POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO
UM ENQUADRAMENTO – A idade penal em Portugal é 16
anos. Há uma tendência na sociedade – políticos, juristas, militantes das
causas civis – no sentido do aumento para 18 anos. A proposta tem a curta oposição
de alguns democratas cristãos (?), que pretendem reduzir para 14 anos. No
entanto, é um tema que não desperta discussões e passa praticamente
despercebido pela maioria da população.
Por que usar o exemplo de Portugal? Porque é
um dos poucos países da Europa onde os conservadores conseguiram impor a
redução. Há uma salvaguarda. Um regime especial prevê a separação dos
delinquentes jovens, entre os 16 e 21 anos, dos demais reclusos. A preocupação
é evitar que a prisão se transforme numa “escola do crime”. Mas por que o tema
não mobiliza a sociedade? Porque daí não vem grande mal ao mundo.
Há muitas respostas possíveis, mas vou pôr o
foco numa delas. Um adolescente português com 16 anos de idade já tem pelo
menos 10 anos de escolaridade. Em Portugal, a escolaridade é obrigatória até ao
12º ano (segundo grau no Brasil), o que implica numa permanência na escola até
aos 18 anos. Os jovens são protegidos pelo Estado, que é obrigado a prover o direito
à educação. É apenas um fator, mas faz enorme diferença.
Primeiro veio a educação e a proteção, o que tornou a punição quase desnecessária. Isso explica o fato de ser um não-assunto das sociedades mais desenvolvidas.
Primeiro veio a educação e a proteção, o que tornou a punição quase desnecessária. Isso explica o fato de ser um não-assunto das sociedades mais desenvolvidas.
BANDOLEIROS DO SUDÃO – No Brasil é o
contrário. Em vez de falar em educação, opta-se pela punição. Mais do que isso,
opta-se por uma vingança contra um alvo que, para complicar, é um alvo errado,
como denunciam as estatísticas. Mas não interessa debater a redução da idade
penal. O tema foi esquadrinhado nos últimos meses e os argumentos foram levados
à exaustão. A questão é apodrecimento moral do Brasil.
O país caminha perigosamente para o
obscurantismo e parece determinado a se tornar um enorme Sudão. O vergonhoso
processo de aprovação, conduzido por Eduardo Cunha e coadjuvado por um bando de
deputados mercadores (num dia dizem uma coisa e poucas horas depois recusam a
própria palavra), é exemplo claro disso. O Congresso Nacional parece ter se tornado uma terra de bandoleiros da ética.
A incipiente democracia brasileira está cada
vez mais insipiente. Em nenhuma sociedade desenvolvida – e estou a falar de
democracias mais maduras – o povo admitiria que um dos seus máximos representantes
protagonizasse golpes contra democracia, como faz Eduardo Cunha, com desassombro. O pior? É contar com o apoio da populaça, que embarca alegre no conto do vigário (no caso pastor) e do
discurso fácil do ódio.
Eis o fato: no que se refere à democracia, em
apenas seis meses o atual Congresso Nacional conseguiu fazer o país retroceder
a níveis inimaginados até pelos mais pessimistas. É mau demais. O fascismo
espreita.
É a dança da chuva.