quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Michael Hill: o homem que sobreviveu a uma facada no cérebro

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Imagine que está a caminhar descontraidamente e, assim do nada, surge alguém que lhe dá uma facada na cabeça. Não uma facada qualquer, mas um corte que vai até perto do tronco cerebral. Estranho, não? Mas aconteceu. É a história de Michael Hill, que em 1998, na cidade de Birmingham, no Alabama, foi atacado por um homem desconhecido enquanto caminhava pela rua.


A arma era uma faca de sobrevivência de 20 centímetros, que perfurou profundamente no crânio de Hill. Levado para o Hospital UAB a faca foi retirada depois de uma intervenção que levou cerca de duas horas. O homem passou duas semanas no hospital para se recuperar e o mais incrível é que retomou a vida normal, apesar de algumas consequências.


Michael Hill, um vendedor de seguro que na altura tinha 26 anos, disse que as dores de cabeça foram as piores sequelas, por serem fortes e debilitantes. Um problema que piorava com o cansaço ou o estresse. Problemas de memória faziam com que esquecesse o que estava a fazer ou mesmo para onde estava a ir. Mas também afirmou estar feliz pela sorte de ter escapado com vida.


O ataque ocorreu em uma noite escura e chuvosa, o que impossibilitou Hill de ver o rosto do agressor. A radiografia do crânio de Hill foi publicada pela primeira vez no “The Birmingham News” e rapidamente se tornou viral, com a reprodução  jornais, revistas e sites de notícias. A história também foi apresentada em programas de televisão e documentários.


É a dança da chuva.

A radiografia da facada


terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Ditaduras e autocracias. Qual é a diferença?

POR JOSÉ ANTONIO BAÇO

Faz algum tempo, logo após a queda do Muro de Berlin, o pensador norte-americano Francis Fukuyama publicou o famoso livro “O Fim da História e o Último Homem”, que celebrava a vitória da democracia liberal e a realização da ideia kantiana da paz perpétua. Um momento de otimismo logo foi desmentido pela realidade. A história estava viva e a paz era passageira.

Quando tudo apontava para uma evolução rumo à democracia, o mundo começou a caminhar para novas convulsões. E daí surgiram autocracias e ditaduras. Um Bolsonaro, um Trump ou um Erdogan, por exemplo, não são frutos do acaso, mas sim resultados de um processo histórico. Porque há muitos fatores a contribuir para o crescimento dos regimes autoritários.

Em termos da geopolítica global, é importante considerar o declínio da influência dos Estados Unidos nas últimas décadas. Os norte-americanos são firmes na defesa da democracia liberal, mas têm cometido erros ao tentar importar o modelo a outros países que não têm essa tradição. Essa inegável perda de força dos EUA abre espaço para regimes autoritários.

Outro fator importante é a ascensão da China como potência global. O país asiático, que pode ser considerado um capitalismo de estado, tem uma matriz autoritária e é cada vez mais influente na política externa, mesmo sem precisar intervir diretamente em conflitos. A China reprime apoia regimes autoritários como Rússia, Irã, Venezuela ou Coreia do Norte.

No que se relaciona à política mais pedestre, é preciso ter em mente que a democracia liberal está numa encruzilhada. O sistema tem sido desafiado por uma série de fatores, como a ascensão da extrema-direita, a polarização política e a corrupção. Esses vetores contribuem para o enfraquecimento das instituições democráticas e a ascensão de regimes autoritários.

Também é importante considerar o papel da tecnologia, que pode ser usada para reprimir a dissidência e manter os povos sob controle. Os regimes autoritários estão cada vez mais a usar a tecnologia para fortalecer o seu poder. Hoje o WhatsApp é muito mais eficaz para passar uma mensagem do que um horário em prime time na televisão. A vitória de Bolsonaro não deixa mentir.

Hoje há muitas ditaduras e autocracias. Não são a mesma coisa? Há nuances. Podemos dizer que as ditaduras existem em países como a China, Coreia do Norte, Irã ou Birmânia. As autocracias estão instaladas em lugares como Rússia, Arábia Saudita, Turquia, Egito, Vietnã. Qual a diferença? A separação nem sempre é clara, porque algumas características se sobrepõem.

O que define uma ditadura? Em primeiro lugar, o governo é centralizado nas mãos de um indivíduo ou de um pequeno grupo. Há repressão política, incluindo prisão, exílio e assassinato de opositores. E, claro, temos a restrição dos direitos políticos e civis, incluindo liberdade de expressão, reunião e associação. Os poderes não são independentes.

