sábado, 19 de novembro de 2011

Mobilidade urbana

Quando as ruas pertenciam aos pedestres - Barcelona 1908

Gostar de Joinville não basta


POR UPIARA BOSCHI

Passei dois anos e três meses em Joinville. Olhando assim, parece pouco. Mas durante esse período, pareceu interminável. Joinville não é uma cidade fácil de entender, de decifrar. Até porque ela não parece se esforçar para isso.

Antes de escrever esse texto, perguntei a uma amiga paulistana que passou um dia em Joinville recentemente, quais foram suas impressões sobre a cidade. A primeira palavra que veio à cabeça dela foi "inóspita". Levei um susto, por achar forte demais o termo. E é, como ela mesmo reconheceu.

A amiga não queria dizer que foi mal recebida. Ela achou a cidade vazia, com enormes terrenos desocupados em regiões que lhe pareceram centrais - e eram. Achou que o aeroporto era o menor que tinha visto e que o trânsito, embora não fosse um grande problema, oferecia poucas opções de rotas. Poucas pessoas que conheço são tão paulistanas quanto ela e, certamente, a metrópole é seu parâmetro.

Tinha um pouco de São Paulo na cabeça, mas muito, certamente, de Florianópolis - a cidade que considero minha - quando cheguei na rodoviária de Joinville no fim de 2007, para ficar por uma quantidade de tempo impossível de prever. Que acabaram sendo os tais dois anos e três meses. Não achei Joinville inóspita, mas tive certeza de que ela não gostou de mim. Levou um bom tempo para que conseguíssemos conviver e descobrir afinidades. Na época, a frase que eu mais ouvia quando reclamava da vida joinvilense, especialmente a noturna, era "agora está bom, há cinco anos era pior".

Quando minha amiga paulistana falava de suas breves impressões sobre a cidade, minha vontade era repetir essa mesma frase. Acabei me vendo no papel inverso ao de quando fazia minhas queixas. De repente, era eu o complacente a contextualizar os problemas de Joinville.

Talvez esse seja um dos grandes problemas da cidade. Há sempre quem a defenda, inclusive seus problemas. Ao finalmente ultrapassar a barreira dos 500 mil habitantes, Joinville se vê diante dos problemas que sua dimensão proporciona e dos presentes no cômodo autorretrato que boa parte de suas habitantes enxerga. Nessa mistura, os problemas reais viram polêmicas murchas. A cidade deve ou não ter elevados, o que fazer com as árvores da avenida, quantos vereadores são necessários, etc.

No momento de transição que vive, Joinville precisava descobrir a cidade que é e a que quer ser. E dar às picuinhas entre certos grupos e rivalidades políticas a pequena importância que elas merecem ter no cotidiano de uma cidade desse porte. Ou então vai seguir sendo a mais populosa e mais rica do Estado, mas que não consegue sair de seu imobilismo. Se Joinville avança, leva junto Santa Catarina - este Estado que, na prática, não tem Capital.

E olha que esta opinião, como dizem os bocas alugadas das rádios locais diante de qualquer crítica à cidade, "é coisa de quem não gosta de Joinville".

Upiara Boschi é jornalista, trabalha no Diário Catarinense e passou 2 anos e 3 meses em Joinville, no A Notícia, entre 2007 e 2010.

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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A barba do sapo barbudo

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO


A ideia era evitar o assunto. Mas parece que a coisa ganhou contornos de fato jornalístico e, como toca na minha área de trabalho, fico à vontade para dar um pitaco. A notícia seria de que Lula teria recebido uma proposta de 1 milhão de reais da Procter & Gamble, detentora da Gillette, para cortar a barba com lâminas da marca.

Antes dos comentários, vamos aos fatos.

1. A notícia surgiu na coluna Radar Online, da revista Veja.

2. A Gillette negou que tal proposta tenha sido feita.

3. Até ao momento em que escrevo este texto ninguém conseguiu provar qualquer coisa nesse sentido.

4. Pessoalmente não sei se houve essa proposta. Li aqui e ali, mas sei tanto quanto qualquer leitor do Chuva Ácida. Ou seja, pouco.

Mas os fatos não interessam. O que interessa às pessoas é aquilo em que elas querem acreditar. Os que odeiam Lula acham que o cara é um safardana e que certamente fez alguma coisa errada. Os que defendem o ex-presidente acham que ele não chegaria ao ponto de deixar a imagem na mira dos detratores.

Em tempo de revolução digital, a opinião pública é baseada muito na emoção e pouco na razão. E passa a valer a lógica expressa na famosa frase atribuída a Nelson Rodrigues:

- Quando os fatos contradizem a minha opinião, danem-se os fatos.

Mesmo assim, vamos analisar os fatos.

É importante salientar que é uma notícia publicada pela “Veja” (poucas publicações de peso repercutiram a nota). Mesmo com o desmentido, a revista insiste na sua versão e diz que a fonte da informação seriam pessoas próximas. Aliás, parece que por lá as fontes são sempre “pessoas próximas”. Ah... o nome é “Veja”. E para bom leitor essa palavra basta.

O fabricante desmentiu a notícia. Mas como profissional de marketing fico a perguntar: e se a proposta realmente tivesse sido feita? Posso estar enganado, mas uma marca líder teria muito pouco a ganhar com uma associação ao câncer. Pode ser que não. Mas o risco parece ser muito maior do que os benefícios para a marca.

Mas os marketeers são seres tinhosos. E fico aqui a imaginar uma solução para criar um goodwill. Porque a percepção dos eleitores/consumidores sofreria uma reviravolta se Lula aceitasse (desde que com um certo recato) e o dinheiro fosse revertido para uma instituição de combate ao câncer. Seria um negócio onde todo mundo sairia a ganhar. Você ia reclamar?

Mas com Gilette ou sem Gillette, tem gente que achou oportunismo a publicação das fotos do ex-presidente sem cabelos e sem barba. Oportunismo? Não, gente. É jornalismo. Aliás, um fato tão relevante do ponto de vista jornalístico que jornais de todo o mundo publicaram as fotos.

Mas de tudo o que se fala e escreve, só uma coisa é certa: o sapo barbudo não tem mais barba.



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POR ET BARTHES

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