quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O sul não é meu país


POR FELIPE CARDOSO

O respeito à democracia é fundamental, principalmente no momento de polaridade política que enfrentamos no país. Apesar de sempre respeitar opiniões de conhecidos e amigos nas publicações que fazia no Facebook, parei de publicar alguns posicionamentos na rede social pelo simples fato de perceber que as pessoas não estão preparadas para respeitar o próximo, muito menos realizar debates com bons argumentos, sem ofensas, sem partir para a apelação, para os xingamentos, reduzindo problemas políticos, econômicos e sociais a ataques pessoais.

Recentemente, a notícia da morte de um imigrante haitiano a facadas, em Navegantes, chocou boa parte dos catarinenses. A notícia teve destaque nacional. Também pudera. Dez pessoas assassinaram uma.

Quem observou e analisou todas as movimentações feitas com a chegada dos imigrantes em terras tupiniquins não ficou tão surpreso com a notícia, pois está alertando, constantemente, sobre o agravamento desse problema, enquanto o Estado assiste tudo e se mantém omisso. Mesmo assim, não tem como não se assustar com tamanha barbárie.

O descaso do governo, o exagero da imprensa mostrando de maneira negativa a chegada de imigrantes haitianos no país, a diferença de tratamento em relação aos outros imigrantes, o racismo por trás de todo o tratamento negado... Tudo isso foi relatado em um texto postado aqui no blog, meses atrás.

Infelizmente, as consequências estão aparecendo. Todo o discurso de ódio, todo o racismo e toda a xenofobia ficaram escondidas em desculpas sobre a crise.

Talvez, tentando respeitar a tal democracia, permitimos que o discurso de ódio se propagasse, que as ideias de separação entre povos tomassem força, que sulistas se achassem superiores a nordestinos, que brasileiros se achassem superiores aos imigrantes, que brancos continuem se achando superiores aos negros.

O patriotismo e o nacionalismo só servem para dividir a classe trabalhadora, bem como o racismo. Ao amar cegamente uma cidade, um estado ou um país você pode não enxergar as imperfeições presentes nele. É o que acontece por aqui, no sul maravilha. A movimentação separatista, junto com uma imprensa pra lá de bairrista, insiste em jogar a culpa e a responsabilidade dos problemas para os outros. Outros estados, outros governos, outras pessoas...

Em um momento de crise financeira, as vítimas da vez foram os imigrantes, mas não todos, apenas os negros. O alarde dos perigos foram feitos por diversos veículos de comunicação, assistimos diversos casos de xenofobia e racismo por todo o país, contra os imigrantes negros. Poderíamos ter aprendido com o erro dos outros estados, mas, infelizmente, seguimos o fluxo. Na onda separatista e conservadora defendemos algo que achamos ser nosso. Um pedaço de terra, um papel, um emprego... Preferimos o ter pelo o ser. Em troca, expulsamos, afastamos. O diferente, o outro é a ameaça. Essa ameaça precisa ser extinta, não pode estar perto. E assim vamos construindo muros simbólicos e físicos, deixando de lado o respeito, a empatia, a troca de experiência e conhecimento.

A morte do imigrante haitiano, em Santa Catarina, não foi efetuada apenas com as mãos das pessoas que cometeram o crime físico. Foram efetuadas com as mãos dos que cometem os crimes psicológicos e simbólicos. Do movimento separatista, da imprensa, dos empresários, dos políticos, dos que negam a oportunidade e, também, com as mãos dos que se mantêm em silêncio diante tudo isso.

Devemos entender que o mundo foi feito para todos e que um mapa não pode ser motivo para a segregação.

O mundo é meu país!

Mobilidade, o item que falta no TOP 10


POR IVAN ROCHA*
Ao ler o preciso texto “A prova dos nove de Udo Dohler”, do jornalista José António Baço (link), senti falta de uma discussão sobre a Mobilidade Urbana e o tema merece um comentário à parte.


