domingo, 22 de março de 2015

Furnão: assobiar e olhar para cima

Ilustração: http://caixadoistucanodefurnas.blogspot.pt/
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Os conservadores não se cansam de falar em corrupção. Usar o tema numa troca de argumentos é quase sempre a bala de prata. E o pior: quem o profere parece ganhar uma aura de santidade e de superioridade moral. Mas estar contra a corrupção é um estado ético e não moral, como esses moralistas querem fazer crer. Pergunto: não será corrupto o olhar seletivo para a corrupção? Porque para essa gente, a corrupção só entra em jogo se for contra o atual governo.

Esse glaucoma político provoca uma distorção no foco de análise, porque setorializa o campo da corrupção. Se envolver o Partidos dos Trabalhadores tem atenção, se expuser a direita a coisa muda de figura. As revelações sobre escandaleiras na oposição não param de suceder. Mas os moralistas, que se escondem atrás do silêncio de uma certa imprensa tradicional, não veem esses fatos. O resultado é que ninguém fala de coisas como o Suiçalão, o Tremsalão, o Listão de Janot e por aí vai. Ou seja, a sociedade se omite de olhar a questão de forma séria.

Por isso hoje vamos lembrar o Furnão (aumentativo para Lista de Furnas), escândalo para o qual os reaças se fazem de cegos, surdos e mudos. Afinal, se admitirem a existência de roubalheira no “outro lado” o seu mundo mental desaba. E por que escolher o Furnão? Porque é um esquema de uso de verbas onde parece não haver PT. E também porque, dada uma certa antiguidade, mostra que o fenômeno da corrupção não é assim tão jovem como prega o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

A comunicação social relata que o PSDB abocanha a grande fatia, cerca de 68% da grana, enquanto PFL (a coisa é antiga), PP, PMDB, PL e PTB ficam com os “restos”. A lista mostra nomes como José Serra, Geraldo Alckmin e, claro, o impoluto Aécio Neves. Houve um questionamento sobre a autenticidade dessa lista, que inclui mais de 150 políticos, mas a Folha de S. Paulo, que foi ouvir fontes oficiais, há poucos dias confirmou que são autênticas.

E você, que enche o peito para falar em corrupção, vai continuar a assobiar e olhar para cima?

Se quiser ver a lista, eis o link.
http://caixadoistucanodefurnas.blogspot.pt/




sexta-feira, 20 de março de 2015

Quando as letras choram, a cidade chora junto

POR SALVADOR NETO

“Uma cidade sem cultura, é apenas um amontoado de gente”. Com essa frase, o ex-prefeito de Joinville por três vezes, deputado federal por outras tantas, e governador de SC por duas vezes, atual senador da república Luiz Henrique da Silveira, marcou o evento de abertura das comemorações dos 15 anos do Balé Bolshoi na maior cidade do estado. Vindo de quem vem, pode ter vários sentidos. Pode ser apenas discurso, ou bravata, ou aviso. Vai saber! 

A fala do senador chega em um momento que seu eleito, prefeito Udo Döhler, sim do PMDB também, acabava de avisar via grande mídia como sempre, que unir em uma só secretaria a educação, o esporte, o lazer e a cultura é vislumbrar o futuro. Claro, com tal visão tacanha, sua proposta foi rapidamente atacada por todo o setor cultural da cidade, inclusive pelo Conselho Municipal de Cultura. Não poderia ser diferente. Mas, não bastasse isso, outra notícia mexeu com o setor cultural joinvilense: o encerramento da parceria entre escritores e a Biblioteca Pública.

Talvez o incauto leitor não saiba, mas a presença da Confraria do Escritor a partir do projeto Joinville, Cidade dos Livros, e do Plano Municipal do Livro, Leitura e Literatura, produziu efeitos encantadores na cidade. Deste movimento literário, vários movimentos se sucederam em projetos que espalharam livros, leitura e escritores, por escolas, praças, além de ser o embrião da já consagrada Associação Confraria das Letras, que entre outras coisas já editou sete miniantologias Letras da Confraria, dois grandes encontros catarinenses de escritores, e dois livros/antologias, o Saganossa e o Saganossa – Outras Histórias, este a ser lançado na próxima Feira do Livro em abril próximo. Tudo isso com recursos próprios.

Não falamos aqui da produção literária de cada escritor envolvido nos dois movimentos. Faltariam linhas para expor, porque há sim muitos escritores escrevendo belas histórias em poesias, crônicas, contos, romances, e todos realizando seu papel em grande maioria sem qualquer centavo público. Pura garra. Pura emoção. Pura criatividade e vontade de realizar o que é preciso para uma sociedade desenvolvida. Não economicamente, mas culturalmente e socialmente, o que por sí só impulsiona uma cidade ao progresso com bases sólidas e sustentáveis.

O fato é que o atual governo Udo não tem compromisso com a cultura como uma política pública permanente. Visite os museus da cidade e verás. Veja que os cursos da Casa da Cultura buscam alunos por perder “força”, pois faltam recursos. O Museu do Sambaqui fica embaixo de água após a enchente, aos cuidados dos abnegados servidores, porque a gestão cultural não tem interesse na história. Mas voltemos a leitura, aos livros, à produção literária. Que futuro queremos se sequer os escritores e escritoras tem o apoio do espaço de uma biblioteca – pública – para encontros, apoio, debates, por falta de “gente”?

Para onde caminha uma cidade, dita como “a maior” de Santa Catarina, se o governo não prioriza seus intelectuais, artistas, produtores, escritores, gente que agita o pensamento, promove a criatividade, motiva crianças, jovens e adultos para escrever, sim, escrever uma nova história de desenvolvimento social e econômico que não passe apenas pela indústria e seu modelo reprodutivo repetitivo, pura produção de peças, produtos, marcas? A modernidade proposta pelo Prefeito em sua campanha é somente isso? Continuar transformando crianças, jovens e homens em máquinas de apertar botões? 

Uma cidade com mais de 600 mil habitantes que tem apenas uma Casa da Cultura, apenas uma Biblioteca, que neste governo reduziu de tamanho e sequer poder receber um grupo autônomo como a Confraria do Escritor. Uma cidade sem uma politica pública clara e com recursos generosos e garantidos para a cultura e literatura. Uma cidade em que a Feira do Livro chega a sua décima segunda edição ainda penando para angariar recursos para se realizar. Uma cidade em que produtores culturais, artistas, escritores, todos, sem muito apoio público, luta arduamente para continuar seu trabalho.



Que futuro tem uma cidade assim? Uma cidade sem futuro para a cultura, sem produtores de sentidos, de criatividade, sem a formação do pensamento crítico, será com certeza em poucos anos, apenas um amontoado de gente formada apenas para ser uma massa trabalhadora para as indústrias, uma cidade empobrecida cultural, social e economicamente. É isso que queremos? Quando as letras choram como agora, a cidade chora junto. Com a palavra, o leitor cidadão.