terça-feira, 11 de novembro de 2014

A Venezuela, sempre ela...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Venezuela. Opa! Muitos nem se darão ao trabalho de ler o texto: vão direto para os comentários dizer que sou petralha, comuna, esquerdopata e outros elogios. Tenho evitado escrever sobre o país, mas apenas porque não tenho conhecimentos suficientes. Nunca estive lá, raramente leio os jornais locais e apenas esporadicamente dou uma olhada na VTV – televisão estatal venezuelana. Portanto, o silêncio é de ouro.

Mas a questão venezuelana tem um  lado patético. Sempre que alguém quer desqualificar o interlocutor usa o argumento do “bolivariano”. É como se a palavra tivesse poderes mágicos e, quando pronunciada, libertasse uma “verdade” inquestionável. É o mito preferido dos reaças e traz uma ironia: os caras vivem no Brasil e não entendem o próprio país, mas acham que sabem tudo sobre a Venezuela. O nome disso é iliteracia.

Hoje vou meter o meu bedelho porque a coisa chegou aqui deste lado do Atlântico. Os reaças têm feito circular, nas redes sociais, um vídeo da Rádio e Televisão Portuguesa – Madeira segundo o qual o governo venezuelano pretenderia impedir as pessoas de sair do país. Ah... o oráculo da reportagem diz: “Governo venezuelano proibiu a emissão de bilhetes de avião para fora do país”. Parece simples, mas não é (nunca é).

Ora, ninguém discute que a Venezuela está em cirse. Mas é provável que as pessoas não tenham entendido a reportagem, uma vez que o sotaque madeirense é difícil até para os continentais. E ninguém se deu ao trabalho de se informar (estranho se fosse o contrário, né?). Afinal, quem está a causar problemas são os capitalistas, em especial os capitalistas que abusam do capitalismo.

O fato é que há agentes de viagens e operadores turísticos a ganhar dinheiro com a especulação. Quem compra uma passagem tem direito a comprar US$ 3 mil pela cotação oficial do governo. O que acontece? Ora, essas empresas compram passagens e adquirem os dólares, sem que ninguém viaje. E os dólares comprados retornam para o mercado paralelo valendo até sete vezes mais.

É um negócio rentável. Os caras perdem o dinheiro das passagens, mas ainda saem no lucro. O resultado é que os aviões estão sempre “cheios” de passageiros que não viajam, há menos vagas e os preços acabam inflacionados. E mais. Com o dólar oficial, os estrangeiros de países como Colômbia, Equador ou Peru aproveitam para vender os seus dólares no mercado paralelo e comprar as passagens em bolívares. Sai muito mais barato.

As autoridades estimam que 30% dos bilhetes vendidos sejam comprados por estrangeiros, o que acaba provocando uma falta de passagens. Aliás, o oráculo da matéria da RTP-Madeira (que não é muito esclarecedora, digamos), pode dar a entender uma coisa, mas na verdade a reportagem diz que o governo proibiu a emissão de bilhetes com um ano de antecedência.

O fato é que as pessoas nem se deram ao trabalho de ver a matéria, que é imprecisa, e fica fácil distorcer a notícia. É só reduzir a questão ao que se lê no oráculo (na foto) e partilhar o vídeo. É uma mensagem errada? É. Mas o que importa? É assim que o pessoal do ódio prefere. Ah... e não estou a defender a Venezuela e nem o seu governo. É apenas uma tentativa de esclarecer a distorção. Sei que não adianta, mas vou tentando. 


P.S.: Para finalizar, um aviso. Se algum leitor pretende comentar o texto com aquele palavrório manjado dos reaças, pode esquecer. Não perca o seu tempo porque não vou aprovar.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Turismo na Alemanha sem pagar a conta.

POR JORDI CASTAN

Se você é dos que acredita que o dinheiro público de Joinville está sendo bem administrado e que "nenhum centavo será desperdiçado", seria bom pensar duas vezes ou se inteirar melhor de como está sendo gasto o orçamento da cidade.

Entre 29 de agosto e 4 de setembro, o prefeito Udo Dohler e os secretários municipais de Comunicação e Desenvolvimento Econômico do município realizaram viagem à Alemanha, em missão oficial. Afortunadamente para os contribuintes, entre os que o leitor com certeza se encontra, a Lei Orgânica do Município, no seu artigo 63 inciso I, estabelece a obrigatoriedade de apresentar um relato da viagem que a comitiva oficial do município realizou.  O relatório está disponível neste link:

 Relato da Viagem da Comitiva Oficial do Município.