Lembro de quando presenciei uma reunião do Movimento Passe Livre com Udo Dohler, ainda em 2013. O prefeito ainda professava absurdos como um carro por pessoa em 30 anos, “mesmo que não usassem”. De lá pra cá muita coisa aconteceu.
Tivemos o labirinto do anel viário do Iririú, onde os moradores tinham que “descobrir” os melhores caminhos por conta própria, parte sem infraestrutura mínima para o aumento da demanda. Ou aquela lombo-faixa fora dos padrões mínimos de qualidade em frente ao colégio, que teve morte. Ou ainda o fim do programa aluno guia, lembrado após a segunda morte na saída das escolas.
Apesar disso tudo, a falta de competência na hora de fazer intervenções não é o pior dos problemas. A falta de coragem de enfrentar os velhos privilégios parece ser uma marca ainda maior da gestão Udo Dohler. Isso é bem claro em dois casos bem conhecidos na cidade.
O mais recente é o privilégio que os pais dos estudantes do Colégio Santos Anjos tinham de parar seus carros no corredor de ônibus da avenida JK. Isso teve fim desde a última segunda-feira, mas só aconteceu após insistência do pessoal da página “Não é só pelo corredor”, que levou o caso ao Ministério Público. A administração municipal estava tentando enrolar através de um projeto de R$ 800 mil que nunca sairia do papel. E a solução foi simples, com alguns cones e mudança nas placas de sinalização.
O segundo caso é a licitação do transporte coletivo, que já venceu a concessão inconstitucional em janeiro de 2014. Mas até agora a Prefeitura continua enrolando com dificuldades de fazer um plano de mobilidade participativo, ou com o processo das empresas de um suposto prejuízo que os usuários teriam que arcar na tarifa. Como no primeiro caso, a solução é simples. Basta reabrir a ação direta de inconstitucionalidade, pois o valor cobrado certamente confrontaria o arquivamento da ação, que seria a falta de prejuízo aos contribuintes.

Assim está minguando o mito Udo Dohler, o empresário que resolveria os problemas da cidade com um “choque de gestón”. Espero que tenhamos aprendido que precisamos de um líder com projeto que quebre paradigmas, e não de um gestor que enrola e não enfrenta velhos privilégios.

*Ivan Rocha integra o grupo de comentaristas do Barulho na Chuva

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Back to the cana!


Joinville é a segunda melhor, mas o segundo lugar não é suficiente

POR FELIPE SILVEIRA

Calma, não estou falando aquela besteira que gente escrota diz sobre competições, de que o segundo é só o primeiro dos perdedores. Quero dizer que não é suficiente ser considerada a segunda melhor cidade do país enquanto somos escandalosamente injustos e desiguais. Por outro lado, negar que Joinville esteja entre as melhores, no comparativo, também me parece injusto. Negar seria não reconhecer o privilégio de viver em uma cidade como a nossa.

Joinville foi privilegiada economicamente por décadas e décadas. É uma cidade industrializada, com empregos, universidades. Na ditadura civil-militar, empresas da cidade receberam muita grana do Estado, gerando um enriquecimento às elites e um esvaziamento do campo. As pessoas foram deixadas de lado para gerar enriquecimento privado.

A cidade é um resultado disso e um prêmio não dá conta das contradições que ela apresenta. Não dá pra comemorar o segundo lugar em uma cidade com saúde precária, superexploração de trabalhadores, transporte público zoado e caro, uma imensidão de ruas de barro, centenas de animais abandonados que o munícipio não dá conta de cuidar, rios poluídos por empresas, saneamento básico que apenas recentemente começou a ser implantado, universidades públicas voltadas apenas às engenharias, universidades privadas que custam o olho da cara dos estudantes, educação pública que não dá conta de educar crianças e jovens, incentivo de desenvolvimento à cultura no chão. Entre outras coisas.

Comemora quem vive numa bolha. Quem tem asfalto na frente de casa, quem ganha vários salários mínimos (na indústria e no comércio o salário médio não chega a dois), quem tem grana para frequentar a via gastronômica, a arquibancada coberta e os teatros globais que de vez em quando aparecem no Teatro Juarez Machado. Comemora quem paga colégio particular e cursinho para os filhos estudaram nas universidades federais em Floripa ou em Curitiba. Parecem muitos, mas são poucos.

Um debate primordial

Um dos maiores dilemas de quem lida com Direitos Humanos, com promoção da igualdade, da justiça e da ideia de uma sociedade melhor, é como chegar às pessoas que não compartilham da mesma ideia. Parece que ficamos falando para nós mesmos, jogando pra torcida, ou, o que é pior, brigando entre nós.

