sábado, 15 de novembro de 2014

Tebaldi e o drible na democracia

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

O julgamento do crime cometido pelo atual deputado federal Marco Tebaldi (PSDB) quando este ainda era prefeito demorou muito para acontecer. Não é a toa que nada acontecerá, pois o crime foi prescrito. O tucano driblou a democracia assim como Garrincha fazia com os seus adversários porém, desta vez, a derrota foi coletiva e chancelada por mais de 135 mil eleitores.

As denúncias contra Tebaldi correm a internet há anos. Muitos sabem de suas supostas irregularidades nos mais diversos cargos em que ele ocupou: Secretário Municipal de Habitação, Vice-Prefeito, Prefeito, Secretário Estadual de Educação, Deputado Federal. Mesmo assim, nada o impedia de concorrer e ser eleito ao longo dos anos, mesmo com a recente promulgação da lei da ficha limpa.

O benefício do foro privilegiado e das inúmeras tentativas de recorrer dos resultados em instâncias menores da justiça surtiram efeito. O tempo passou, os casos foram sendo esquecidos, e quando a sentença apareceu, nada vai mudar. Nem a imagem política foi arranhada, graças à tímida cobertura das mídias tradicionais locais. Alguns radialistas, ao invés de fazerem uma crítica à justiça e ao sistema político brasileiro, pré-lançaram o outro tucano Paulo Bauer como candidato a Prefeito de Joinville em 2016. Apagaram uma manchete negativa com outra positiva.

O crime cometido contra o patrimônio público pareceu não ter importância. Parece que o caso Tebaldi só evidencia as injustiças de nossa sociedade representadas naquilo que chamamos de democracia: mídia parcial, justiça que não torna a sociedade justa, sistema político sucateado e cristalizado pelos atuais donos do poder e políticos ficha suja vitoriosos nas eleições e sustentados por empresários e uma "elite" que se beneficia de seus privilégios políticos há anos. Na lista de doadores de sua última campanha, aparecem dirigentes da ACIJ, de outras entidades empresariais da cidade, ex-políticos, imobiliárias e grandes multinacionais da região. O circo montado em torno de um nome é enorme a ponto de o drible não ter sido efetuado sozinho. Ele foi feito por um punhado de correligionários, meia dúzia de poderosos financiadores com efetivo capital social e milhares de eleitores que se deixaram enganar pela astúcia do deputado driblador.

Cabe agora a pressão popular nas urnas ou nas ruas pelo fim da carreira política de Tebadi. Os plutocratas que sustentam vários ramos da sociedade não querem ou fazem o mínimo esforço para tal. A justiça só reforça as desigualdades. E a democracia perdeu de novo.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Já somos México

POR CLÓVIS GRUNER

“Vivos se los llevaron, vivos los queremos”. Há alguns anos, na Argentina e no Chile principalmente, estas foram as palavras de ordem com que parentes de militantes políticos exigiam o retorno de seus entes desaparecidos. Nos últimos dias, elas voltaram a ecoar, no México, feito um desabafo, antes de serem confirmadas as mortes dos 43 estudantes desaparecidos desde o final de setembro. Além da violência brutal a aproximar estes assassinatos daqueles perpetrados pelas ditaduras corruptas que vicejaram em nosso continente, os gritos de ontem e hoje tem algo mais em comum: no passado e no presente, os que pediram a volta de seus filhos como eles foram levados, vivos, sabiam que isso já não era mais possível. Por paradoxal que pareça, reivindicava-se a vida apesar da certeza da morte.    

O roteiro que culminou com a tragédia é conhecido. No dia 26 de setembro, um grupo de estudantes foi detido pela Polícia Municipal de Iguala. Entregues pelos próprios policiais ao cartel Guerreros Unidos, que controla a cidade, foram conduzidos, depois de espancados, até um lixão na cidade vizinha de Cocula. Lá, foram mortos e seus corpos incinerados em uma imensa fogueira. A ordem de sequestrá-los partiu do chefe da Polícia Municipal, Francisco Salgado Valladares; a de matá-los, do chefão local do crime organizado, conhecido por “El Chuky”. O prefeito, José Luis Abrange, não foi apenas conivente, mas participante ativo do assassinato. Ele e sua mulher estão presos.

A HISTÓRIA DE UM FRACASSO – A morte dos estudantes não é um caso isolado, mas mais um capítulo na narrativa de um fracasso. Em junho deste ano, 22 pessoas foram executadas por soldados do exército em Tlatlaya; em uma tentativa de acobertar a execução, as autoridades estatais divulgaram inicialmente, a informação de que as mortes ocorreram durante o enfrentamento entre as tropas militares e as vítimas, ligadas aos cartéis. Há cerca de dois anos, jornalistas que investigavam crimes ligados ao tráfico foram decapitados; mais ou menos à mesma época, os restos de 18 corpos decapitados e desmembrados foram encontrados em Guadalajara, segunda maior cidade mexicana. Em 2010, em Ciudad Juárez, um comando armado invadiu uma festa e iniciou disparos indiscriminados, matando 15 dos jovens que lá estavam.

