quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Um rompimento necessário - CHUVA ÁCIDA 4 ANOS

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Alguns momentos de nossas vidas são marcantes, mas não se comparam aqueles que rompem com algo pré-determinado. A cidade de Joinville, tão acostumada a ler um tradicional jornal no café da manhã e assistir ao telejornal diário local passou a conviver com o blog Chuva Ácida à fórceps. Não havia até então uma plataforma online que rompesse com as tradições de uma sociedade inteira, diferentemente dos grandes centros, acostumados com o online.

O início do fim de uma era começou em setembro de 2011, quando alguns formadores de opinião se juntaram para debater aquilo que não era mostrado no dia-a-dia do vilarejo. Agora, quatro anos depois, é hora de fazer uma necessária comemoração. Pude fazer parte do projeto por, aproximadamente, três anos e meio. Emiti opiniões contundentes sobre vários assuntos que me custaram amizades, empregos e até mesmo o corte de relações sociais consolidadas de anos anteriores.

Ao longo dos quase 200 textos escritos consegui ajudar, junto aos colegas, na formação de algo jamais visto por aqui. Não me arrependo do que fiz neste espaço. Só pude aprender a crescer como pessoa e aceitar que o pensamento diferente do outro (seja esse um ataque pessoal sem motivo de um anônimo, ou uma crítica bem construída) solidifica o meu entendimento sobre as coisas, o qual mudou muito, felizmente, desde então.

Só tenho a agradecer aos amigos José Baço, Jordi Castan e Felipe Silveira pelo convite lá no início. Creio que, a partir de agora, a mídia tradicional da cidade passou a valorizar a troca de informações fora do seu espaço cercado-editado-censurado. O que as pessoas pensam, sentem e precisam saber nem sempre estampou as principais manchetes dos grandes grupos de comunicação, que viram no Chuva Ácida a ruína do modelo de monopólio (da expressão de uma cidade inteira) via poder financeiro.

Quantas pautas deles surgiram após denúncias de nosso blog? Ou, ainda: analistas políticos da TV, rádio e jornais não alcançaram tantos eleitores de forma direta como a nossa equipe nas eleições de 2012. Só pra citar alguns exemplos dentre tantos cases passíveis de lembrança.


O caminho que iniciamos lá atrás é bem aproveitado por todos atualmente. Movimentos sociais, subalternos e excluídos identificaram na internet um modo barato de atingir o maior número de pessoas possível. O elo definitivamente foi rompido, e há 1 milhão de motivos para comemorar, independente de qual margem do Cachoeira você estiver (ou no meio da poluição dele, como uns por aí).

* O Chuva Ácida está a completar 4 anos e convidou antigos integrantes do coletivo e pessoas que já colaboram com o blog para comentarem a data.

Vamos experimentar sem as rodinhas


Textos (s)em contextos


POR VALDETE DAUFEMBACK


Em todos os lugares, se observarmos bem, sob qualquer contexto nos permite extrair textos passíveis de reflexões teóricas. 

A sala de aula é um destes espaços onde permeia as contradições (no bom sentido) que provocam nas entrelinhas inúmeras abordagens reflexivas extra conteúdo programático. Vivencio todos os dias situações peculiares de grande relevância analítica, ora como professora, ora na condição de aluna. Certas expressões ou comentários renderiam artigos, teses, temas para seminários.

As redes sociais são emblemáticas nesse sentido. Com muita freqüência seus textos ou comentários, mesmo desprovidos de contexto, sem indicação de fontes confiáveis, são compartilhados e costumam pautar as discussões em vários ambientes, seja acadêmico ou não.

O alardeamento midiático sobre a “crise do país” possibilitou a qualquer um, sem conhecimento de política econômica, o poder de expor a sua “opinião”, sentenciando um futuro caótico à sociedade brasileira. Não estou negando a existência de uma crise econômica, até mesmo porque sabemos que este estado de letargia ou de inércia do mercado é extremamente salutar ao capital. Por meio da ideia de crise é que o capital se desloca de ambiente, as profissões se refazem pela contínua necessidade de aperfeiçoamento, se reduz a mão de obra e se eleva a produção com custos diminuídos.

Independentemente do teor da crise econômica, há uma crise de postura sobre os valores humanos, em que estes, os humanos, são representados pelo capital como instrumentos de reprodução de riqueza, pela constante disputa de poder entre classes sociais, pela exclusão das minorias, pelo extermínio de grupos residuais que ficaram à margem da distribuição de renda e de oportunidades de trabalho. Este sistema de disputa é tão perverso que leva pessoas não ricas a acreditarem e agirem como tal, defendendo os privilégios daquela e, ao mesmo tempo, condenando seus próprios pares, insultando-os com declarações de ódio, de difamação e todo tipo de ofensa, sob efeito da ignorância que não larga as entranhas cerebrais, por mais informações que se tenha e que estejam disponíveis. 

