segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Meritocracia


O dia em que a Espanha perdeu a Catalunha. Gracias, Mariano!


POR JORDI CASTAN
Sem a ajuda de Mariano Rajoy, o referendum deste 1 de outubro na Catalunha não teria tido nem o resultado e nem a visibilidade internacional que teve. Reprimir com violência desproporcional o referendo não foi uma boa ideia, mas não há como esperar que este round terminasse bem.

Quando na política, e também na vida, dominam a ignorância e a incompetência, os resultados acabam sendo sempre desastrosos. Ignorância porque nem Mariano Rajoy, nem seu governo conseguem compreender a profundidade, complexidade e as implicações do que chamam “o problema catalão”. E é por não compreenderem que não sabem o “que” e “como” fazer. E por isso são incapazes de agir e resolver o problema em que a sua inoperância colocou as partes envolvidas.

A Catalunha historicamente sempre reivindicou uma maior autonomia. A resposta do governo do PP (Partido Popular) sempre foi a intransigência, a ausência de diálogo e a retirada unilateral de direitos adquiridos. O resultado tem sido, ao longo destes anos de governo do PP, o crescimento do movimento independentista. E que levou à situação atual, em que o governo catalão acabou marcando a data para a realização de um referendo sobre o desejo dos catalães.

O governo nacional decidiu proibir a consulta popular e, com esta atitude, deu ainda mais asas aos grupos independentistas. Aliás, os mesmos que por décadas tentaram negociar o retorno para a gestão catalã das responsabilidades que o governo central foi retirando de forma discricional e autoritária. O resultado esta aí. As urnas não deixam mentir.

Num país em que o voto não é obrigatório, mais de 42% do eleitorado foi a votar. Saíram de casa a para se dirigir aos colégios eleitorais, espalhados  por todo o território catalão, mesmo com a Polícia Nacional e a Guarda Civil (polícia paramilitar espanhola) fechando escolas e evitando que as pessoas pudessem votar. Mais de 700.000 eleitores ficaram impedidos de votar, em mais de 400 mesas eleitorais as perigosas urnas foram aprendidas e estes votos não poderão ser incluídos no resultado final. Há um resultado inapelável, 90% dos votos são votos pelo “sim”. Esse sim que representa claramente o desejo da maioria para que a Catalunha se converter numa republica independente.

O governo nacional não conseguiu o seu objetivo de amedrontar os catalães. O medo não funcionou como inibidor, os catalães saíram em massa as ruas para defender o seu direito a votar. As imagens de truculência da Polícia Nacional e da Guardia Civil, que a imprensa divulgou em nível mundial, não evitaram que famílias inteiras votassem e cotassem a favor da independência. Estive na Catalunha no final de semana passada e pude ver e escutar: muitas pessoas que até aquele momento se mantinham indecisas, a partir de ver a resposta do governo central, optaram pelo “sim”. O grande ponto de inflexão foi a intransigência constante do presidente Rajoy. 

O crescimento a favor do “sim” foi evidente ao longo dos últimos 15 dias. Quando os indecisos se decidem, o jogo vira. E o referendo virou a favor dos independentistas. Não foi surpresa a guinada, mas foi surpreendente a mobilização da sociedade catalã a favor do “direito a decidir”.

O que aconteceu  ao longo deste domingo na Catalunha é um fato sem precedentes. A polícia atacando cidadãos com balas de borracha, golpeando com cassetetes, investindo contra multidões que permaneceram pacíficas. O resultado foi de mais de 800 feridos, dois dos quais em estado grave. À medida que apareceram nas redes sociais as primeiras imagens de sangue, feridos e a polícia carregando as perigosas urnas e papeletas, a comunidade internacional ficou indignada. Foi desproporcional o uso indiscriminado de força policial para reprimir um referendo que era ilegal, porque foi proibido, mas que é legitimo. Isto não é democracia. Nem aqui nem lá.

A independência de Catalunha não é uma causa econômica. É verdade que Catalunha representa apenas 6,3% do território e 16% da população espanhola e que em 2015 foi responsável por 20,1% do (PIB) do país. Mas é uma visão simplista demais acreditar que a independência é movida por motivos econômicos. O crescimento do independentismo encontra eco na estúpida maneira encontrada pelo governo central para impor um modelo de país e de democracia que se pauta pela repressão, a truculência e por ignorar e desrespeitar as opiniões divergentes.

Quais os passos seguintes? Difícil dizer. Na situação atual, poderíamos dizer que ontem foi o dia que Espanha perdeu a Catalunha.

O tema dominou na imprensa internacional

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

O dia em que as camisas não estavam no bagageiro do ônibus

POR REGINALDO JORGE 
Desde menino gostava de chegar mais cedo ao Ernestão para acompanhar a chegada dos times adversários que vinham jogar contra o Jec. Os clubes de maior expressão apareciam em vistosos ônibus. Abriam seus bagageiros e tiravam grandes malas com chuteiras, bolas e o uniforme dos atletas. Os times menores chegavam em ônibus acanhados e mesmo assim o bagageiro era aberto e dali muito pouco saía. Uma sacola com algumas bolas velhas, umas garrafas térmicas grandes e o uniforme arrastando dentro de velhas sacolas. Do lado de dentro, a torcida se espremendo nas metálicas para o início do jogo.