Em que diferem as autocracias? Em quase nada. Mas realizam eleições multipartidárias, apesar de os direitos políticos e civis serem restringidos. O governo também é controlado por um partido ou grupo dominante e a oposição é reprimida. Os poderes são cooptados pelos que detêm o poder, em especial no plano do executivo.

É claro que pode haver divergências conceituais, mas há um facto indesmentível: nenhum desses dois modelos é aceitável para quem prefere a democracia, mesmo com todos os seus defeitos. Mas, infelizmente, o bolsonarismo brasileiro é a prova de que há muita gente que não quer saber de democracia. Há gente disposta a abrir mão da própria liberdade, como já salientou Étienne de La Boétie

É a dança da chuva.

Foto: Sima Ghaffarzadeh


segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

A guerra na Ucrânia já tem um vencedor: a indústria armamentista dos EUA

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Só alguém muito distraído pode não ter percebido. A indústria das armas dos EUA está faturando na Ucrânia. E é bom ver um jornalão a falar do tema, já que a imprensa internacional tem dado pouca ou nenhuma atenção. O “The Washington Post” publicou, no ano passado, uma matéria a revelar que a ajuda armamentista dos EUA à Ucrânia estava a dar um enorme impulso à indústria de defesa americana.

A reportagem referia um estudo do Stimson Center, um think tank de Washington, segundo o qual mais de 90% do dinheiro da ajuda militar para a Ucrânia estavam a ser usados para comprar armas da indústria armamentista norte-americana. Eis os números: dos primeiros US$ 7,6 bilhões em ajuda militar à Ucrânia, US$ 7,3 bilhões teriam sido usados na compra de armas nos EUA.

Na semana passada, um novo texto voltou ao assunto, desta vez assinado por Marc Thiessen, colunista conservador do mesmo jornal. A denúncia é reforçada, mas como uma nuance a ter em conta. É que os conservadores - influenciados pelo trumpismo - ameaçam fechar as torneiras da ajuda à Ucrânia. É parte da estratégia para tentar detonar a candidatura de Joe Biden às eleições de 2024.

O argumento é que, sob o pretexto de ajudar a Ucrânia a se defender da invasão russa, foi criado um negocião para a indústria bélica norte-americana. Além disso, os republicanos argumentam que isso faz a aumentar as tensões entre os Estados Unidos e a Rússia (Trump sonha ser um Putin). Mas há um contrassenso: será que o lobby da indústria das armas, que pende mais para o lado republicano, vai na conversa?

Os republicanos estão a criar problemas para a renovação das ajudas à Ucrânia, o que pode ter algum efeito sobre a opinião dos trumpistas. É a interpretação do slogan "America First". A indústria armamentista sempre contou com os republicanos, mais propensos aos gastos na defesa e à manutenção do poder militar dos EUA, não vai assistir tudo passivamente. Afinal, a pátria dos capitalistas é o dinheiro. 

É a dança da chuva.

Foto: Алесь Усцінаў


quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Svetlana Alliluyeva, a filha rebelde de Stalin

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Uma história de amor e ódio. Em 1942, a jovem Svetlana Alliluyeva, filha de Joseph Stalin, se apaixonou por Alexei Kapler, um cineasta judeu. Nessa época, ela tinha 16 anos e ele era já tinha feito 40 anos. É claro que Stalin desaprovou o romance, não apenas pela idade de Kapler, mas também por ser judeu e de origem social inferior.

Os dois se conheceram quando ela foi assistir a um filme que ele dirigiu e começaram a se encontrar em segredo. O romance rapidamente se tornou sério. A filha do ditador soviético ficou grávida, mas sofreu um aborto espontâneo. Stalin soube do romance e ordenou que Kapler fosse preso. Em 1943, o cineasta foi preso e sentenciado a dez anos de confinamento em um gulag, uma prisão de trabalho forçado na União Soviética.

A causa exata da prisão não é clara, mas acredita-se que Stalin tenha usado o romance como pretexto para se livrar de um inimigo potencial. Kapler era um homem culto e bem-sucedido e Stalin pode ter temido que ele influenciasse sua filha de forma negativa. O romance entre Svetlana e Kapler, um exemplo trágico do poder e da brutalidade de Stalin, teve um impacto profundo na vida de ambos. 