A violência, uma constante no país há muitos anos, aumentou significativamente desde que o ex-presidente Felipe Calderón declarou guerra aos cartéis da droga. Apenas nos últimos quatro anos, cerca de 22 mil pessoas morreram e os resultados restam infrutíferos: o crime organizado continua forte; os cartéis sobrevivem às investidas militares; muitas instituições e agentes públicos foram irremediavelmente corrompidos e mantém ligações estreitas com o narcotráfico – a começar pelas polícias e os policiais. Em suma, o objetivo inicial, vencer a violência com o recurso à violência, conseguiu produzir... mais violência. A recente revolta popular é plenamente justificada: o México deixou de ser, nas palavras de um de seus principais escritores, Juan Pablo Villalobos, “essa coisa exótica de que o estrangeiro tanto gostava”, para tornar-se “um relato triste, sórdido, escuro” de si mesmo.

O MÉXICO É AQUI – Em artigo publicado na Folha de São Paulo, o jornalista Clóvis Rossi reivindica um maior envolvimento do governo federal nas políticas de segurança pública, “antes que sejamos México”. Reitera, assim, a necessidade de uma política de combate à criminalidade – e notadamente do crime organizado e do tráfico de drogas – sustentada principalmente em ações unificadas, repressivas e de cunho militar, mais ou menos o que defenderam, no segundo turno, Dilma Rousseff e Aécio Neves. Basicamente, a continuidade de uma política que é, justamente, uma das principais responsáveis pelos altos índices de violência criminal de que o Brasil dá hoje testemunho: somente em 2013, foram mais de 50 mil homicídios registrados. Além disso, temos uma das polícias mais letais do mundo, responsável nos últimos cinco anos pela morte de cerca de 11 mil pessoas. Os números também são desfavoráveis se mudamos a perspectiva: no mesmo período, cerca de 500 policiais foram assassinados, a maioria a mando dos chefes do tráfico ou de lideranças ligadas aos comandos criminosos. 

As experiências de militarização da segurança pública, à exemplo das UPPs, aprofundaram e ampliaram um problema já crônico. Elas facilitaram o fortalecimento dos grupos criminosos, hoje mais fortemente armados; forçaram o deslocamento para o interior de parte dos aparatos policial e criminoso antes presentes quase que exclusivamente nas grandes cidades; contribuíram para corromper ainda mais parte da polícia, hoje a serviço do tráfico e do crime organizado; criaram um ambiente de insegurança e violência em comunidades já historicamente carentes; e insuflaram, particularmente entre os setores mais conservadores das camadas médias urbanas, um discurso de justificação da violência institucional. E, claro, produziram cadáveres, muitos, a maioria de jovens pobres e negros. Porque nesta guerra, como em todas as guerras, as vítimas se contam principalmente entre os mais vulneráveis.   

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Vale a pena prescrever de novo!


Os nós do jornal e outros nós da segurança pública

Reprodução da página Anarcomiguxos III
POR FELIPE SILVEIRA

A edição do fim de semana do jornal A Notícia traz uma uma reportagem sobre “os quatro nós da segurança pública” em Joinville. Chamou-me atenção que nenhum deles “bate” com os nós que eu julgo existir. Não quer dizer que eu esteja certo, mas evidencia que o jornal apresenta, senão uma visão ideológica do problema, uma visão limitada.

São os nós do jornal:

- falta de policiais pra atividade ostensiva
- falta de policiais pra investigação
- falta de condições no presídio
- atraso para a chegada das câmeras de vigilância.

Eu gostaria de dizer que se trata de tapar o sol com a peneira ou tratar câncer com aspirina. Mas não é. A defesa de mais repressão é ideológica. Mais PM, mais vigilância, mais repressão, mais defesa da propriedade, que é o que importa numa sociedade burguesa.

Também é curioso notar de onde parte a reclamação da falta de policiais. Na rua onde eu moro, na periferia da cidade, não falta policial na rua. É viatura pra lá e pra cá o dia todo. E acredito que assim seja em toda região periférica de Joinville. Será que falta PM mesmo?

