sexta-feira, 4 de julho de 2014

60 virou 80

POR CHARLES HENRIQUE VOOS

Há muitos meses venho presenciando uma situação muito alarmante: a velocidade média das principais avenidas da cidade aumentou. Não, isso não ajuda na fluidez do trânsito e nem foi uma medida proposital por parte da Prefeitura. Isto é um reflexo da falta de radares de velocidade nas ruas de Joinville, após o imbróglio envolvendo a licitação para contratação de empresa especializada neste serviço.

É notório que uma parcela significativa dos motoristas anda, agora, sem preocupação pela cidade. Não há mais como passar por um semáforo no sinal vermelho e ser multado, muito menos andar a mais de 60 km/h e receber uma salgada multa pelos correios. Tá tudo liberado. A sensação é de que, nas principais avenidas da cidade, a velocidade máxima permitida passou de 60 km/h para 80 km/h, tamanha a liberdade que os apressadinhos e imprudentes de plantão possuem ao volante. Nas madrugadas a situação piora, e muito.

Quem sofre com esta situação são os pedestres e os ciclistas. Com a alta velocidade, o risco de acidentes aumenta, principalmente nas áreas onde as ciclofaixas não possuem infraestrutura adequada, ou onde a calçada é inexistente. O atrito entre automóveis e pessoas fica mais acirrado. Sinto na pele durante vários dias a dificuldade de atravessar as ruas, visto a grande velocidade dos automóveis. Imagine para as pessoas mais idosas, ou com alguma dificuldade de locomoção...

E, se analisarmos as manchetes de jornais, é comum encontrarmos a cada dia mais atropelamentos, capotamentos e acidentes que dificilmente existiam em ascendente escala na época dos radares. Pode-se concluir, desta maneira, que o radar por si só não é a única ferramenta de conscientização no trânsito, mas ajuda, apesar das constantes críticas sobre uma "fábrica de multas". A falta de controle aliada à má formação e a baixa consciência de coletividade nas entranhas de um mundo cada vez mais apressado, causa problemas urbanos incalculáveis, pois pessoas morrem e a qualidade de vida padece perante os motores aguçados.

A incompetência da atual gestão municipal, a qual deixa uma licitação parada há meses, sem resultados, faz uma simples placa de 60 km/h perder seu efeito, diante das circunstâncias. Os principais eixos viários da cidade precisam ser humanizados, somando-se ao controle de velocidade: calçadas decentes, ciclovias, canaletas exclusivas para transporte coletivo, iluminação pública de qualidade (outro grave problema), arborização e sinalização que organize as condutas dos agentes do trânsito. Cada um destes temas poderia render outro texto, infelizmente, mostrando o quão pobre é nossa cidade quando o assunto é mobilidade urbana.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Comunistas sanguinários e o sul sem norte


JOSEF ANTONIOV BAÇOVSKY

Não sei qual a razão, mas nos últimos dias alguém ressuscitou uma piada velha (que parecia estar mortinha, esmagada pela própria estupidez): o tal movimento que propõe a separação dos três estados do Sul do Brasil e pretende criar uma espécie de Dinamarca abaixo da linha do Equador. Ou, nas palavras dos divulgadores, um país novo e pujante... a que tomo a liberdade de chamar Dinamarca Botocuda.

Falar sobre esse tema é acender vela para defunto ruim. Mas vou desperdiçar um pouco do meu tempo porque desta vez temos uma novidade política. Li que a criação da Dinamarca Botocuda é uma reação ao fim de um Brasil puro. Ou seja, por não haver mais a possibilidade de um “brasil brasileiro”. O que aconteceu? Ora, eles dizem que a sociedade brasileira está contaminada pelos comunistas sanguinários.

Parem as máquinas. Tive uma epifania e estou tentado a aderir. Vocês, leitor e leitora, não estão louquinhos para se juntar a pessoas tão inteligentes que conseguem ver onde os olhos comuns não alcançam? Quem, além destes gênios da raça, seria capaz de ver onde estão encafuados esses insidiosos comunistas? O perigo vermelho ronda a nossa sociedade e só a lucidez desta gente pode nos salvar.

Sim, vou aderir: “a Dinamarca Botocuda é o meu país”. Porque nela não haverá a insídia comunista e nem os sanguinários. Oh... quanto derramamento de sangue é suficiente para vocês, vermelhos? Já não bastava comerem as nossas criancinhas no café da manhã? Malditos marxistas, vocês são insaciáveis, mas o fim está próximo: se vocês são o sangue, a Dinamarca Botocuda será o modess.

