas cidades e da pergunta típica: "feriado de que mesmo?", é preciso realizar reflexões, fazer um resgate histórico, analisar as consequências da escravidão e como os negros e as negras estão vivendo hoje no país. 

Não tem como existir luta por igualdade de gênero sem combater o racismo. Assim como não há luta antirracista sem a luta por igualdade de gênero. A intersecção das lutas contra as opressões é necessária. Por isso, o feminismo negro é necessário.

As pessoas devem entender que mulheres negras não têm escolha sobre a possibilidade de sofrerem um ou outro tipo de discriminação; ambas as violências se repetem de maneira interligada, em moldes direcionados exclusivamente e especificamente às mulheres negras.

Ainda hoje, há muitas diferenças entre as questões das mulheres brancas e negras. De maneira similar, por mais que estejam unidos na luta contra o racismo, há certos tipos de violência que os homens negros não enfrentam. Infelizmente, tanto nos movimentos de mulheres quanto nos movimentos negros, as mulheres negras ainda lutam para que suas necessidades sejam ouvidas e representadas. À exemplo das guerreiras negras na história do Brasil, nem sempre a dedicação à luta é o suficiente para que as nossas demandas sejam atendidas ou contempladas.

Encerro esse texto citando um poema com autoria de Zuleika dos Reis:

SER NEGRA - Homenagem ao Dia da Consciência Negra

Negra é a mulher que tem sido minha irmã, que nos ajuda, há muito, a mim e a minha mãe, a segurar as barras do cotidiano insalubre.
Negra é a pele que me vai por dentro, herança dos meus ancestrais.
Negro é o blues que me invade, com todas as suas línguas feitas de saudade e de desterro.
Negras são certas saudades: volúpia, sofrimento.
Negra é a linda canção que cantava a filha daquele que foi meu homem, canção que ela aprendeu de sua avó.
Negra é a negra noite, quando se sonham os sonhos mais profundos.
Negro de belezas é o silêncio dos amantes plenos um do outro.
Negra sou eu quando deixo que acordem em mim todas as áfricas.
Negra é a África, berço do mundo.
Felizes dos que se alegram, dos que se orgulham pelo negro, pela negra que todos carregamos por fora, por dentro; negritude que nos amplia, que nos ensina, que nos ultrapassa, que fere os nossos limites, para que possamos prosseguir.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Jurássico.


Mídias Sociais e Racismo


POR ANDRESSA KAROLINE

Com o passar do tempo, nosso cotidiano tem se tornado mais e mais digital. A evolução dos meios de comunicação nos tem feito abraçar a praticidade. Agora nos perguntemos: qual a relação entre o racismo ainda relutante no Brasil e as mídias sociais?

Tal praticidade, em conjunto com o atraso da legislação em conseguir sanar tais demandas, é um encorajamento para que racistas incumbidos venham à tona despejar seu discurso, ofensa e agressão. Discurso esse, que vem carregado de um preconceito enraizado, antigo, alimentado, protegido e com uma imensa relutância em se abrir mão.

O racismo é uma prática construída, como já dizia Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.” Ele nasce em lares preconceituosos, em escolas que não discutem o assunto com propriedade e clareza (exceto na semana da consciência negra, quando todos se transformam em seres politizados e apoiadores da causa). Ele permanece com o apoio dos grandes personagens das redes sociais que tratam os casos com uma simples hashtag acompanhada do nome se algum(a) famoso(a) e que enchem os telejornais de um sensacionalismo ridículo e abominável, que tem o intuito de explorar a situação diante de mais uma manchete, e que se gerar audiência, permanecerá nas telinhas por mais alguns dias.

A grande verdade é que nosso povo teve voz, mas sempre foi calado, silenciado ou de alguma forma censurado. Pois bem, é o fim dessa era. Enquanto não houver equidade, enquanto “morro” na favela continuar sendo verbo, enquanto nossas escolas não demonstrarem a importância que a cultura negra teve na construção do nosso país, enquanto houver alguém, atrás de algum aparelho eletrônico, que se sinta confortável e seguro para despejar seu ódio racista desenfreado, não vamos nos calar. 

Não vamos deixar de comunicar, de lutar, de insistir no sonho de criar um lugar onde a cor da nossa pele não seja um divisor de águas. É preciso acreditar que há tempo. É preciso não silenciar. É preciso descontruir, politizar, reeducar e conscientizar. É preciso que tenhamos coragem para enfrentar as batalhas diárias em nossos locais de trabalho, de estudo, de convivência. É preciso que entendamos que nossas raízes não são motivo de vergonha, pelo contrário.

Que nosso black cresça, que nosso axé floresça e que a cada vez nos tornemos mais fortes e unidos para um dia quem sabe, se não se tratar de apenas uma utopia, possamos sair de nossas casas e encarar o mundo como um lugar livre dessa doença contagiosa que é o racismo.