sexta-feira, 16 de maio de 2014

TV Revolta, rede de ódio e a alternativa

POR FELIPE SILVEIRA

A modinha da semana é a tal TV Revolta. Uma porcaria de página no Facebook que publica montagens com teor de direita e principalmente antipetista, além de algumas mensagens de auto-ajuda e outras supostamente engraçadas. É apenas mais uma neste mar de lixo, na rede de ódio que cria a cada dia um novo ponto distribuidor.

O sucesso, imagino, se deve ao modo meio disfarçado de ser de direita e à simplicidade das publicações, que não exigem reflexão alguma dos leitores. Também é diferente de páginas assumidamente fascistas, que exigem dos leitores que assumam preconceitos e o gosto pela violência.

Mas a TV Revolta não é o problema. Como já disse, ela é só mais um nó na rede de ódio que cresce a cada dia, pois odiar é fácil e fomos criados em um sistema que o estimula. O problema é que não conseguimos propor uma alternativa a isso.

O que podemos fazer para mudar os rumos dessa discussão? Investir maciçamente e promover o acesso de todos à educação? Criar vínculos e ações comunitárias que envolvam as pessoas de maneira que elas sejam protagonistas na sociedade? Ir em massas às ruas? Criar e exigir uma imprensa alternativa e transformadora? Criar e cobrar leis que promovam a emancipação e garantam direitos à sociedade?

Parece-me que tudo isso é extremamente importante, mas também muito lento. Enquanto isso a TV Revolta chega a milhões de pessoas, assim como as igrejas, certos radialistas locais, o Cidade Alerta, o Jornal Nacional...

O cenário é tão desolador quanto o sistema de abastecimento de água de São Paulo, mas, assim como a chuva pode cair a qualquer momento, uma ideia nova pode aparecer. E, se não aparecer, sigamos em frente, construindo nossos laços, nossa rede.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Amarrado 02


Vai ter Copa! E...?


Não é preciso entender alemão
POR CLÓVIS GRUNER

Desde criança me sinto um peixe fora d’água: nascido e criado em um país que fez do futebol uma espécie de patrimônio, passei a esmagadora maioria de meus anos sem entender, gostar, jogar ou acompanhar futebol. E mesmo tendo descoberto, só recentemente, que realmente pode ser divertido “jogar uma pelada” com os amigos, minha inaptidão para o esporte permanece inalterada: eu não apenas jogo mal sempre que entro em campo, como meu contato com o futebol se limita aos encontros de sábado à tarde com alguns camaradas e alunos. Embora agora jogue, eu continuo sem entender, gostar ou acompanhar futebol.

Por isso me causou certo estranhamento quando comecei a ver pipocar, nas ruas e demais redes sociais, o “Não vai ter Copa”. Indaguei-me algumas vezes acerca do por que em um país que sempre amou o futebol, e que amargou décadas esperando sediar novamente uma Copa do Mundo – sim, acreditem, já houve um tempo em que reclamávamos do descaso da FIFA –, muitos entre nós tratamos o evento não apenas com desdém, mas com sincero repúdio?

Não existe uma resposta única, nem tampouco óbvia, para a questão; da mesma maneira como não são unívocos os motivos que levam tanta gente a compartilhar a palavra de ordem #nãovaitercopa. Há muito oportunismo, sem dúvida, especialmente porque o evento coincide com o ano eleitoral e a oposição, desprovida de projetos e programas, aposta suas fichas no fracasso da Copa do Mundo para desestabilizar o governo e faturar uma casquinha eleitoral. Mas até aí nenhuma novidade. Faz parte do jogo, e o PT não faria diferente se fosse o contrário.

Há, igualmente, muita ingenuidade, um bom quinhão de desinformação e porções generosas de má fé. É ingênuo acreditar, mesmo vagamente, que os investimentos em educação e saúde, por exemplo, seriam maiores e melhores sem a Copa do Mundo ou que nossos problemas, estruturais alguns deles, estariam magicamente resolvidos não fosse o evento. Falta informação a quem insiste em afirmar que os investimentos feitos sangram os cofres públicos e contribuem para fragilizar ainda mais a economia; nossas incertezas econômicas não começaram com a Copa e não se encerrarão depois dela. Mas, principalmente, compartilhar uma notícia velha e descontextualizada, elogiando a decisão do ditador João Batista Figueiredo ao recusar, em 1983, sediar a Copa de 1986, como se isso o tornasse algo mais do que ele realmente foi, um presidente autoritário e truculento, se não é má fé, só pode ser estupidez.