Perceberam o alcance da proposta, leitor e leitora? Quem mais poderia travar esta guerra de sangue? Quem mais poderia acabar com os comunistas sanguinários senão homens com sangue azul e sobrenomes estrangeiros? É o que expressa a bandeira do tal movimento: três estrelas, que representam os estados de gente com nomes europeus, sobre um fundo azul, que representa a cor do sangue dessa nobreza sulista.

Brincadeira tem hora. Mas esse pessoal que vê comunistas sanguinários até em baixo da cama não sabe quando parar.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Copa & Repressão

Olha aí o ROBOCOPA!
POR FELIPE SILVEIRA

A conversa de bar com o Clóvis Gruner, numa das raras vindas do parceiro de blog para Joinville, poderia ter muitos assuntos (de fofoca a Foucault), mas não deu pra escapar daquele que tomou a maior parte do encontro: política e copa. Aliás, para ser mais preciso, da relação da copa com a política. Desse papo, trago um tópico para discutir aqui, com vocês.

A “falta” de manifestações durante a copa tem razões distintas. Entre elas, o mergulho que mídia e sociedade em geral deram no evento futebolístico, o famoso “não se fala em outra coisa”. Outro motivo eu apontei no texto da semana passada (clique aqui para ler). Para mim, um ciclo, o ciclo #NãoVaiTerCopa se encerrou. Ele foi muito válido e a luta vai continuar, mas a partir de outro mote, que a esquerda precisa encontrar.

E a luta precisa continuar, pois o “legado” da copa, no campo político, é de repressão. Foi exatamente o que o Clóvis lembrou na nossa conversa de boteco. Se estar na rua, na luta, já é desgastante por si só, imaginemos com o aparato policial e militar articulado, em clima de guerra, para a Copa do Mundo.

Com treinamento da polícia com o FBI; com o Exército na rua; uniforme que mais parece o Robocop, o ROBOCOPA; e uma Lei de Segurança Nacional bizarra, é claro que as manifestações não seriam como em 2013. Outro momento, outro contexto, outro aparato de repressão.


Continuidades

Não podemos dizer que a repressão não nos é familiar. O povo sempre tomou porrada. Tiro, porrada e bomba, pra usar o verso da MPB. Vale para todo o mundo, mas especialmente no Brasil, cuja veia autoritária tem papel extremamente importante na história.

E se ainda cicatrizamos as feridas da ditadura civil-militar, lidando com seu “legado”, temos na copa um novo momento marcante para a história. O desaparecimento do pedreiro Amarildo (em área de UPP, e portanto algo ligado à copa); a condenação de Rafael Braga Vieira, por porte de vinagre; a prisão de Fábio Hideki, acusado de porte de explosivos.

Ok, tem copa, e é uma copa espetacular do ponto de vista do futebol, mas ela teve um preço, e vai deixar um legado.


Protesto não é crime!

A repressão também não é estranha aos militantes dos movimentos sociais de Joinville, especialmente daqueles que lutam por um transporte público gratuito e denunciam a relação escandalosa dos setores público e privado na exploração da população por meio deste negócio.

A perseguição aos joinvilenses ganhou um novo capítulo em fevereiro deste ano, quando três destacados militantes foram detidos após uma manifestação, enquanto tentavam conversar com policiais que tentavam tirar uma manifestante que estava de bicicleta de dentro de um ônibus. Um detalhe importante é que esta “operação” contou com cerca de 20 policiais e sete viaturas...

Os militantes foram levados à delegacia, onde passaram por situações que quem conhece a polícia como conhecemos pode imaginar o que aconteceu. Não falarei, mas você que não é bobo sabe do que tô falando.

Diante disso, o Coletivo Anarquista Bandeira Negra lançou a campanha Protesto não é crime, que recebeu o apoio de diversas organizações políticas locais. Você pode dar uma olhada em algumas notas aqui, e, quem sabe, dar o seu apoio também: nota do MPL, do Mulher na Madrugada, do Mulheres em Luta, do Psol e do SINTE-Joinville.

Seu apoio é importante, assim como a consciência de cada um de nós diante dos cenários nacional e local. Para além do clima de festa, do #TáTendoMuitaCopa, é preciso pensar no preço que ela teve, na maneira como ela está sendo executada, e, mais importante, nas continuidades que ela propõe.