sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Natal é o símbolo do capitalismo: consumismo, exclusão e hipocrisia

POR DOMINGOS MIRANDA
Natal é o período do ano em que os comerciantes mais ganham dinheiro. O consumismo exagerado encobre uma outra realidade. Milhões de deserdados não participam desta festa, ficam apenas com a propaganda de produtos que deverão ser comprados e presenteados para aqueles mais privilegiados. Para algumas crianças que nada receberão do Papai Noel são realizadas campanhas de solidariedade para arrecadar presentes. Mas, geralmente, quem organiza isto são aqueles empresários que pressionam os deputados e senadores a aprovarem leis que tiram direitos dos trabalhadores. Mas, o que importa, é a propaganda. A hipocrisia abre as asas.

Neste ano, com mais de 13 milhões de desempregados, muitos pais terão que explicar para as crianças que não haverá presente. E elas não entendem estas contradições. Enquanto algumas desfilam pelas ruas com seus belos presentes, outras ficam sonhando com o dia em que poderão ganhar alguma coisa. Também existem almas bondosas que fazem trabalhos anônimos em prol dos pequeninos e que às vezes são injustiçados. Como aconteceu na cidade  paulista de Itatiba, no dia 10 de dezembro.  Um comerciante da cidade  há vários anos se fantasia de Papai Noel e sai distribuindo doces pelos bairros mais pobres. Mas, este ano, como os doces acabaram, foi apedrejado.

Acho que a data perdeu, há muito, o sentido de solidariedade. Comecei a analisar melhor esta questão, em dezembro de 1983, quando trabalhava no jornal Tribuna Operária e fui fazer uma reportagem intitulada “Natal dos desempregados sem festas e presentes”. Escolhi o Largo 13 de Maio, na zona Sul de São Paulo, ponto de encontro dos trabalhadores, para ouvir as pessoas. O país passava por uma grave crise econômica, pior do que a atual. Somente nos três primeiros meses do ano foram demitidos 55 mil operários na cidade mais industrializada do Brasil. Naquela época não havia salário-desemprego e nem bolsa-família. O desemprego significava fome no lar.

Com a chegada do fim de ano aumentava a angústia daqueles que buscavam emprego. Escrevi: “Para o piauiense Amadeu Carlos da Mota, o Natal vai ser duplamente ruim: sem dinheiro e longe da família. Sentado com mais dois companheiros em um banco do Largo 13, rosto abatido, Amadeu afirma que ‘este Natal vai ser bem pior para mim porque estou desempregado’. Está  há três meses em São Paulo e deixou a mulher e os dois filhos em São Raimundo Nonato, no Piauí. Chegando em São Paulo foi trabalhar na construção civil, mas há 15 dias perdeu o emprego e agora não tem local para morar.”

Outro trecho da reportagem: “Um grupo de capoeira chega ao local para fazer uma apresentação e então se forma um círculo em volta dele. Atento às evoluções dos capoeiristas, o alagoano Arnaldo Augusto dos Santos esquece um pouco os seus problemas. Ajeitando seu boné na cabeça, ele conta que trabalhava como soldador, até ser “encostado” pelo INPS, com bronquite. Arnaldo ganha 36 mil cruzeiros por mês, tem seis filhos e diz que ‘este Natal vai ser mais difícil do que os outros. Na época que eu trabalhava, a firma dava uns presentes para as crianças, mas agora faço de conta que não existe Natal’”. No mesmo Largo 13, quatro meses depois, explodiu uma rebelião espontânea dos desempregados que parou a capital por três dias.

Ah, antes que me esqueça, no 25 de dezembro os cristãos também comemoram o nascimento de Jesus Cristo. Se aquele menino, que mais tarde morreu na cruz, morasse hoje no Brasil, com certeza, passaria por todas as privações daqueles da sua classe, dos pobres e marginalizados. O problema poderia ser resolvido se a sociedade fosse mais justa, mas isto os privilegiados não aceitam e lutam de todas as maneiras para impedir um mundo mais igualitário. O Natal perdeu qualquer significado para mim. Alguns podem se escandalizar com isso, mas escândalo maior é não sentir a angústia de uma criança marginalizada.