É grande a possibilidade de envenenamento ideológico pelas redes sociais quando não se tem discernimento político para entender as intenções de certos conteúdos postados. Invenções e difamação, deliberadamente passam a ser consideradas instrumentos de verdades. Se aceita com muita facilidade discursos propagadores de ódio, especialmente quando proferidos por quem jamais deveria ter crédito. Chega a ser preocupante a falta de critérios cognitivos de pessoas que se identificam como cristãs e, no entanto, estão na lista dos “adoradores de Sheherazade”, ou seguidores de Bolsonaro, de Feliciano, entre tantos outros que declaradamente já mostraram seu ódio contra as minorias, incitando abertamente a violência como instrumento de poder, constituindo-se uma total inversão de valores.

Estamos perdendo a capacidade de entender até mesmo que crianças e adolescente precisam ser protegidas contra todos os tipos de riscos, de violência, de abandono, de vulnerabilidade social, não só por força das leis, mas por reconhecer que o desenvolvimento moral e cognitivo de ser humano depende significativamente da sua relação com o meio e das condições materiais.  

 Motivados por argumentos epistemológicos da comunidade científica, acreditava-se que o conhecimento racional, a partir de debate reflexivo, substituiria o determinismo mecanicista e a ignorância. Hoje entendemos que ainda não alcançamos este ideal societário e que será preciso desequilibrar o senso comum e motivar o sentimento da dúvida para dela extrair critérios reflexivos que conduzam ao discernimento da justiça, da segurança e paz social. Neste aspecto, as instituições de ensino têm muito que aprender. 

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Quem aprende, nunca esquece.


Conectar-se ao mundo - CHUVA ÁCIDA 4 ANOS

POR CLÓVIS GRUNER*

“O convite para escrever no Chuva Ácida, agora como colaborador fixo, não apenas reforça o vínculo com uma cidade que, talvez, nunca venha a ser apenas um retrato na parede. Ele me coloca uma vez mais diante da tarefa de pensar sobre o lugar de Joinville em minha trajetória. (...)”

Começava assim meu primeiro texto no Chuva Ácida, publicado em 11 de maio de 2013. Outros vieram antes que eu deixasse o coletivo – o último foi publicado em 11 de dezembro de 2014. Em mais de um ano e 53 colunas publicadas, abordei assuntos os mais diversos, e apesar da identidade do blog com Joinville, em poucas ocasiões falei de temas locais. E, principalmente, consegui romper um pouco as regras e os limites por vezes estreitos do “academicês” para falar em uma linguagem mais clara, sobre temas mais urgentes e a um público leitor mais amplo e diversificado.

Esse ligeiro exercício de memória me ocorreu ao receber convite para escrever ao Chuva na semana em que o ele completa quatro anos e está próximo do seu primeiro milhão de acessos. Lembro que quando fui convidado a colaborar como integrante fixo, relutei um pouco. Basicamente, não imaginava o que teria a dizer em um blog escrito por joinvilenses – naturais ou adotivos, vivendo ou não na cidade –, já que eu havia deixado Joinville há mais de uma década (ou fugido dela, segundo um dos meus comentaristas anônimos). Não demorei a entender.

Virou quase lugar comum falar do Chuva como uma mídia alternativa, a oferecer um outro canal de circulação de notícias aos leitores joinvilenses que buscam, sobre a cidade, uma informação mais independente e crítica. Concordo: em uma cidade (um estado) onde os meios de comunicação são controlados por dois ou três grupos midiáticos que monopolizam a informação e domesticam o circuito de ideias, um blog como o Chuva Ácida é absolutamente vital à construção de um ambiente e uma cultura democráticos e pluralistas.

Mas não acho que seja apenas isso. Penso que, passados quatro anos, e sem precisar renunciar a seus objetivos e identidade originais, o Chuva cumpre hoje também outro papel: o de colocar Joinville no mundo e trazer o mundo para Joinville. Claro que isso já estava lá, em 2011, quando tudo começou: “O coletivo está focado na discussão da vida de Joinville, mas sem ser paroquial ou provinciano. Há também um lado cosmopolita, de atenção ao que se passa pelo mundo. Em tempos de revolução digital, a informação não conhece fronteiras”, diz o texto de apresentação, espécie de “cartão de visitas” do coletivo.


Mas o blog soube se tornar mais cosmopolita à medida, justamente, em que sua importância crescia. É como se, ao se tornar uma referência incontornável na mídia local, os objetivos que norteavam o Chuva desde sua criação pudessem ser aprofundados, incorporando novos colaboradores, abordando novos temas e confrontando novos problemas. Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades, afinal. Fico feliz em ter feito parte dessa experiência.


* O Chuva Ácida está a completar 4 anos e convidou antigos integrantes do coletivo e pessoas que já colaboram com o blog para comentarem a data.