COPA E DEMOCRACIA – Mas não acho que se possa ver a questão apenas sob esse prisma. Porque se há um pouco de quase tudo no movimento “Não vai ter copa”, há demandas legítimas que nos obrigam a avaliar a porção de responsabilidade principalmente do governo federal nas crescentes demonstrações de descontamento. Faltou, falta, transparência onde sobra truculência, e a recente declaração da presidente Dilma Rousseff, de “quem quiser manifestar, pode! Mas quem quiser manifestar não pode prejudicar a Copa”, não ajuda a amenizar a sensação de que o custo social e político da Copa, já alto, não cessa de subir.

Impressão reforçada com a matéria publicada na mais recente edição da revista alemã Der Spiegel. O texto ressalta a maneira enviesada como muitas das decisões foram tomadas e a herança violenta do campeonato: os operários mortos na execução das obras, conduzidas com pressa irresponsável; a ação higienizadora da polícia e do exército que, à bala de borracha e gás lacrimogêneo, expulsam das ruas os manifestantes, principalmente nas cidades-sede; os milhares de cidadãos brasileiros removidos à força em função das obras. Nesse sentido, o grito “Não vai ter copa!” tem também uma conotação simbólica fundamental. Porque não se trata, óbvio, de barrar um evento mundial – ninguém, acho, é ingênuo a esse ponto –, mas de confrontar o discurso estatal, sempre monumental e laudatório; de escová-lo a contrapelo para fazer aparecer, além da superfície lisa das imagens oficiais, as muitas asperezas que ele encobre.

Por isso me parece equivocado atribuir um caráter exclusivamente conservador às movimentações contra a Copa. Que oportunistas estejam a erguer uma bandeira, preocupados em simplesmente desestabilizar o governo; que uma oposição à deriva esteja a fazer dela um uso eleitoreiro; que setores principalmente das camadas médias estejam a aproveitar o ensejo para reiterar seu conservadorismo tacanho e ressentido, nada disso retira sua legitimidade. Porque junto a estes há também aqueles que vislumbram, nos protestos, a possibilidade de ampliar nossa experiência democrática e, a exemplo do que ocorreu em junho do ano passado, usam as ruas e as redes para construir alternativas de participação e ocupação do espaço público que não exclusivamente as que passam pelos mecanismos institucionais da política. 

Quase sem querer, o “Não vai ter Copa” revela uma faceta fundamental de nossas três décadas de retomada democrática, depois de duas de ditadura. Uma sociedade não vai às ruas questionar sua democracia, sem ter a segurança de que ela está suficientemente consolidada em seus aspectos formais para ser criticada e tensionada. E somente uma geração felizmente desacostumada à ditadura e, por isso, mais atenta às fragilidades e contradições da democracia, bem como à necessidade de fazê-la avançar, é capaz de fazer isso. Porque ela sabe que a democracia não pode limitar-se às formalidades institucionais, ainda que elas sejam importantes: ela precisa deslizar para o cotidiano e ser um pressuposto fundamental de uma cultura política e de experiências de vida efetivamente pluralistas. E talvez seja esse o principal legado da Copa.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Casa Grande é Casa Grande, Senzala é Senzala


Ilustração da capa do livro Casa Grande e Senzala

POR JOSE ANTÓNIO BAÇO

Hoje proponho um exercício. E se muitas das ações dos últimos anos – aquelas que foram alvo de duras críticas – não tivessem sido levadas a efeito? Ou seja, vamos imaginar como seria o Brasil se alguém desse atenção aos críticos e simplesmente deixasse muitas ideias para trás. Então, vamos usar um pouquinho de imaginação e pensar num país feito à imagem dos seus críticos.

- Vamos acabar com o Bolsa Família.
- Não vai mais ter Copa do Mundo.
- Podemos abrir mão dos Jogos Olímpicos, que vão para Londres.
- Acabar com as cotas nas universidades é outra medida inadiável.
- Que tal tirar a Petrobras das mãos do governo e entregar aos privatistas?
- Vamos deixar para lá esse investimento no Porto de Mariel.
- Revogar a lei do Marco Civil é algo que se impõe.
- Também vamos fechar as universidades criadas nos últimos anos.

Parece que temos exemplos suficientes. O que isso significaria? Ora, apenas um regresso à “normalidade”. Pobres sem lugar na economia (não-consumidores) e a continuar na exclusão. Negros fora das universidades. Um país sem eventos capazes de projetar uma imagem internacional e de iniciar uma cultura de turismo. Como em outros casos, uma estratégica empresa petrolífera nas ávidas mãos dos privados. A ausência de estratégias para integração numa economia globalizada. A internet nas mãos dos grupos que mandam mais.