O tempo passou e a minha paixão pelo futebol foi crescendo. Antes de completar 20 anos já estava na equipe de reportagem de A Notícia, não sem antes fazer um pit stop como preenchedor de página do Jornal Extra. Comecei na página de polícia do AN e logo depois fui guindado para o esporte. Digamos setor com que tinha mais afinidade do que o anterior. Minha vida de torcedor infantil me permitiu conviver nos campinhos com muitos jogadores que depois viriam fazer parte do time profissional do Jec.

Em uma tarde cinzenta da década de 90 tive o brilho do dia quebrado com a notícia do assassinato do jogador Dido. Um meia atacante cria do Jec, um baixinho habilidoso que tinha despontado nas categorias de base e fora emprestado ao Juventude de Caxias do Sul (RS), com outra promessa do clube o meia Mineiro. Uma torcedora fanática – que era apaixonada por ele e pelo Juventude - não aceitava a possibilidade do seu retorno para Joinville, e lhe tirou a vida a tiros, enquanto ele falava em um orelhão.

Ainda sem digerir a tragédia da morte do jogador e do amigo fui escalado para fazer a reportagem do sepultamento no cemitério municipal de Joinville. Comigo testemunhando o momento o meu editor e irmão Anildo Jorge e o sempre diagramador Paulo Roberto Oliveira, o  Banana, uma mistura de surfista e peladeiro. Não demorou muito para avistarmos nas ruas internas do Cemitério a chegada do ônibus lotado do clube.

De dentro saíram todos os jogadores, comissão técnica e dirigentes. Ficamos a procurar o carro funerário com o corpo. Para a minha surpresa e de todos: o caixão saiu do bagageiro do ônibus. Fico a imaginar a dor dos amigos que viajaram centenas de quilômetros de Caxias a Joinville levando no bagageiro no ônibus que os transportava o corpo do amigo que disputou várias partidas com eles, inclusive na semana anterior ao acontecido.

Naquela tarde vivi o inesperado. Nem bolas, nem camisas e muito menos as surradas bolsas. Do bagageiro saiu o caixão do amigo, atleta, filho, namorado, irmão e promessa que o futebol sepultou momentos depois.





Reginaldo Jorge é jornalista
e torcedor do Flamengo

O desmonte do Brasil e a grande ameaça ao cinema nacional

POR DOMINGOS MIRANDA
O desmonte do Brasil se dá em todos os setores: na economia, na política, no judiciário, na educação, na saúde e na cultura. O cinema é um dos mais poderosos meios de conscientização dos povos, por isso os ditadores sempre tentaram manietá-lo. O Brasil é reconhecido internacionalmente pela qualidade de suas películas e o Cinema Novo se tornou referência mundial. Filmes como "O Pagador de Promessas", "Central do Brasil" e "Cidade de Deus" são críticas ácidas, mas também emotivas, à nossa desigualdade social.

Pois bem, a última afronta ao povo brasileiro praticada pelo nosso usurpador mor do poder aconteceu em agosto, quando Temer vetou a prorrogação  da Lei do Audiovisual, que se encerra dia 31 de dezembro de 2017. Este é um mecanismo que os produtores de cinema usam para captar recursos para a realização de seus filmes e existe desde 1993. Não há nenhum gasto do Tesouro Nacional ou desoneração fiscal. A pessoa ou empresa interessada em participar desta lei destina parte de seu imposto de renda (até 4%) para a produção cinematográfica.

É claro que todo o setor, que emprega 250 mil pessoas, ficou revoltado com este absurdo. Isto é coisa de gente vingativa, pois, durante o Festival de Cannes, no ano passado, toda a equipe de "Aquarius" fez um protesto, antes da apresentação do filme, com cartazes contra Temer, imagem que circulou o mundo todo.

Tal desatino presidencial, se não for derrubado pelos congressistas, poderá afetar também Joinville que está estruturando um polo de cinema em Santa Catarina. Os curtas metragens de diretores da região tem angariado sucesso em festivais. Recentemente foi realizado o 1º Joinville International Short Film Festival, que exibiu 80 curtas de 30 países. Mesmo com todas as dificuldades e falta de incentivos, a sétima arte desabrocha às margens do rio Cachoeira.

Joinville também poderia explorar um outro lado do cinema pouco comentado, o de cidade polo para a produção cinematográfica. Paulínia, no interior de São Paulo, descobriu este filão e deu certo. Lá foram realizados filmes de grande bilheteria. A antiga administração municipal se descuidou do polo, mas que agora está sendo reativado. A nossa cidade oferece as condições adequadas para esta empreitada: tem um bom visual, hotelaria de primeira qualidade, diversidade de paisagens (desde praias até montanhas com araucárias) e a maior diversidade étnica do país.

Ideias não custam caro, mas o importante é colocá-las em prática. Assim como a dança deu um visibilidade nacional e internacional para Joinville, o cinema também poderá fazer o mesmo. Basta ver o exemplo de Gramado, uma pequena cidade gaúcha que soube explorar este filão. Que tal entrar por este caminho? As autoridades municipais poderão dar uma resposta.