Recomendo a leitura do relato. Não tomará mais de quatro ou cinco minutos do seu tempo e permitirá que tenha conhecimento de como pode ser interessante fazer turismo na Alemanha custeado com recursos públicos. O relato contém oito páginas. Dez, se consideradas a capa e a última página com as assinaturas dos participantes na viagem. Tem 12 fotos e 30 linhas a meia coluna, que se estivessem escritas normalmente não representariam mais de 15 linhas de texto. Linhas que dizem muito pouco ou quase nada do que foi alcançado na viagem. Ou provavelmente mostram a verdade nua e crua.

Se depois de ler o relato ficou com a impressão que tem pouco conteúdo, que  não há objetivos e os possíveis resultados são imprecisos, bem-vindo ao grupo dos que acham que o relato só reforça a impressão que foi uma viagem turística. Fazer-se acompanhar por dois secretários municipais é uma prática comum e evidencia que os nossos prefeitos não gostam de viajar sozinhos. O prefeito Carlito Merss, quando viajou a Europa, com Paris e Barcelona na agenda, tampouco viajou sozinho. O resultado daquela viagem, com desta, foi pífio. Nada de concreto, fora algumas fotos frente a pontos turísticos das cidades visitadas.

Em tempo, o relato anexo a este post foi encaminhado ao Legislativo Municipal, que tem a obrigação constitucional de fiscalizar os atos do Executivo. Tem sorte o prefeito Udo Döhler, porque não há oposição no Legislativo. Se houvesse, com certeza um relato como esse mereceria comentários e duras críticas dos vereadores de oposição. Mas os nossos vereadores são especialistas em olhar para o outro lado quando se trata de fiscalizar o executivo.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Protocolar

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

A Prefeitura de Joinville anunciou, nesta semana, o cronograma das audiências públicas que serão realizadas para discutir o projeto da nova Lei de Ordenamento Territorial. Novamente, e não por falta de aviso, a gestão municipal dá mostras de como tem pressa em aprovar um instrumento que se enrola desde 2008 (quando o Plano Diretor foi aprovado), principalmente ao realizar rápidas audiências públicas apenas para cumprir o que manda a lei.

As oito audiências, distribuídas pelas subprefeituras do município, geram alguns desequilíbrios, considerando a divisão das discussões de uma lei que não pode ser compreendida de forma isolada, por bairros. A nova lei de ordenamento territorial gera imensos impactos por toda a cidade e integra todo o território, e por isso não é concebível que as discussões aconteçam de forma fragmentada. Por outro lado, fragmentar possibilita uma menor complexidade nas discussões e propostas formuladas, as quais culminam em maior fluidez do processo, tudo o que os gestores querem.

Como a população foi sendo, ao longo dos últimos anos, esquematicamente cerceada do processo (obrigatoriedade do CNPJ ou Estatuto Social para se candidatar ao Conselho da Cidade, reuniões a portas fechadas garantidas pela justiça, etc.), ela não tem os complexos subsídios técnicos necessários para a boa participação e assim as audiências públicas culminam num simples "sim ou não".

Independente do resultado destas audiências públicas, lembremos que o processo não termina agora. Os vereadores têm a obrigação de analisar o projeto de lei enviado pelo executivo e, então, sofrerem com novas apreciações da população organizada. Se o executivo está fechado em um projeto claro, cabe ao povo a pressão pela mudança. Caso não seja possível a mudança, a lei de ordenamento territorial entrará em vigor e dentro de alguns anos veremos que a piora da urbanidade joinvilense será um fato sem volta - e não foi por falta de aviso.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Barthes e os petralhas, esquerdistas, comunas...

Roland Barthes
POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

O tema de hoje é a vulgata que todos estamos habituados a ver repetida aqui no blog ou nas redes sociais. “Cuba”, “Venezuela”, “bolivarismo”, “esquerdista”, “petralha”, “comuna” e por aí vai. Quem profere expressões como essas julga ser portador de uma verdade inquestionável. Ou seja, as pessoas acreditam nos poderes mágicos de palavras que, uma vez emitidas, lançam um anátema inescapável sobre o interlocutor.

O fato é que todas essas palavras são cifradas e fazem parte de uma formação que o pensador francês Roland Barthes denominou “mito”. Uma advertência: a popularização da palavra levou a uma distorção do seu sentido. Barthes mantém o conceito no seu significado tradicional filosófico, ou seja, o de um discurso alegórico ou narrativa lendária que pretende dar um fundamento de natureza para a construção dos valores básicos dos povos.

O semiólogo transporta esse conceito para os tempos modernos, pois, em seu entender, o quotidiano das sociedades contemporâneas está repleto de mitos – os pequenos e os grandes – que devem ser decifrados e revelados. Uma tese que ganha corpo com a revolução digital. Apesar de ter mais de meio século, a teoria do mito mantém o seu fulgor e é uma ferramenta teórica que permite descortinar, de maneira eficiente, as contradições que marcam a evolução da sociedade atual.