Tenho pra mim que os nós sejam outros. Cito alguns:

- Desmilitarização da polícia militar, por exemplo. Não basta por si só, mas já é um grande passo para a reformulação de uma instituição autoritária e violenta como a PM.
- Inclusão social de jovens da periferia por meio da educação, da cultura, do esporte e do lazer. E quando chegar o momento certo, pelo emprego também.
- Reformulação da cidade que não trate a periferia apenas como um dormitório para os trabalhadores.
- Reformulação do Código Penal e uma nova postura do Judiciário em relação aos presos e presas e aos processos em andamento.
- Legalização da maconha e de outras drogas também como forma de tirar poder do tráfico.
- Caminhada a passos largos rumo à igualdade.
- Educação para o combate à violência, sobretudo contra mulheres e minorias de modo geral.

É característica da sociedade no neoliberalismo tratar as questões de maneira compartimentada. Assim, quando o assunto é segurança pública, discute-se quantidade de policiais e a quantidade de câmeras de vigilância. Porém, na prática uma coisa é ligada com outra. Violência é apenas um sintoma, como uma febre, de um problema maior. Descer o sarrafo não é a solução. Pelo contrário, é dar sal pra quem tá com pressão alta.

A solução é justiça social, busca pela igualdade e uma educação transformadora. Os jornais têm responsabilidade quanto a isso. E, como tudo está ligado, talvez um grande primeiro passo seja a democratização da mídia.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

A Venezuela, sempre ela...

POR JOSÉ ANTÓNIO BAÇO

Venezuela. Opa! Muitos nem se darão ao trabalho de ler o texto: vão direto para os comentários dizer que sou petralha, comuna, esquerdopata e outros elogios. Tenho evitado escrever sobre o país, mas apenas porque não tenho conhecimentos suficientes. Nunca estive lá, raramente leio os jornais locais e apenas esporadicamente dou uma olhada na VTV – televisão estatal venezuelana. Portanto, o silêncio é de ouro.

Mas a questão venezuelana tem um  lado patético. Sempre que alguém quer desqualificar o interlocutor usa o argumento do “bolivariano”. É como se a palavra tivesse poderes mágicos e, quando pronunciada, libertasse uma “verdade” inquestionável. É o mito preferido dos reaças e traz uma ironia: os caras vivem no Brasil e não entendem o próprio país, mas acham que sabem tudo sobre a Venezuela. O nome disso é iliteracia.

Hoje vou meter o meu bedelho porque a coisa chegou aqui deste lado do Atlântico. Os reaças têm feito circular, nas redes sociais, um vídeo da Rádio e Televisão Portuguesa – Madeira segundo o qual o governo venezuelano pretenderia impedir as pessoas de sair do país. Ah... o oráculo da reportagem diz: “Governo venezuelano proibiu a emissão de bilhetes de avião para fora do país”. Parece simples, mas não é (nunca é).

Ora, ninguém discute que a Venezuela está em cirse. Mas é provável que as pessoas não tenham entendido a reportagem, uma vez que o sotaque madeirense é difícil até para os continentais. E ninguém se deu ao trabalho de se informar (estranho se fosse o contrário, né?). Afinal, quem está a causar problemas são os capitalistas, em especial os capitalistas que abusam do capitalismo.

O fato é que há agentes de viagens e operadores turísticos a ganhar dinheiro com a especulação. Quem compra uma passagem tem direito a comprar US$ 3 mil pela cotação oficial do governo. O que acontece? Ora, essas empresas compram passagens e adquirem os dólares, sem que ninguém viaje. E os dólares comprados retornam para o mercado paralelo valendo até sete vezes mais.

É um negócio rentável. Os caras perdem o dinheiro das passagens, mas ainda saem no lucro. O resultado é que os aviões estão sempre “cheios” de passageiros que não viajam, há menos vagas e os preços acabam inflacionados. E mais. Com o dólar oficial, os estrangeiros de países como Colômbia, Equador ou Peru aproveitam para vender os seus dólares no mercado paralelo e comprar as passagens em bolívares. Sai muito mais barato.

As autoridades estimam que 30% dos bilhetes vendidos sejam comprados por estrangeiros, o que acaba provocando uma falta de passagens. Aliás, o oráculo da matéria da RTP-Madeira (que não é muito esclarecedora, digamos), pode dar a entender uma coisa, mas na verdade a reportagem diz que o governo proibiu a emissão de bilhetes com um ano de antecedência.

O fato é que as pessoas nem se deram ao trabalho de ver a matéria, que é imprecisa, e fica fácil distorcer a notícia. É só reduzir a questão ao que se lê no oráculo (na foto) e partilhar o vídeo. É uma mensagem errada? É. Mas o que importa? É assim que o pessoal do ódio prefere. Ah... e não estou a defender a Venezuela e nem o seu governo. É apenas uma tentativa de esclarecer a distorção. Sei que não adianta, mas vou tentando. 


P.S.: Para finalizar, um aviso. Se algum leitor pretende comentar o texto com aquele palavrório manjado dos reaças, pode esquecer. Não perca o seu tempo porque não vou aprovar.