POR JOSÉ ANTONIO BAÇO
Faz algum tempo, logo após a queda do Muro de Berlin, o pensador norte-americano Francis Fukuyama publicou o famoso livro “O Fim da História e o Último Homem”, que celebrava a vitória da democracia liberal e a realização da ideia kantiana da paz perpétua. Um momento de otimismo logo foi desmentido pela realidade. A história estava viva e a paz era passageira.
Quando tudo apontava para uma evolução rumo à democracia, o mundo começou a caminhar para novas convulsões. E daí surgiram autocracias e ditaduras. Um Bolsonaro, um Trump ou um Erdogan, por exemplo, não são frutos do acaso, mas sim resultados de um processo histórico. Porque há muitos fatores a contribuir para o crescimento dos regimes autoritários.
Em termos da geopolítica global, é importante considerar o declínio da influência dos Estados Unidos nas últimas décadas. Os norte-americanos são firmes na defesa da democracia liberal, mas têm cometido erros ao tentar importar o modelo a outros países que não têm essa tradição. Essa inegável perda de força dos EUA abre espaço para regimes autoritários.
Outro fator importante é a ascensão da China como potência global. O país asiático, que pode ser considerado um capitalismo de estado, tem uma matriz autoritária e é cada vez mais influente na política externa, mesmo sem precisar intervir diretamente em conflitos. A China reprime apoia regimes autoritários como Rússia, Irã, Venezuela ou Coreia do Norte.
No que se relaciona à política mais pedestre, é preciso ter em mente que a democracia liberal está numa encruzilhada. O sistema tem sido desafiado por uma série de fatores, como a ascensão da extrema-direita, a polarização política e a corrupção. Esses vetores contribuem para o enfraquecimento das instituições democráticas e a ascensão de regimes autoritários.
Também é importante considerar o papel da tecnologia, que pode ser usada para reprimir a dissidência e manter os povos sob controle. Os regimes autoritários estão cada vez mais a usar a tecnologia para fortalecer o seu poder. Hoje o WhatsApp é muito mais eficaz para passar uma mensagem do que um horário em prime time na televisão. A vitória de Bolsonaro não deixa mentir.
Hoje há muitas ditaduras e autocracias. Não são a mesma coisa? Há nuances. Podemos dizer que as ditaduras existem em países como a China, Coreia do Norte, Irã ou Birmânia. As autocracias estão instaladas em lugares como Rússia, Arábia Saudita, Turquia, Egito, Vietnã. Qual a diferença? A separação nem sempre é clara, porque algumas características se sobrepõem.
O que define uma ditadura? Em primeiro lugar, o governo é centralizado nas mãos de um indivíduo ou de um pequeno grupo. Há repressão política, incluindo prisão, exílio e assassinato de opositores. E, claro, temos a restrição dos direitos políticos e civis, incluindo liberdade de expressão, reunião e associação. Os poderes não são independentes.
Em que diferem as autocracias? Em quase nada. Mas realizam eleições multipartidárias, apesar de os direitos políticos e civis serem restringidos. O governo também é controlado por um partido ou grupo dominante e a oposição é reprimida. Os poderes são cooptados pelos que detêm o poder, em especial no plano do executivo.
É claro que pode haver divergências conceituais, mas há um facto indesmentível: nenhum desses dois modelos é aceitável para quem prefere a democracia, mesmo com todos os seus defeitos. Mas, infelizmente, o bolsonarismo brasileiro é a prova de que há muita gente que não quer saber de democracia. Há gente disposta a abrir mão da própria liberdade, como já salientou Étienne de La Boétie
É a dança da chuva.
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Foto: Sima Ghaffarzadeh |