POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
Quando entrei para a Faculdade de Engenharia
havia um único calouro vindo do ensino público (não tenho certeza, mas acho que
era também o único de Joinville). O cara era bom. Dominava os temas com muita
facilidade e as suas notas eram sempre exemplares, mesmo naquelas cadeiras em
que a maioria vivia a patinar. Fazer certas disciplinas era um pesadelo. Mas não
para ele, que parecia talhado para a coisa.
No entanto, era notório que o cara não tinha
dinheiro. Pelas roupas que vestia, pelo transporte que usava (busão, claro) ou
pelo lazer de que não podia desfrutar. Muito diferente dos outros alunos, quase
todos vindos de outras cidades e de famílias com alguma grana. Um bom número de
colegas de sala usava roupas de marca, tinha carro próprio e não economizava na
hora das festas.
Não sei quanto tempo o tal estudante
permaneceu na faculdade (não digo o nome, mas lembro). Mas sei que a certa altura as
suas aparições tornaram-se escassas e um dia deixei de vê-lo. Lembro de ter
ouvido que tinha arranjado emprego, porque precisava sustentar a família. E
a faculdade, com aulas o dia inteiro (e por vezes à noite) impossibilitava
qualquer projeto nesse sentido.
Por que trazer essa história? Ora, porque tem
muita gente a insistir na meritocracia como a panaceia capaz de produzir uma
sociedade justa. Aliás, antes de continuar quero deixar claro: não nego o
mérito, porque ele existe. O que rejeito é a desigualdade e as injustiças
sociais. Porque a meritocracia só faz sentido se todos partirem em igualdade de
condições. Não é o que acontece.
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A meritocracia só existe quando todos são iguais à partida |
O fato é que eu, sendo um péssimo projeto de
engenheiro (tanto que desisti, depois de algum tempo), podia continuar na
faculdade. O cara não. E eu pergunto: onde está a meritocracia? Não está. O
discurso do mérito, repetido à exaustão pelos “homens de bem” (os que estão por
cima da carne seca) serve apenas para a reforçar a elisão das diferenças de
classe.
O leitor e a leitora podem contra-argumentar
com o exemplo dos self-made man, mas o fato é que são uma minoria. Aliás,
ninguém fala das self-made woman, o que apenas denota outra injustiça: no plano
do gênero, a meritocracia também é coxa, tanto que as mulheres ganham menos que
os homens no desempenho das mesmas funções. Na maioria dos casos, o mérito parece ser apenas para
homens brancos e com alguma linhagem familiar.
Mérito sem igualdade de oportunidades é simples
palavrório para inocentar as diferenças de classe. Enquanto houver potenciais
Einsteins perdidos ali no Itaum não venham com essa treta de meritocracia.
Porque é apenas conversa para boi dormir. Meritocracia... o tanas!
É a dança da chuva.