Para mudar isso, acredito que um debate seja fundamental: como usar a comunicação social para isso. Enquanto defensores e defensoras dos direitos humanos conversam com meia dúzia de pessoas, a programação das TVs e rádios, que são concessões públicas, chegam aos milhões de brasileiros diariamente, dia e noite. É preciso exigir que elas façam a sua parte. Marcelo Rezende, Datena, Geraldo Brasil, RBS, Gugu, Xuxa, Pânico, Hélio Costa, Nilson Gonçalves e muitos outros promovem, todos os dias, a desigualdade. Alimentam o ódio e o egoísmo na sociedade. Se continuar assim, não há esperança.

Cura do câncer

O debate sobre a fosfoetanolamina está mais polarizado que a política no Brasil. Pessoal que é contra acha que todo mundo quer que simplesmente se distribua a droga. Não, senhoras e senhores, tem uma parcela que quer a ampliação e finalização das pesquisas.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

O capitalismo falhou... rotundamente


POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Capitalismo e capitalistas é o tema. E nada mais oportuno que começar pelo investidor Martin Shkreli, um dos casos mais recentes de sucesso do capital lá para as bandas de Wall Street. O que o tipo tem de tão especial para ser um expoente (à luz do capitalismo)? Ora, o sucesso está associado ao dinheiro. E, aos 32 anos, Martin Shkreli é um capitalista que faz dinheiro, muito dinheiro. Importam os meios usados?

Eis a fórmula do sucesso do investidor norte-americano. Há pouco tempo, ele criou a Turing Pharmaceuticals, da área de medicamentos, e comprou a patente da droga pirimetamina, usada no combate a doenças como a AIDS e a malária, por exemplo. Até aí tudo normal. Mas o capitalismo existe pelo lucro. E para lucrar o máximo e o mais rápido possível, Shkreli não perdeu tempo: aumentou o preço do remédio, de modestos US$ 13,50 para exorbitantes US$ 750.

Eis a pergunta: há algo errado, do ponto de vista dos capitalistas? Não. O cara vislumbrou a oportunidade (é meritocracia), investiu (é empreendedorismo), deu um novo rumo ao negócio (é inovação). E lucrou... sem gastar uma gotinha de suor. Ou seja, o homem fez apenas o que todo bom capitalista faz. Sem dilemas éticos. Aliás, imagino que os defensores do capital achem normal e não vejam falta de escrúpulos no episódio. Mas...

O capitalismo é um sistema legal, social, econômico e, sobretudo, cultural. Mas há uma coisa que definitivamente não é: ético. Nunca foi, nunca será. E quanto mais muda, mas vai em outro sentido: o velho capitalismo de terra e trabalho, que também nunca andou de mãos dadas com a ética, foi ultrapassado. Ou seja, morreu aquele modo de produção original: tirar da terra, transformar pela força de trabalho humana e vender no mercado com mais-valia.

Hoje o capitalismo é sustentado pela cultura do dinheiro e do individualismo. Os resultados práticos? O dinheiro faz dinheiro, sem haver trabalho. E foi nesse sistema de cassino que surgiram os famosos “lobos de Wall Street” (que têm seus similares em todo o mundo), conhecidos pela ganância e o foco exclusivo no dinheiro. Parece ser o caso do investidor norte-americano na compra da patente. O problema é que esse tipo de sistema sem ética leva o mundo a um caminho muito perigoso.

O resultado de décadas de capitalismo financeiro tem sido um autêntico desastre: 0,7% da população adulta detém precisamente 45,2% da riqueza mundial. Nessas condições, é estranho ver defensores do capitalismo entre os 99,3% restantes. É a prova provada de que o capitalismo fracassou. Mas é aí que entra a cultura. A grande vitória do capitalismo é no plano cultural. Ou seja, é fazer acreditar na sua superioridade, mesmo quando os números mostram que o contrário. E de forma acachapante.

E, para terminar, um aviso aos leitores anônimos: não venham escrever comentários essa conversa de que por criticar capitalismo a pessoa tem que ir para a Coreia. Nem vou discutir. Isso só vai demonstrar que vocês têm um QI muito inferior ao de um símio. Melhor que voltem para as árvores.


É a dança da chuva.