É esse o Brasil vocês imaginaram, leitor e leitora? Aposto que sim. Mas pensemos: não é o mesmo Brasil que tínhamos há 30, 40 ou 50 anos? Exato. Mas é para onde essa gente pretende voltar. Porque tem saudades daquele Brasil onde as coisas estavam todas no seu devido lugar. Ou seja, o que os conservadores desejam é uma volta à velha sociedade onde as posições eram cristalinas: Casa Grande é Casa Grande, Senzala é Senzala. Uma sociedade onde pobre era pobre e não tinha que ficar sonhando com geladeira. Para que geladeira se não tem comida?

O que querem os conservadores? Voltar a um país com universidades apenas para os meninos das boas famílias. Um país fascinado pelo tal primeiro mundo e que, como poucos podiam viajar, criava uma ideia de distinção social. Um país dependente, acorrentado a decisões tomadas por credores externos, e para o qual a expressão diplomacia econômica não existia. Um país que andava de joelhos perante as instâncias internacionais. Um país onde cada um cuida de si e inexiste a solidariedade para com o mais fraco: aquela arenga do "dar a vara..."

Enfim, o que os conservadores propõem é o passado. 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

A sociedade dos operativos

POR  JORDI CASTAN



Temos nos acostumado a avançar de forma espasmódica, a saltos. Se fosse bom, alguns poderiam dizer que avançamos a orgasmos. Mas não são orgasmos, porque não há gozo, só frustração. Temos desenvolvido a cultura do operativo e feito dela um modelo de gestão, que em Joinville cunhou o neologismo “geston”. Quem é daqui entende.

Aumentaram os assaltos no centro da cidade? Durante uns dias se monta um operativo e com grande movimentação de policiais, automóveis com sirenes e giroflex ligadas, motocicletas para cima e para baixo em alta velocidade e, se for preciso, até a cavalaria é colocada nas ruas para criar a impressão que se esta fazendo alguma coisa. Resolve? Provavelmente não muito, mas a impressão que fica é a de que se esta fazendo alguma coisa.

As ruas estão esburacadas, há mais remendo que asfalto original e a maioria delas não tem mais de 10 anos de asfaltadas. Será que não deveríamos prestar mais atenção à qualidade do asfalto? Quanto tempo deveria durar um asfalto sem começar a se desintegrar? Melhor não fazer muitas perguntas. Não seja que acabemos averiguando que o asfalto, esse que não dura e que recebeu o apelido de “casca de ovo”, foi executado na gestão de um futuro aliado político. Nada que não possa ser resolvido com uma nova “Operação Tapa-Buracos”.

O mato toma conta de parques e praças? Pois chegou a hora de pedir ajuda aos apenados e roçar tudo. Em poucos dias fica tudo roçadinho e com cara de limpo, o que não vai durar muito. E na roçada também foram cortados os canteiros de flor e arrancada a metade dos arbustos. Não é importante o operativo: “apenados contra o mato” foi um sucesso e, no próximo mês, teremos uma nova edição do mesmo operativo em outra praça.

A escola tem goteiras, os banheiros estão em péssimo estado e precisando uma mão de pintura? Nada de fazer manutenção preventiva, nada de ir reparando aos poucos. O certo é contratar um grande programa de reforma de todas as escolas e assim poder lançar um pomposo operativo, seja o "Pacto por Santa Catarina", os famosos PAC ou o "1, 2, 3 ou 4 tanto faz". Vivemos a base de choques de gestão. E o paciente depois de levar tanto choque não está reagindo mais.

A ideia do operativo está enquistada na nossa cultura. Somos levados a acreditar nos discursos marqueteiros e fantasiosos dos políticos candidatos, que falam de milhares de escolas, de centenas de creches ou de dezenas de novas ambulâncias para melhorar a saúde. E não verificamos o quanto há de verdadeiro.  Abominamos a manutenção preventiva, o cuidado diário, o fazer bem feito sempre e substituímos por esses pirotécnicos e custosos operativos que custam fortunas e são pouco eficazes. E nos levam a acreditar que uma boa manutenção que dizer que quando algo estraga é trocado rapidamente. 

Não ocorre a ninguém e que a boa manutenção é aquela que faz com que as ruas se mantenham sem buracos, seguras, os canteiros floridos, as lâmpadas acessas, as faixas de pedestres pintadas e os telhados das escolas, os PAs e dos demais edifícios públicos sem goteiras e os corredores livres de baldes a cada trovoada?