A jovem nunca se recuperou da perda de seu amor e ele nunca foi o mesmo depois de sua prisão. Aleksei Yakovlevich Kapler nasceu em Kiev, na Ucrânia, em 1903, e morreu em Moscou, Rússia, em 1979. Trabalhou como cineasta, roteirista, ator e escritor proeminente. Foi conhecido pelo seu trabalho em filmes como "Lênin em 1918", "Homem Anfíbio" e "O Pássaro Azul". 

Svetlana Alliluyeva teve uma vida conturbada e cheia de tragédias. Teve três casamentos e dois filhos. Em 1967, Svetlana fugiu da União Soviética para a Índia, num episódio de grande repercussão internacional. Dois anos depois, mudou para os Estados Unidos, onde se naturalizou e viveu até sua morte, em 2011 (ensaiou uma volta à URSS por causa da doença de um filho, mas acabou por sair novamente).

É a dança da chuva.

Svetlana e Joseph Stalin




quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Está aberta a temporada de caça ao Dino

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

É o tema do momento. A oposição ranhosa não quer ver Flávio Dino no Supremo Tribunal Federal. Os "argumentos" vão se sucedendo. Os opositores políticos e a velha imprensa vendilhona apostaram tudo na negação do “notório saber jurídico”, que é uma das condições para a ascensão à máxima corte. E chegamos ao ridículo de ver um “formador de opinião” de notória ignorância jurídica a bater de forma insistente e irritante nessa tecla.

É tudo conversa para boi dormir. O currículo de Flávio Dino indica que ele possui um conhecimento jurídico amplo e profundo, sustentado uma sólida formação acadêmica e experiência profissional. Além de que a ideia de notório saber é subjetiva. Em termos práticos, caberá ao Senado Federal, através de arguição, decidir se Flávio Dino possui o conhecimento necessário para o cargo de ministro do STF. Não será a imprensa a dar o veredito. E ponto final.

Os motivos de natureza política são evidentes na crítica. Os opositores apontam uma tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de consolidar a hegemonia da esquerda no STF. A tese é de que Dino seria um aliado fiel de Lula (e do PT) e que a sua atuação no tribunal seria pautada por interesses políticos. É irônico. Porque essas mesmas pessoas assobiaram para o lado nas indicações de Kassio Nunes Marques e André Mendonça, que Bolsonaro considerou os seus 20% no Supremo.

A atuação como ministro da Justiça é outro dos argumentos falhados. Os opositores acusam Flávio Dino de ser parcial na condução de investigações e até tentaram pôr a conta do 8 de janeiro no seu currículo. Teses tão frágeis que beiram o ridículo. Aliás, para alguns parlamentares pretendem. uma retaliação pelas tareias que Flávio Dino aplicou em muitos deles, nas infindáveis convocações para debates no parlamento. Os deputados bolsonaristas não cansam de passar vergonha.

E agora surge um bruaá capitaneado pela inenarrável Michelle Bolsonaro, que surge com o argumento de que comunista não pode ser cristão. “Se ele é comunista, ele é contra os valores e princípios cristãos. Não existe comunista cristão, isso é de contramão com a Palavra de Deus. A gente não pode aceitar esse tipo de gente no poder. Já imaginou se esse homem chegar ao STF o que vai acontecer com a gente?”, questionou Michelle Bolsonaro.

Enfim, seguindo o script bolsonarista, a ex-primeira-dama usa o medo como arma. “O que vai acontecer com a gente?”. Ora, o mesmo que tem acontecido até agora. Nada. As igrejas continuam abertas, nenhum fiel foi incomodado. O bolsonarismo está apenas a tentar ressuscitar o espectro do comunismo como um bicho-papão. É como as crianças com medo de monstros em baixo da cama. Para os bolsonaristas, comunismo é toda pessoa que pense diferente. Ou melhor, toda pessoa que pense.

Não é possível antecipar se Flávio Dino vai ser aprovado ou não. Mas há leituras que podem ser feitas nesse xadrez político. O presidente Lula tem muitos anos de janela e não ia atirar Flávio Dino aos leões. E a aproximação a Rodrigo Pacheco, atual presidente do Senado, muito provavelmente tem relação com a aprovação de Dino. O presidente é um negociador exímio e não faria uma indicação que corresse o risco de ser rejeitada. É esperar para ver.

É a dança da chuva.