O mito é o meio para um fim: a imposição de uma certa ideologia (entendida aqui no sentido marxiano, como uma consciência deformada) para a legitimação de uma ordem estabelecida. O mito encontra-se espalhado por todo o tecido social, seja no direito, na moral, na educação, na família ou na política. Mas é nos veículos de comunicação de massa – os grandes vetores de produção simbólica dos nossos tempos – que ele se torna mais cintilante.

O mito tem a função de naturalizar a história e engessar o mundo, de forma a impedir a transformação. Neste contexto, o pensador faz uma denúncia da ideologia burguesa e pequeno-burguesa (o pequeno-burguês é o indivíduo por quem ele nutre uma profunda antipatia), que cria uma espécie de falsa natureza. Mas o que se entende por naturalização da história? É fazer com que os indivíduos aceitem determinados factos como naturais, negligenciando as suas implicações sociais e históricas.

O mito é, portanto, o produto de uma determinada classe social dominante que acaba por ser incorporado pelos membros da classe dominada, mesmo quando vai contra os seus próprios interesses. Produzir essa aceitação – pela naturalização – é a sua função. Enfim, mito e ideologia são parentes muito próximos: entrelaçam-se, confundem-se e são categorias incontornáveis para desmascarar o processo de legitimação da sociedade burguesa.

O mito tem que ser invisível e natural, porque a  sua identificação apontaria sempre para uma tentativa de manipulação. Barthes diz que o mito não é nem uma mentira nem uma confissão: é uma distorção. A sua função, na passagem da história à natureza, é despolitizar os fatos, transformando-os em coisas simples, inocentes. Não interessa a interdição, mas a exposição. É por isso que todos os dias a vulgata citada no início deste texto é repetida ad nauseam.

 Barthes diz que o mito e a direita andam atrelados. E quando está no campo de atuação da direita, o mito toma posse de tudo, da justiça, da moral, da literatura, da estética, etc. E o mais importante: o mito precisa de uma certa fraseologia e os slogans têm um papel insubstituível neste contexto. A frase feita ajuda a apreender e a justificar o mundo de uma maneira muito mais simples, permitindo uma constatação imediata e sem maiores reflexões.


Para usar um exemplo típico dos dias de hoje, quando se diz que estamos a caminhar para a ditadura comunista parece a constatação de uma realidade inequívoca. Feita a afirmação, referendada por um slogan repetido de forma incessante, não é preciso haver constatação e a historicidade é alijada. Mas na verdade estamos frente a um processo de dominação onde o dominado é quem repete essas expressões.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Água e gasolina

Montagem da página Anarcomiguxos III, ironizando o
discurso da direita sobre meritocracia
POR FELIPE SILVEIRA

Findo o processo eleitoral, a discussão política segue mais viva e louca do que nunca. A coisa está tão louca que a direita tá na rua, e olha que nem é no stammtisch. Assim, diante das circunstâncias penso que temos uma tarefa muito importante pela frente, que é jogar duas coisas na fogueira: água e gasolina.

Água no sentido de termos que acalmar alguns ânimos. Sobretudo os golpistas. Não dá pra exigir vergonha na cara desse pessoal, mas dá pra dar uma sacudida e ver se conseguimos trazer alguns de volta pra Terra. Sejamos didáticos e calmos com os próximos, irônicos com outros perdidos e ignoremos os malucos. Que sumam por falta de plateia.

Já a gasolina tem que ser jogada sobre cada movimento e manifestação de oposição ao sistema de opressão que está aí e vai muito além de qualquer governo, embora os governos sejam o braço forte do sistema. Assim, cada pixo, cada texto, cada debate, cada reunião do movimento social ou da associação de bairro, cada fala de resistência se torna, neste cenário, ainda mais significativa.

O mundo é muito tranquilo apenas para alguns poucos. Nós, aqui embaixo, apenas nos acostumamos. Nos acostumamos a trabalhar uma hora a mais, nos acostumamos a morar em bairros cada vez mais distantes, nos acostumamos a demorar mais de uma hora pra chegar em casa num ônibus lotado sem segurança e lugar pra sentar, nos acostumamos a trabalhar algumas horas a mais, a estudar apenas para conquistar uma promoção.

Nos acostumamos a tomar porrada, com o abuso de autoridade, com o assassinato e com a tortura. Nos acostumamos com o racismo, com a homofobia, com o machismo e com a xenofobia. E os reproduzimos. Nos acostumamos a pagar caro e a não ter opção.

Mas, mesmo acostumados, seguimos queimando por dentro, lentamente, até que uma hora estejamos prontos para explodir. E nesta hora coisas importantes podem acontecer. Por isso que a gasolina é importante.